sábado, 30 de novembro de 2013

Finalidade da vida

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Estimados irmãos e irmãs em Cristo, paz seja conosco.
Trataremos hoje de um assunto muito sério: a finalidade da vida. Para tal, faremos algumas considerações sobre a existência de Deus e a imortalidade da alma.
Remontemos à alma. Como surge? Quando? Onde? Por quê? Para quê?
Dizia Lavoisier (1743 – 1794), o pai da química, que na “natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Filósofo e gênio francês, Lavoisier teve a infelicidade de viver na época da Revolução Francesa e foi guilhotinado pelos burgueses revoltosos em 1794, quando ainda estava com 50 anos de idade.
No século seguinte ao de Lavoisier, Charles Darwin (1809 - 1882), naturalista britânico, apresentaria ao mundo sua teoria da seleção natural e sexual. Essa teoria viria a tornar-se o paradigma central dos diferentes fenômenos biológicos.
Nesse mesmo século, por meio das vozes dos Espíritos, surge a revelação de que, no universo, existem três elementos gerais: Deus, espírito e matéria (questão 27 de O Livro dos Espíritos — LE). Dizem os Espíritos superiores que, “ao elemento material é preciso juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre o espírito e a matéria propriamente dita”. O fluido universal nada mais é do que a energia em estado quintessenciado.
Surge mais um século e, em 1905, Einstein demonstra que a energia, chamada fluido pelos Espíritos, possui, como a matéria, a propriedade da inércia ou massa. Confirma, assim, a teoria lavoisiana de que “a matéria, ao nível das reações químicas, não desaparece, se transforma”.
Algumas décadas depois, por intermédio de um Espírito chamado André Luiz, recebemos diversos livros, psicografados por Chico Xavier, com narrações sobre a vida espiritual, que nos reafirmam a grande verdade comprovada cientificamente: “a matéria é luz coagulada”, ou: “a matéria é energia condensada”. Além disso, a psicologia confirma-nos que até o pensamento é matéria.
Estaria assim confirmada a teoria materialista?
Não, muito pelo contrário. O que foi confirmado é a teoria dos Espíritos sobre a existência, no universo, de uma “trindade universal” que não é a do pai, filho e espírito santo, da Igreja, mas a da presença, cósmica de um Espírito ordenador e regulador de tudo o que existe, ao qual podemos denominar Deus, grande Arquiteto, Ser supremo, suma Inteligência etc., mas que a tudo rege, a tudo prevê e provê. Ele como que ejeta de Si, incessantemente, pela ação de seu pensamento, uma força que movimenta inteligentemente a substância do universo: o elemento espiritual, que pode sofrer os mais diversos tipos de transformação, sob o poder da Sua Inteligência.
É desse elemento espiritual que provém a inteligência universal, da qual se formam as individualidades dos Espíritos.
Deus é o Eu sou, citado nas escrituras sagradas, o Ser incriado, eterno, imutável, único, soberanamente justo e bom, a que os Espíritos superiores denominam inteligência suprema e causa primeira de todas as coisas (questão 1 do LE). Pois bem, o próprio Jesus Cristo, ao se dirigir à samaritana que tirava água do poço, esclareceu-lhe: “— Deus é Espírito [...]” (João, 4: 24).
Mas também somos Espíritos divinos, pois o Cristo confirmou o salmista, em João, quando lembrou aos judeus de sua época: “— Está escrito, vós sois deuses [...]” (João, 10: 34). Somos, pois, deuses gerados, Espíritos filhos do Espírito, Pai de tudo o que é formado e se transforma, vez que, viu bem Lavoisier, nada se perde na natureza.
Podemos, ainda, entender a modificação eterna não somente dos seres, como propôs Darwin, mas também de tudo o que existe.  Segundo os Espíritos superiores (questão 607-a do LE), tudo na natureza se encadeia e tende para a unidade. Do elemento inteligente universal (questões 606 e 606-a LE) surgem as almas dos animais e as dos homens, mas a inteligência destes passa por uma elaboração superior à dos animais.
Antes de responder à pergunta sobre o surgimento da alma, recordo-lhe, leitor inteligente, que, assim como há um mundo material, há também um mundo espiritual, “que preexiste e sobrevive a tudo” (questão 85 do LE).
E o que é a alma? Nada mais que “um espírito encarnado” (questão 134 do LE). Passemos ao surgimento da alma. Ao longo de milhões de anos, o espírito inteligente é elaborado em sua passagem pelos três reinos: mineral, vegetal e animal. E está confirmada a teoria da evolução das espécies de Darwin.
Esse naturalista equivocou-se apenas num detalhe: tudo provém de Deus e a Ele retorna, numa evolução infinita, pois, após o reino mineral, sucedido pelo vegetal que, por sua vez, evolui para o animal, surge o reino hominal e, por fim, o último degrau da evolução espiritual: o reino angelical, quando já se pode afirmar, como disse o Cristo: — “Eu e o Pai somos um” (João, 10: 30).
E o que fazem os anjos? Tocam trombetas eternamente, sentados à mão direita de Deus? Não, meu amigo, para esses Espíritos puros, o trabalho é uma lei. Leia no evangelho o que disse Jesus: “— Meu Pai trabalha até hoje, e eu trabalho também” (João, 5: 17).
Esse trabalho não é, porém, sinônimo de exaustão em atividades monótonas, entediantes. É o poder de transformação com Deus - único que também cria -, de desfrute indefinível, na linguagem humana, das delícias das produções transformadoras muito acima da arte e da ciência medíocres dos homens da Terra.
Concluamos, pois, com o poeta-filósofo do Espiritismo, Léon Denis (In: O grande enigma. Rio de Janeiro: FEB, 2008, cap. 1.):
De igual maneira que em nós a unidade consciente, a alma, o eu, persiste no meio das modificações incessantes da matéria corporal, assim, no meio das transformações do universo e da incessante renovação de suas partes, subsiste o Ser que é a Alma, a Consciência, o Eu que o anima e lhe comunica o movimento e a vida.
Ou seja, o que se transforma, incessantemente, no mundo físico, é a matéria, até atingir a condição de espírito inteligente, a partir do qual participa da vida de eterna aventura; até atingir, com Deus, a eterna ventura da vida, ao compreender e praticar Sua Lei do Amor. Foi o que também levou o poeta Léon Denis a dizer que a alma dorme no mineral, sonha no vegetal, agita-se no animal, desperta no homem e prossegue evoluindo na condição de anjo (In: O problema do ser, do destino e da dor. Ed. FEB).
Desse modo, a alma é elaborada na matéria, mas para tornar-se individualizada, é-lhe acrescentado o elemento inteligente universal, princípio espiritual. Surge, assim, o Espírito, que, ao encarnar, é denominado alma.
Por que surge a alma? Porque estamos nos transformando, desde a elaboração divina dos elementos primitivos. Para quê? Para atingir a perfeição (questão 132 do LE). Primeiro, no reino material, em seguida, individualizados, no espiritual. Quando tal acontecer, teremos atingido o para quê: para alcançarmos a felicidade dos Espíritos perfeitos, como colaboradores divinos.
Tudo isso, pelo Poder da Vontade de Deus, expresso nesta frase: Fiat lux (Gênesis, 1: 3). E a luz foi feita.
Aproveitemos, pois, para realizar todo o bem que pudermos. Desse modo, aprendendo e trabalhando sempre, em prol do bem de todos e sob a direção de Jesus Cristo, já estaremos recebendo, desde já, o cêntuplo do que fizermos pelo nosso próximo (Mateus, 19: 29), sem o qual não é possível existirmos.
Assim, a própria razão do Ser divino justifica-se por sua obra, que não se confunde com Ele, mas que, como projeção do Seu pensamento, da Sua vontade, na substância material e espiritual, age de modo incessante, sábio e eterno, amando até mesmo os tolos que duvidam de Sua existência. Deus é Amor.
Somos todos, portanto, interdependentes, pois, como diz Paulo: "Em Deus existimos, em Deus nos movemos". Ao que completamos: convivemos, nos amamos e nos transformamos. Fica com Deus, amigo; Deus te proteja, amiga.

