sábado, 10 de agosto de 2013

A história que eu sei contar

ARTHUR BERNARDES DE OLIVEIRA
tucabernardes@gmail.com
De Guarani, MG


V - Mas o bote falhou

Mas o bote redundou no mais desastroso fracasso.
E é bom que se analise bem o que isso representava. Porque outra coisa não tenho feito, nesta vida, senão colecionar fracassos.
Eu provaria, facilmente, isso, não fosse fugir ao espírito dessa brincadeira narrada. Mas vale a sinceridade da  afirmação: –  Tenho sido, pelo menos fui, durante muito tempo, o mais completo colecionador de fracassos pessoais, nessas terras das Alterosas.
Mas continuemos.
Aluguei um carro, vesti o meu terno, o único, o solitário, nem muito bom, nem muito novo, mas com a grande vantagem de ser o único.
Aqui eu interrompo para uma divagação importante.
Vesti meu primeiro terno, quando terminei o curso ginasial, em 1948. Estava, com 17 anos. O primeiro sapato também não fazia muito tempo. Basta dizer que o calçado que me levou ao colégio em 1945 era uma chuteira velha, dada  não sei por  quem.
É tão importante isso que o primeiro depois foi substituído pelo único. Quando, em 1953, fui estabelecer-me em Garça, meu mano Amaury, acho que acanhado com a apresentação do irmão, e com o frio da terra, mandou-me fazer dois ternos. Para não fugir à predestinação, só um serviu. O outro ficou curto demais.
De lá para cá, não sei se por capricho ou por preguiça, o certo é que não me importei mais com roupa.
Basta dizer que, estando, hoje, em melhor situação do que antes, os dois ternos que tenho me foram dados: um pelo Ayres, outro pelo Simonini.
Mas vesti o meu terno, e lá fomos, Jadinha  (Jáder Pacheco) e eu, rumo ao baile de Guarani. Estava absolutamente certo de que o pássaro estaria na mão. Daquele rabo, alguns fios voltariam comigo, presos na palma de minha mão.
Entramos e fomos para uma mesa lá no fundo do salão, à direita de quem entra. Parece-me que era a última mesa. Atrás de nós, apenas a porta que conduz as garotas para o reservado que foi feito para os retoques de maquilagem, mas que elas transformaram em sala de fumar.

VI – O baile e a cerveja

O garçom nos viera anunciar que, sem saber por quê, a geladeira tinha parado de funcionar e que as bebidas, portanto, não estavam geladas.
A noite estava fria e resolvemos arriscar a cerveja quente mesmo. Nada mais desagradável.. Aquela coisa choca engrossando na  garganta e deixando um pigarro que até hoje não desapareceu.
A mão no copo e os olhos na sala. Eu tinha dezesseis olhos cravados no salão. Com os dois do colega, que sabia do meu plano, eram dezoito olhos à procura de alguém.
A orquestra tocava um bolero. Mais outro. Outro mais. E a turma dançando. E a noite passando. E eu sem ver nada.
Carminha (Maria Carmem, futura cunhada) não perdia uma volta, mas e a irmã? João Velho me tinha dito que ambas não perdiam os bailes. Que dançavam por instinto e vocação. Mas a irmã não veio!
Finalmente a orquestra parou. Os pares se separaram e o salão ficou vazio.
Foi aí que o choque me pegou.. Lá no canto oposto, em diagonal com a minha mesa estava ela. Mas não estava só.
Iniciara justamente naquele dia o namoro agourento. E o cabra não dançava. E ambos, compenetrados, do canto da sala, dominando o mundo e o tempo.
– Garçom, outra cerveja!
E bebemos a noite inteira. Cerveja quente, mas que ficou gostosa.
Na volta para casa, lembro-me bem do Jadinha sorrindo e gozando sem parar. E perguntava, para ele mesmo responder, em meio a gargalhadas:
– Que fomos fazer em Guarani?
– Beber cerveja quente. Pra isso não precisávamos ter ido a baile, e a baile fora. Bastava o bar do Zoroastro.
E eu mudo, também sorrindo, tecia novos planos para o assalto final. (Continua.)


Nota:

O texto acima faz parte do livro intitulado “A história que eu sei contar”, escrito por Arthur Bernardes de Oliveira e concluído no dia 28 de julho de 1964. O livro compõe-se de 20 capítulos e será aqui publicado ao longo de dez semanas, sempre aos sábados. A primeira parte foi publicada neste blog no dia 28 de julho de 2013.



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