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Pérolas literárias (64)


Boneca

Narcisa Amália de Campos


Boneca!... Era uma vez a bonequinha humana,
Borboleta a voejar, sob véus de neblina,
Primavera de sonho e graça matutina,
Transfundidas na carne em rósea filigrana...

Bela e ardente, dançou, qual brejeira cigana,
Nos laços da ilusão que se adensa e esborcina.(1)
Mulher, envelheceu disfarçada em menina,
Alegre bibelô na ribalta mundana.

Nem renúncia no amor, nem lar de que se importe.
Mas, bailando febril, encontra, um dia, a morte,
Na dor que lhe crepeia(2) o coração e a estrada...

A libélula cai sobre o charco profundo
E, no visco de lama, ouve apenas do mundo:
– “Boneca!... Era uma vez a boneca doirada!”


(1) Esborcina: relativo ao verbo esborcinar, que significa escalavrar, danificar, arruinar, deteriorar; quebrar os lavores altos, os bordos ou beiras; cortar pelas bordas.

(2) Crepeia: forma verbal derivada certamente da palavra crepe: fita ou tecido negro que se usa em sinal de luto.



Poetisa, cronista e tradutora, Narcisa Amália de Campos nasceu em S. João da Barra (RJ) em 3 de abril de 1852 e desencarnou no Rio de Janeiro (RJ) em 24 de junho de 1924. O soneto acima integra o livro Antologia dos Imortais, obra psicografada pelos médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira.


sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Quem somos, donde vivemos, para onde vamos?


Um leitor nos indaga: - De todos os assuntos tratados na Doutrina Espírita, qual podemos considerar como sendo o mais importante?
Allan Kardec tratou, embora indiretamente, dessa questão, como podemos ver no cap. IV de seu livro A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo.
Nele, o Codificador do Espiritismo defende o pensamento de que a questão mais importante para o homem é expressa numa frase bem conhecida de todos os filósofos: - Quem somos, donde viemos, para onde vamos?
Tal seria, diz Kardec, a questão mais relevante para o ser humano, porque ela envolve a sua origem e o problema do seu passado e do seu futuro.
O assunto é examinado em profundidade pela Doutrina Espírita e, dada a sua importância, podemos dizer ao leitor que esse seria, por conseguinte, o tema mais relevante de todos os que foram e são explanados pelo Espiritismo.
Trata-se, paradoxalmente, de um assunto sobre o qual a Ciência se conserva muda e a Filosofia emite opiniões que dificilmente concordam entre si, enquanto a Religião simplesmente não o discute.
Com efeito, embora estejam de acordo quanto à aceitação da existência da alma, as religiões divergem no tocante à sua origem e ao seu futuro, bem como em relação às condições de que depende sua sorte porvindoura. De tais divergências nasceram a dúvida e a incredulidade, e isso deu lugar a um penoso vácuo.
Os homens, como sabemos, encaram com ansiedade o desconhecido em que têm fatalmente de penetrar por força da morte corpórea. A ideia do nada, que alguns cultivam, os assusta. Sua consciência lhes diz que alguma coisa lhes está reservada para além do túmulo, mas inegavelmente, fora do Espiritismo, não encontram respostas que satisfaçam ao bom senso e à razão.
Com as informações trazidas pela Doutrina Espírita, a dúvida cede lugar à certeza, porque o espírita sabe, de forma palpável, quem efetivamente somos, donde viemos e para onde vamos.




quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Pílulas gramaticais (79)


Considere as frases abaixo e veja se estão corretas:
1. Quando você vir o dignitário, saúde-o em meu nome.
2. João nada ouvia, como se houvessem várias paredes envolvendo-o.
3. Bastante perfumada, a casa de Maria rescendia a jasmins.
4. As crianças logo se entreteram com os brinquedos da prima.
5. José, ponha teu livro a serviço da equipe.
6. Quando tu vires o dignatário, saúda-o por mim.
O leitor atento verá que apenas a primeira frase está correta: Quando você vir o dignitário, saúde-o em meu nome.
Dignitário é assim mesmo que se escreve. A palavra designa aquele que exerce cargo elevado, que tem alta graduação honorífica, que foi elevado a alguma dignidade.
Eis a frase inicial e as demais frases, depois de corrigidas:
1. Quando você vir o dignitário, saúde-o em meu nome.
2. João nada ouvia, como se houvesse várias paredes envolvendo-o. (O verbo haver com esse sentido não se flexiona quanto ao número.)
3. Bastante perfumada, a casa de Maria recendia a jasmins. (Recender, que significa cheirar agradavelmente, exalar, trescalar, escreve-se assim, sem “s” antes de “cender”.) 
4. As crianças logo se entretiveram com os brinquedos da prima. (Não existe a forma verbal “entreteram”.)
5. José, ponha seu livro a serviço da equipe. Ou então: José, põe teu livro a serviço da equipe. (O imperativo tem de concordar com a pessoa a que se refere.)
6. Quando tu vires o dignitário, saúda-o por mim. (Não existe a palavra dignatário: o correto é “dignitário”, como explicado logo acima.)

*

Dois leitores estranharam a frase “entre mim e o leitor” constante de um texto publicado neste blog.
Não seria melhor – ambos perguntaram – “entre eu e o leitor”?
A dúvida levantada é muito comum, mas a frase "entre mim e o leitor" está correta. Depois das preposições “entre” e “para” não se usa em casos assim o pronome “eu”, mas sim o pronome oblíquo “mim”.



quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A humildade não deve jamais ser fingida


Prosseguimos ontem à noite no Centro Espírita Nosso Lar, de Londrina-PR, o estudo sequencial do livro O Tesouro dos Espíritas, de autoria de Miguel Vives y Vives, conforme tradução de J. Herculano Pires, publicada pela EDICEL.

Três foram as questões propostas para debate inicial:
1. A humildade é algo a ser cultivado por nós espíritas?
2. Que devemos fazer quando um confrade anda em erro?
3. Qual o maior preservativo contra as dissensões em nosso meio?

Realizou-se em seguida a leitura do texto abaixo, que serviu de base aos estudos da noite, seguindo-se, a cada item lido, os comentários pertinentes:

40. Todo espírita deve portar-se com a maior humildade possível perante os seus irmãos, mas a humildade não deve nunca ser fingida, porém leal e sempre disposta a servir. (P. 56)
41. Assim compreendendo, o espírita nunca fará alarde de saber ou de possuir faculdades, e menos ainda de considerá-las extraordinárias, expondo suas ideias de maneira prudente, sensata e oportuna. Se for importunado por um de seus irmãos, procurará responder de bom modo, tentando convencê-lo, se possível, mas sempre agindo humildemente. (P. 57)
42. O espírita não deve olvidar que não existe empresa maior nem trabalho mais nobre, que atrair o amor leal e sincero de seus irmãos, ciente de que nada há na Terra tão proveitoso como fazer-se uma criatura de paz, de amor e de concórdia. (P. 57)
43. Quando virmos que um de nossos confrades anda em erro, ninguém deve lançar-se contra ele, certo de que todos podemos cair enfermos do corpo e da alma. Se não for possível atraí-lo por meio da caridade, devemos atraí-lo pela indulgência. (P. 58)
44. Há um grande meio para atraí-lo: descobrir nele alguma coisa que o agrade e que possamos estimular. Isso pode servir-nos. Contraindo amizade mais íntima, poderemos exercer a influência moral necessária para levá-lo ao bom caminho. (PP. 58 e 59)
45. Quando tudo, porém, se fez para corrigir um irmão, sem que ele se deixe convencer, é preciso que sem ruído, sem atrito, nos afastemos dele, procurando não contaminar-nos e evitar que outros se contaminem. Evidentemente, isso se fará depois de adotados todos os recursos que nos aconselham a humildade, o amor, a indulgência e a caridade. (P. 59)
46. Em nota de rodapé, Irmão Saulo lembra que os próprios Espíritos protetores afastam-se das criaturas que se recusam a corrigir-se. O remédio é deixá-las prosseguir na experiência que escolheram. Questão de livre-arbítrio. (P. 59)
47. Fique claro, porém, que o espírita não deve abandonar o seu irmão numa crise, nem na doença, nem na miséria. Ao contrário, deve ser para ele como um pai ou uma mãe, consolando-o em suas aflições, assistindo-o em suas enfermidades, ajudando-o em suas necessidades, protegendo-o na velhice, dando-lhe a mão na mocidade. (P. 60)
48. Assim agindo, demonstramos à Humanidade que a palavra irmão não é apenas uma fórmula, mas a expressão do amor que sentimos. Como consequência disso, reinaria em nossas reuniões tanta cordialidade e tanto amor, que nelas os nossos Espíritos se regenerariam. Há entre nós amor e proteção mútua, mas esta precisa ser mais decisiva. (P. 61)
49. Na verdade, nem sempre o amor em desenvolvimento, a caridade e a humildade dominam nos Centros espíritas e nas nossas reuniões. Causa lástima ver – afirma Miguel Vives – lutas nos Centros para as disputas dos primeiros lugares. Por isso, os que exercem mais influências num Centro são os que devem viver mais alertas, os que mais necessitam de observar as regras prescritas nos itens anteriores, encarregados que são de vigiar e conduzir os de menor compreensão e alcance. (PP. 62 e 63)
50. Esses que, por seu entendimento, compreendem melhor e se convertem em guias de seus irmãos não mais pertencem a si mesmos, passam a ser exemplos para os demais e não podem falsear a verdade: devem ser modelos em tudo e não podem deixar-se dominar pelo amor-próprio, que é sempre um mau conselheiro. (P. 64)
51. Não é fácil haver dissensões onde reinem o amor, a caridade e a humildade, porque cada um se considerará como o servidor dos outros, e terá prazer em sê-lo, porque saberá que assim dá cumprimento à lei e se desenvolve. Evidentemente, podem aparecer problemas de difícil solução, mas nestes casos os mais prudentes se calam e suplicam o auxílio de Deus, esperando que o tempo e os acontecimentos deem remédio aos males. Só se recorre a uma medida extrema quando nem a caridade, nem a indulgência, nem o amor e a humildade podem remediar esses males. (PP. 67 e 68)
52. Essa medida deve ser, contudo, executada com prudência, evitando-se murmurações e sobretudo fatos que possam originar escândalos fora do meio espírita, pois escândalo e publicidade causam grandes danos aos que nos observam. (P. 68)

*

Findo o estudo, foram lidas as respostas dadas às perguntas propostas. Ei-las:

1. A humildade é algo a ser cultivado por nós espíritas?
Sim. Todo espírita deve portar-se com a maior humildade possível perante os seus irmãos, mas a humildade não deve nunca ser fingida, porém leal e sempre disposta a servir. Assim compreendendo, o espírita nunca fará alarde de saber ou de possuir faculdades, e menos ainda de considerá-las extraordinárias, expondo suas ideias de maneira prudente, sensata e oportuna. Se for importunado por um de seus irmãos, procurará responder de bom modo, tentando convencê-lo, se possível, mas sempre agindo humildemente. (O Tesouro dos Espíritas , 1 Parte, Guia Prático para a Vida Espírita, pp. 56 e 57.)

2. Que devemos fazer quando um confrade anda em erro?
Quando virmos que um de nossos confrades anda em erro, ninguém deve lançar-se contra ele, certo de que todos podemos cair enfermos do corpo e da alma. Se não for possível atraí-lo por meio da caridade, devemos atraí-lo pela indulgência. Há um grande meio para atraí-lo: descobrir nele alguma coisa que o agrade e que possamos estimular. Isso pode servir-nos. Contraindo amizade mais íntima, poderemos exercer a influência moral necessária para levá-lo ao bom caminho. Quando tudo, porém, se fez para corrigir um irmão, sem que ele se deixe convencer, é preciso que sem ruído, sem atrito, nos afastemos dele, procurando não contaminar-nos e evitar que outros se contaminem. Evidentemente, isso se fará depois de adotados todos os recursos que nos aconselham a humildade, o amor, a indulgência e a caridade. (Obra citada, pp. 58 e 59.)

3. Qual o maior preservativo contra as dissensões em nosso meio?
Não haverá lugar para dissensões onde reinem o amor, a caridade e a humildade, porque cada um se considerará como o servidor dos outros, e terá prazer em sê-lo, pois saberá que assim dá cumprimento à lei e se desenvolve. Evidentemente, podem aparecer problemas de difícil solução, mas nestes casos os mais prudentes se calam e suplicam o auxílio de Deus, esperando que o tempo e os acontecimentos deem remédio aos males. Só se recorre a uma medida extrema quando nem a caridade, nem a indulgência, nem o amor e a humildade podem remediar esses males. (Obra citada, pp. 67 e 68.)



terça-feira, 26 de novembro de 2013

O amor assim compreendido


CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Era início da manhã; o sol estava brando.
Numa rua, ainda não asfaltada, praiana, um senhor e sua senhora vinham devagar. O homem empurrava, com certa dificuldade, a cadeira de rodas de sua amada companheira.
Tinham mais de oitenta e, há muitas décadas desse tempo de vida, estavam juntos.
Ela, após sérios problemas de saúde, não mais se podia zelar. Era cuidada por seu terno amor... amigo... companheiro.
Vinham os dois e quando se aproximavam de um casal, vizinho da rua, pararam para desejar o “bom dia” – os mais antigos, com a sabedoria e a ternura adquiridas, fazem questão de manter esse hábito salutar – e nesse intervalo do pequeno passeio matinal, o senhor abriu o coração para o casal amigo:
– Farei o melhor que puder por esta minha companheira até o momento permitido.
O homem dizia com uma mão no ombro e a outra na cabeça da esposa.
Ela estava bastante franzina e debilitada, não mais falava, mas seus olhos azuis lançavam o apreço de há tantos anos completos e juntos vividos; experiências maravilhosas, difíceis, alegres, tristes, no entanto, com único desfecho: o crescimento da alma que será sempre espírito.
Havia, mais uma vez naquele momento, o encontro da cumplicidade, do respeito, da compreensão e da vida, pois o esposo, também já mais fraco e cansado, esforçava-se para ampará-la, literalmente, de corpo e alma.
Cuidava da parte física e alimentava ainda mais a essência intocável e eterna, com os recursos da prece, do carinho, da paciência, ou seja, do amor que une espíritos na caminhada da plenitude para a sua emancipação.
Depois de uns minutos compartilhados, o senhor deu até logo aos amigos e, empurrando a cadeira de seu amor, rumou para o lar que os esperava.
Na estrada da vida, estavam os dois seguindo e aprendendo juntos.
E o sol brilhava no céu.

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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

As mais lindas canções que ouvi (63)



O que me importa

 

José de Ribamar Cury Heluy

 

 

O que me importa

Seu carinho agora

Se é muito tarde

Para amar você...

 

O que me importa

Se você me adora

Se já não há razão

Pra lhe querer...

 

O que me importa

Ver você sofrer assim

Se quando eu lhe quis

Você nem mesmo soube dar

Amor!...

 

O que me importa

Ver você chorando

Se tantas vezes

Eu chorei também...

 

O que me importa

Sua voz chamando

Se pra você jamais

Eu fui alguém...

 

O que me importa

Essa tristeza em seu olhar

Se o meu olhar tem mais

Tristezas pra chorar

Que o seu!...

 

O que me importa

Ver você tão triste

Se triste fui

E você nem ligou...

 

O que me importa

Seu carinho agora

Se para mim

A vida terminou

Terminou! oh! oh! oh!

Terminou! oh! oh! oh!

Oh! oh! oh!...


 

 

Você pode ouvir a canção acima na voz de Marisa Monte clicando neste link: http://www.youtube.com/watch?v=3vjwJlv7Dfk /. Se quiser ouvi-la, na interpretação de Tim Maia, basta clicar em http://www.youtube.com/watch?v=qBTeU9jpVmI /. Com o título de Cosa m'importa, Ornella Vanoni e Mario Biondi também a gravaram; eis o link: http://www.youtube.com/watch?v=2Jdra1h_CSc

 

  

domingo, 24 de novembro de 2013

Qual é o propósito da reencarnação?



Existe, como sabemos, uma diferença de conteúdo essencial entre os vocábulos reencarnação e ressurreição.
A ideia de que os mortos podiam volver à vida terrestre fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurreição. Somente os saduceus, partidários de uma seita fundada por Sadoc por volta do ano 248 a.C., cuja crença era a de que tudo acabava com a morte, não acreditavam nisso.
As anotações do evangelista Marcos não deixam margem a dúvidas, como está muito claro no texto adiante transcrito:

E saiu Jesus, e os seus discípulos, para as aldeias de Cesareia de Filipe; e no caminho perguntou aos seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens que eu sou? E eles responderam: João o Batista; e outros: Elias; mas outros: Um dos profetas.  (Marcos 8:27-28.)

Os judeus admitiam que um homem que vivera podia voltar ou reviver, sem saberem precisamente de que maneira o fato se dava. É assim que, conforme vimos no texto do evangelista Marcos, muitas pessoas acreditavam que Jesus fosse algum dos profetas que voltara. Designava-se, pois, com o nome de ressurreição o que o Espiritismo chama de reencarnação.
A ressurreição propriamente dita, que implica o retorno à vida de um corpo que se acha com seus elementos dispersos ou absorvidos, é cientificamente impossível. Se aplicada às pessoas que tiveram uma morte aparente, como Lázaro ou a filha de Jairo, fica evidente a impropriedade da palavra, porque, não existindo morte, não há que falar de ressurreição, mas sim de ressuscitação, nome que se dá, em Medicina, ao conjunto de atos pelos quais, mediante o uso de manobras manuais e de aparelhos adequados, se restaura a vida ou a consciência de um indivíduo aparentemente morto. 
Reencarnação significa coisa diferente, pois é a volta do Espírito à existência corpórea, mas em outro corpo, formado especialmente para ele e que nada tem de comum com o antigo.
Foi exatamente isso o que se deu com Elias, conforme palavras ditas pelo próprio Cristo, anotadas pelos evangelistas Mateus e Marcos:

E os seus discípulos o interrogaram, dizendo: Por que dizem então os escribas que é mister que Elias venha primeiro? E Jesus, respondendo, disse-lhes: Em verdade Elias virá primeiro, e restaurará todas as coisas; Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do homem. Então entenderam os discípulos que lhes falara de João o Batista. (Mateus 17:10-13.)

E interrogaram-no, dizendo: Por que dizem os escribas que é necessário que Elias venha primeiro? E, respondendo ele, disse-lhes: Em verdade Elias virá primeiro, e todas as coisas restaurará; e, como está escrito do Filho do homem, que ele deva padecer muito e ser aviltado. Digo-vos, porém, que Elias já veio, e fizeram-lhe tudo o que quiseram, como dele está escrito. (Marcos 9:11-13.)

A ideia de reencarnação está bem definida na questão 166 d´O Livro dos Espíritos:
– Como pode a alma, que não alcançou a perfeição durante a vida corpórea, acabar de depurar-se?  “Sofrendo a prova de uma nova existência.”
a) Como realiza essa nova existência? Será pela sua transformação como Espírito? “Depurando-se, a alma indubitavelmente experimenta uma transformação, mas para isso necessária lhe é a prova da vida corporal.”
b) A alma passa então por muitas existências corporais? “Sim, todos contamos muitas existências. Os que dizem o contrário pretendem manter-vos na ignorância em que eles próprios se encontram. Esse, o desejo deles.”
c) Parece resultar desse princípio que a alma, depois de haver deixado um corpo, toma outro, ou, então, que reencarna em novo corpo. É assim que se deve entender? “Evidentemente.”
Vê-se que o propósito da reencarnação é permitir que os Espíritos alcancem a meta para a qual fomos criados: a perfeição. O conceito de reencarnação está, portanto, intimamente ligado ao conceito de encarnação, isto é, à passagem do Espírito pela existência carnal ou corporal, assunto tratado na questão 132 da mesma obra:
– Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos? “Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal: nisso é que está a expiação. Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta.”
À vista destes ensinos, não é difícil compreender as seguintes palavras que Jesus dirigiu a Nicodemos: “Em verdade, em verdade, digo-te: Ninguém pode ver o reino de Deus se não nascer de novo”. (João, 3:1 a 12.)



sábado, 23 de novembro de 2013

A carteira nº 2


JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

A revista Seleções informa-nos, neste mês, que fez um teste de honestidade em seis cidades brasileiras, nas quais “perdeu” 72 carteiras, com cem reais e identificação do proprietário em cada carteira. Não vamos mencionar os nomes das cidades, mas constatou-se que na mais honesta, São Paulo, setenta por cento das pessoas devolveram a bolsa, enquanto na menos honesta, o Rio de Janeiro, esse mesmo percentual a reteve.
Lembrei-me então do meu conto “A carteira” e resolvi contar-lhe seu desdobramento, amigo leitor. Afinal, tudo muda neste mundo, até a honestidade carioca, que, em outros testes, já foi considerada uma das mais elevadas... Provavelmente, essas últimas carteiras, no meu Rio de Janeiro, estivessem no lugar e hora errados, não é mesmo?
A vida, meu bom amigo, é uma só; mas as existências corporais são muitas. Ou você não leu Brás Cubas, que, de nossa dimensão, narrou a saga de sua última jornada terrena?
Pois bem, para seu melhor entendimento desta versão de “A carteira nº 2”, é preciso que leia em www.dominiopublico.gov.br a versão nº 1. A não ser que, como bom apreciador da literatura, já conheça a história anterior...
A vida prossegue...
Continuando aquela existência, diríamos que Honório tornara-se renomado advogado e jamais desconfiara da infidelidade de Amélia, que o traíra durante dez anos, com Gustavo, amigo do casal. Até que a febre amarela os matou, a todos, no bom ano de 1896, com a diferença de três a quatro semanas entre cada óbito.
Sobrevivera a filha de Amélia, então com quatorze anos, que fora morar com uns parentes, casara-se e dera origem a nova geração da árvore genealógica da família. Ficara, porém, uma dúvida: Maria Clara, a filha, seria mesmo de Honório ou de Gustavo?
É bem verdade que, cinco anos antes de Clara nascer, D. Amélia não conseguira engravidar, o que somente ocorrera após o estreitamento da amizade que o casal passara a ter com Gustavo, o qual, desde então, costumava ser visto a sós com a esposa de Honório na ausência deste. Em geral, Amélia, que gostava de tocar ao piano músicas alemãs, tocava para o amigo, que embevecido não se cansava de aplaudi-la e elogiá-la.
Mas o tempo passara e, como dissemos acima, o triângulo amoroso foi ajustar contas na terra dos pés juntos. Para não confundir o leitor, manteremos, em sua “repaginação”, os mesmos nomes de nossos personagens que se encontram em “A carteira” de 15 mar. 1884.
Eis que, passados quarenta anos no umbral [região trevosa do plano espiritual], o trio reencarnou no Rio de Janeiro. Amélia retornou ao corpo físico como vizinha dos pais de Honório, o marido traído na existência pregressa. Moravam, agora, na Glória. Gustavo, o amante de outrora, voltara à nova existência perto dali, no Leblon, como neto de Clara e filho de um advogado famoso, que muita influência teria em sua vocação para a advocacia.
Os três ficaram amigos, na escola de ensino médio, frequentada por eles, de nome Irmandade da Trindade Universal, dirigida por um padre franciscano. Concluídos os estudos secundários, ainda adolescentes, Gustavo começou um namoro firme com Amélia, sob as vistas complacentes de Honório, que mantinha uma relação amorosa secreta com a amiga.
O tempo passou, e casou-se Gustavo com Amélia; mas agora, o pianista era ele, que também se formara em Direito e passara a advogar sem muito sucesso na profissão; a provedora-mor da casa era a esposa. Foram residir no Leblon, em apartamento doado pelos pais de Gustavo.
Amélia graduara-se em relações internacionais e fora aprovada no concurso do Instituto Rio Branco. Tornara-se diplomata, ganhava muito bem e trabalhava muito também.
Teve filhos gêmeos: um loiro e alto, como Gustavo; o outro, moreno e baixo, como Honório. Por essa época, as crianças estavam com quatro anos, e nada lhes faltava em casa.
Quanto a Honório, tornara-se comerciante em Botafogo, onde também passara a residir. Sua loja ia de vento em popa, desde que Amélia se lhe associara informalmente, haja vista que sua função pública a impedia de assumir qualquer outra atividade remunerada.
Eis que, um belo dia, de repente, Gustavo olhou para o chão e viu, meio oculta, uma carteira caída à frente do balcão da loja do amigo, quando em visita a este, no final do expediente comercial. Em instantes, abaixou-se, apanhou-a e, sob os olhares de um homenzinho que já fechava a porta da loja, e ninguém mais era do que seu amigo Honório, ouviu este lhe dizer, sorrindo, enquanto Amélia, pálida, aparecia por detrás do balcão:
— Rapaz, que bom que você achou minha carteira. Amélia estava ajudando-me a procurá-la, pois a féria do dia está toda guardada aí e já estávamos imaginando que algum larápio a roubara.
Ao que respondeu Gustavo, entregando-lhe a bolsa, orgulhoso da douta e prestimosa esposa:
— Muito bem, querida, ajudar os amigos é mais do que um favor, é obrigação. Ainda mais quando se é sócio, completou rindo bastante. Mas agora vocês me desculpem, tenho que ir voando à casa de vovó, Maria Clara, tomar um chazinho com ela, pois vamos comemorar minha primeira vitória importante na vara de família.
 — É mesmo, amor? – pergunta-lhe a esposa, já refeita do susto inicial — E qual foi a causa que ganhaste?
— Coisa simples. Uma separação litigiosa em favor do marido traído; algo que jamais ocorrerá conosco, não é mesmo, amor da minha vida?
— O amor de vocês é tão lindo – acrescenta Honório —, que nada no mundo vai separá-los.
— Claro — conclui Amélia — lindo e único! Parabéns, querido, depois, os três comemoramos mais esta sua vitória jurídica, quando você tocará para nós, ao piano, uma sinfonia alemã. Mas agora que está tudo bem, vou para casa descansar um pouco, pois hoje precisei auxiliar o embaixador num processo de concessão de asilo a um político corrupto e adúltero. E isso me deixou exausta e indignada...
— Quer que a deixe em casa, amor? Estou de carro...
— Não é preciso, querido, também estou de carro; e vou conferir com Honório a féria do dia. Às 21 horas, estaremos lá.
Gustavo sai. Honório, de posse da carteira, retirou de seu interior um bilhetinho, que o outro não tivera tempo de “ler, e estendeu-o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula, rasgou-o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor”.
Mais tarde, os três inseparáveis amigos comemoraram, na casa do casal, a causa ganha por Gustavo que, ao piano, tocou a 9ª sinfonia de Beethoven.
Ao centro, voltado para o teclado, o advogado, feliz, tocava divinamente ladeado por Honório e Amélia que cantavam, com ele, a letra musical em português. De repente, silenciaram, se abraçaram emocionados e choraram copiosamente, após recitarem esta estrofe:
Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
Uma única em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!            

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Pérolas literárias (63)


Cego

Bastos Tigre


Sempre que nega o ateu que Deus exista,
Contra a blasfêmia se revolta o crente.
Mostra-lhe a “obra” que requer o “Artista”,
Mundos e sóis onde o Criador se sente!

– Fita o mar! Para o céu estende a vista!
Olha em ti! Não descobres Deus presente?...
Mas o ateu nada vê: materialista,
Com a matéria se afaz e está contente.

Não me revolta o ateu. Se ele diz: – Nego!
Lamento-o como se lamenta a um cego
Que nem sabe para onde se conduz.

Nasceu sem vista: é justa essa descrença,
Não tem, acaso, o cego de nascença
Direito de negar que exista a luz?



Bastos Tigre nasceu em Recife (PE) no ano de 1882. O soneto acima, que ele fez em homenagem a Frederico Figner, foi publicado na revista Reformador em 1933.




sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Fora da caridade não há salvação

Reportando-se ao lema “Fora da caridade não há salvação”, um leitor pergunta-nos o que na doutrina espírita se entende por caridade.
Segundo o que pensamos, o conceito da palavra caridade, na visão espírita, é idêntico ao entendimento que Jesus tinha com respeito ao mesmo assunto; pelo menos é isso que está dito na questão n. 886 d´O Livro dos Espíritos, na qual Allan Kardec indagou: - Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus? Eis a resposta: “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas”.
Em nota colocada logo em seguida, Kardec diz que o amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, visto que amar o próximo é fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejamos nos seja feito. Esse, o sentido da conhecida frase de Jesus: “Amai-vos uns aos outros como irmãos”.
A caridade, como se vê, não se restringe à esmola, mas abrange todas as relações em que nos achamos com os nossos semelhantes, sejam eles supostamente inferiores, iguais ou superiores a nós.
Ela nos prescreve também a indulgência, porque de indulgência nós também precisamos, e nos proíbe que humilhemos os desafortunados, contrariamente ao que se costuma fazer. De fato; se se apresenta diante de nós uma pessoa rica ou famosa, todas as atenções e deferências lhe são dispensadas, diferentemente do que normalmente ocorre se ela for alguém destituído de recursos ou de fama.
Ora, quanto mais lastimosa for sua posição, tanto maior cuidado devemos ter em não lhe aumentarmos o infortúnio pela humilhação, porquanto o homem verdadeiramente bom procura elevar, aos seus próprios olhos, aquele que se encontra em posição de subalternidade, diminuindo assim a distância que os separa.
A caridade pode, pois, ser feita de várias formas – por pensamentos, por palavras e por ações – e se disfarça de mil modos.
Podemos ser caridosos até mesmo com os parentes e com os amigos, sendo indulgentes uns com os outros, perdoando-nos mutuamente as fraquezas e cuidando para não ferir o amor-próprio de ninguém.
Importante também, no tocante à chamada caridade material, que nos lembremos de uma conhecida advertência de Jesus. Disse-nos o Mestre: “Quando derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita; a fim de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará”.
Tais palavras significam que o bem que praticamos não deve ser divulgado nem constituir motivo de orgulho para aquele que o pratica. Fazer o bem sem ostentação e ocultar a mão que dá constituem marca incontestável de grande superioridade moral, visto que, agindo assim, a pessoa renuncia à satisfação que advém do testemunho dos homens e espera tão somente a aprovação de Deus. E tal ação se revela ainda mais sublime quando o benfeitor, invertendo os papéis, acha meios de parecer ser ele o beneficiado diante daquele a quem presta serviço, algo que Cairbar Schutel sabia fazer como ninguém.



quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Pílulas gramaticais (78)

As palavras da Língua Portuguesa dividem-se em dois grupos: o das palavras variáveis e o das invariáveis. São variáveis: substantivo, adjetivo, pronome, verbo, artigo e numeral.
O numeral classifica-se em cardinal, ordinal, multiplicativo e fracionário.
Eis os exemplos:
Cardinal – um, dois, três, quatro etc.
Ordinal –  primeiro, segundo, terceiro, quarto etc.
Multiplicativo – dobro, triplo, quádruplo etc.
Fracionário – meio, um terço, um quarto etc.
Na referência a reis, papas, séculos e capítulos usa-se o ordinal (até o número 10) e o cardinal (daí por diante):
- Papa Paulo VI (Paulo sexto)
- Século IV (século quarto)
- Capítulo V (capítulo quinto)
- D. Pedro II (D. Pedro segundo)
- Papa João XXIII (João vinte e três)
- Século XIX (século dezenove).
Quando empregamos o numeral em leis, decretos, portarias e documentos semelhantes, usa-se o ordinal (até nove) e o cardinal (de dez em diante):
- Artigo 1o (primeiro) 
- Artigo 6o  (sexto)
- Artigo 9o  (nono)
- Artigo 10 (dez)
- Artigo 12 (doze).

*

A grafia dos ordinais apresenta geralmente quatro modelos, a saber:
3º - forma usual, natural e mesmo automática fornecida pelo editor de textos do programa Microsoft Word
3º. - igual à anterior com adição de um ponto
3.º - forma adotada na Gramática Metódica da Língua Portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida (ed. Saraiva, 36.ª edição, pp. 159 a 163)
3o - forma adotada no Dicionário de Questões Vernáculas, de Napoleão Mendes de Almeida (ed. Caminho Suave, pp. 209 e 211), no Manual de Redação e Estilo, de Eduardo Martins (ed. O Estado de S. Paulo, 3.ª edição, pp. 199 e 200) e ainda no Manual Ordenado de Normas sobre o Tratamento da Redação Oficial - MONSTRO, vol. I, cap. 11, de Ernani Garcia dos Santos, publicado pela Secretaria da Receita Federal.
Qual delas devemos utilizar?
Com exceção da primeira - 3º -  que pode ser confundida com a expressão indicativa de graus (no caso, 3 graus), consideramos válida qualquer uma delas, tendo em vista que Napoleão Mendes de Almeida, o gramático mais respeitado deste país, valeu-se de duas formas diferentes e, ademais, não existe, ao que nos consta, nenhuma norma aplicável ao assunto.



terça-feira, 19 de novembro de 2013

A relva verde atravessa o tempo

CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Os pés subiam a íngreme montanha coberta por uma vegetação rala, devido à intempérie climática, e ainda verde, por insistência, com raminhos longos e finos. Sua mão de, aproximadamente, pouco mais de meio século se apoiava num cajado feito de galho de árvore forte e centenária. O seu corpo estava coberto por roupas que o protegiam do vento frio e constante, comum à região.
No entanto, naquela hora, uma tempestade quase varrera o cenário, menos o que possuía raiz mais funda. O homem estava com a cabeça protegida com um gorro de pele de algum animal abatido para se tornar alimento e vestimenta.
Às vezes, ele parava para poupar um pouco de energia, porém, não demorava e, logo, com calma e persistência, continuava sua subida. O pé direito sempre repousava à frente.
Faltavam cerca de duas horas para as seis da tarde. Em decorrência do mau tempo, típico da época, a noite já era mais presente que o dia. Naquela data, um ou outro transeunte se atrevia a sair de suas casas adequadas ao clima.
Exatamente, cinquenta minutos, foi a duração do percurso de seu último descanso até a casa no alto da colina aonde deveria chegar. Em ambiente assim, o corpo humano despende alto nível de energia, no entanto, a alimentação mais rica em caloria repõe essa perda.
A essa hora o céu já era escuro por completo, de frio, de vento, de falta das luzes das casas que por perto não existiam. Mas uma tão singela e pequenina aguardava o homem que determinadamente alcançava sua porta de entrada.
Se não bastasse toda a dificuldade vencida, ele ainda carregava na outra mão, sem o cajado, um saco de estopa com alguns mantimentos, um tipo especial de remédio e uma garrafa de leite.
Com calma, como em todo o desenvolvimento do caminho, abriu a porta. Subiu a perna direita para ultrapassar uma tábua existente entre o lado de dentro e o de fora; talvez fosse uma maneira de evitar que a neve invadisse o interior da casa.
Encostou o cajado na parede e o saco de estopa colocou-o em cima da minúscula mesa quadrada que pegava o espaço, na casa, de um cômodo.
O homem suspirou mais fundo que de costume, olhou o local, observou a cama com outro corpo mais debilitado que o seu. Passou alguns segundos olhando o ser repousado no colchão de uma espécie de capim com algum preparo para não se perder em mofo.
E continuou a tirar os poucos mantimentos trazidos com a garrafa de leite. Os outros olhos pouco se abriram, mas seguiam os movimentos executados pelo senhor do cajado. Este colocou cada coisa em seu devido lugar. Lavou a mão, despejando com a caneca a água morna de uma espécie de garrafa que mantinha essa temperatura.
Depois esperou escorrer as últimas gotas mais pesadas da mão, olhando, fixamente, para o plano da água que se encerrava na bacia esmaltada com várias lasquinhas tiradas. Secou as mãos na toalhinha pendurada próxima.
Pegou a garrafa de leite. Era preciso aquecê-lo um pouco e o fez enquanto passava um café fresco. Depois de ter colocado a mistura de café com leite em duas xícaras de alumínio, pegou pão caseiro e cortou duas fatias com pelo menos três centímetros de largura cada.
Olhou pela janela e teve a certeza de que neve e frio seriam presentes nos dias vindouros. O homem soltou um sorriso pelo canto dos lábios, talvez por já conhecer a rotina do lugar.
Preparou a fatia de pão com mel puro e grosso extraído das abelhas do parque na época da primavera. Pegou a canequinha com leite quente e café e foi em direção à cama com a pessoa quase imóvel.
Reservou a refeição em cima de um banquinho de madeira ao lado da cama. Acomodou melhor o outro corpo, amparou as costas e, pacientemente, deu-lhe a caneca na mão. Era o que conseguia. Os outros olhos agora sorriram.
Os dois homens compartilharam o momento e a comida. Já estavam alimentados.
Mais uma vez se entreolharam. Talvez neste átimo de tempo, poderiam vivenciar a mesma lembrança, no entanto, nenhum dos dois mencionara qualquer ideia retomada.
O senhor, então, recolheu as duas canecas. Alguns farelos de pão ficaram adormecidos na cama com outros dos dias anteriores. Sem muito se governar, o homem, debilitado, pendeu para o lado direito. Ficou alguns minutinhos assim até o outro perceber e endireitá-lo. Os olhos do acamado agradeciam-lhe e sentiam o mais puro arrependimento.
Era uma tarde ainda fria, havia exatamente um ano. O senhor morador da casa no alto da colina chegava depois de um duro dia de trabalho; saía de manhãzinha e só no final do dia retornava. Não tivera filhos e sua esposa, dois anos atrás, também numa tarde fria, havia sido enterrada.
Com um pouco de dificuldade pelo clima e pelo cansaço solitário, ele demorou alguns segundos a mais para abrir a porta de seu casebre. Esse foi o tempo necessário para um homem, nunca visto nas imediações, atacar o senhor e tentar roubá-lo levando o tão pouco que conseguira com o trabalho dos dias anteriores.
Quando há escassez, o pouco torna-se muito e há de protegê-lo para sua permanência e aproveitamento para se manter em pé, com vida.
E de repente o estranho homem investiu, sorrateiramente, um golpe pelas costas contra o senhor. O alvo era o minguado pacote de comida e, caso as encontrasse, algumas moedas. Dois homens rolando como meninos em momento pueril, com a diferença de que meninos, ainda assim, possuem uma pureza mais confiável.
Os golpes duraram minutos eternizantes até que a experiência foi mais sábia que a força e a juventude. O senhor do casebre imprimiu uma rasteira ao desconhecido que perdera o equilíbrio e caiu de costas numa pedra mais pontuda que as demais daquele terreno. Da mesma forma que caíra, portanto, ficou.
São segundos na vida que bem pouco se compreende o andamento das ocorrências, mas são capazes de alterar todo o percurso predeterminado de uma existência.
O senhor, ofegante pelo esforço, olhou para o homem mais moço, imóvel, gemendo de dor e tremendo pelo desespero da imobilidade que visitara seu corpo. O senhor buscou fundo o ar necessitado até se acalmar e recobrar a respiração mais harmoniosa e batidas do coração menos aceleradas.
Já mais calmo, aproximou-se do homem sobre a pedra e lhe perguntou:
– Homem, o que você fez?
O mais jovem não lhe respondera, porém, fitou-o com olhos tristes, desesperançosos.
O senhor, inquieto, entrou no casebre e tomou um gole de água fresca armazenada numa moringa grande. Saiu novamente. Não sabia o que fazer. O mais próximo morador residia a cerca de dois quilômetros de distância. Ele teria de encontrar alguma solução. A noite já era dominante.
Deixou a fraca luz acesa e seu sentimento apenas lhe dizia para recolher o homem desconhecido e, agora, imóvel.
Com grande dificuldade e tremendo gasto de energia, o senhor, por fim, conseguiu recolhê-lo e o colocou em um leito que há muito não era usado, desde o falecimento de sua esposa.
Talvez o homem, ao carregar o jovem para dentro, tenha feito o maior esforço físico até o momento; o rapaz estava muito pesado e com o corpo relaxado, também não havia coordenação, devido à lesão ocasionada pelo tombo.
Exatamente essa situação em andamento completara um ano; o jovem, infrator daquela hora e, de fato, com as razões sustentadas por sentimento desconhecido do momento, estava agora sob os cuidados do homem que sofrera o susto e o mal-estar de ter sido acuado por um assalto.
Mesmo que palavras não sejam pronunciadas ou escritas, os olhos podem ler o diálogo e a conversa do espírito... da alma. Sempre o coração alertará o seu dono dos prós e contras realizados.
Dessa forma, os olhos do jovem sempre imploravam o perdão pela conduta impensada, desesperada de fome, apavorada por talvez tantos desencontros vividos. No entanto, a sabedoria da vida já ensinou ao viajante que em toda época apenas a trilha do bem o levará à luz. Todo coração reconhece o sentimento suave, a paz benevolente ou o desassossegado torpor da má conduta.
O senhor lavou as duas xícaras, guardou o restante do pão, deixou organizada a parte onde se reconhecia como cozinha. Mais tarde sabia que deveria fazer um caldo quente para ambos se alimentarem; no frio intenso, o corpo necessita de maior quantidade de energia para se manter aquecido.
Ele ainda tinha um tempo para descansar antes de ir para a feitura do jantar.
Os olhos do mais jovem, porém, acamados, seguiam o dono do casebre. Admiração, arrependimento, força, amor, fé; aquele olhar era capaz de sentir isso tudo. E somente o que poderia fazer era conviver com o sentimento arrependido.
Com os dias que se passavam, o jovem começou por uma palavra, depois uma frase, o exercício diário da prece. O arrependimento começou a se transformar em respeito, afeto... amor. Sim, era o mais nobre sentimento que ele, agora, sentia pelo homem que quase fora a vítima fatal de seu desequilíbrio.
E mais uma vez o senhor olhou para o céu e em seguida fechou a porta; o frio era congelante. A pequena, entretanto, e imprescindível lareira estava acesa e estalava com a energia do fogo que ardia. Como de costume, o senhor, toda noite, alcançava um dos poucos livros presentes e corria os olhos em voz alta pela crônica ou o conto do momento.
Era a grande espera cotidiana, a leitura de um escrito. E o jovem não era capaz de contar ao senhor, nem ao menos, o sonho que tivera, pela situação física conquistada na tarde do desatino.
Portanto, o jovem não pôde lhe contar que a noite passada sonhara que era ainda menino e o senhor era o seu pai. Os dois passeavam num campo de relva verdinha e baixa; a época era bem próxima à Primeira Grande Guerra. E nesse passeio, um dos entregadores da correspondência do Governo foi ao encontro do pai e lhe passou, em mãos, o papel que mudara toda uma história.
Em dois dias o homem deixara esposa e filho para servir o país. No menino, ficou impressa a infinita tristeza de não mais poder, com seu herói, conviver. Quanto vazio a alma do filho passara!
Possivelmente o sonho fora uma maneira de resgatar a memória eterna, que voltou a ser espírito e agora estava alma mais uma vez vivendo o que lhe fora, supostamente, roubado: a convivência com seu pai.
O tempo e a experiência mostrarão ao jovem que o pai não tivera culpa de seguir, e o abraço, então, será de frente como almas que se amam. E ainda compreenderá que a Terra é escola da vida onde os alunos nela matriculados precisam aprender o amor antes de tudo.
E o jovem atentava em cada palavra lida pelo senhor. Aqueles olhos se encantavam por esta voz. E o senhor cuidava do jovem como se fora seu próprio filho, ou melhor, o filho que nesta existência ainda não lhe tinha sido presenteado.

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