sábado, 2 de agosto de 2014

Coerência


JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

— Meu caro Joteli, se não fosses tão esquecido, ter-te-ias lembrado, como a mim me lembra, de que o poema postado na revista Reformador, de 2009, não é um soneto e sim um poema com quatro estrofes de seis versos, que terminam com o refrão "É preciso coerência". Releia-o, por favor. E brinda também teus leitores com um dos teus mais metafísicos poemas.
— É verdade, amigo Bruxo do Cosme Velho. Redimir-me-ei, então, com meus leitores, e o transcreverei abaixo:

É preciso coerência

Ao contemplar a vastidão do espaço,
Em bela noite, um sábio refletia:
De que me vale toda esta ciência,
Se o mais das vezes, falo o que não faço?
Então ouviu a voz que lhe dizia:
É preciso coerência...

E disse ao vento com estardalhaço:
De que me vale, ó Deus, tanta teoria?
E ouviu de novo a voz, que bem sabia
Provir de sua própria consciência,
Que, novamente, a sós, lhe repetia:
É preciso coerência...

Eu bem sei disso, mas o que queria
Para, envolvendo todos num abraço,
Poder lhes alertar sobre o que via,
É ter, como Jesus, a presciência.
Mas a voz, implacável, insistia:
É preciso coerência...

Então compreendeu o que não via:
Ninguém alcança a luz sem persistência.
Tão bem como saber, Jesus fazia
E nisso estava toda a sua Ciência,
Pois, para alguém segui-lo, passo a passo,
É preciso coerência.

— Exatamente assim, meu caro Joteli... Agora é com vós, amiga leitora e leitor amigo:

Sabeis o que é poesia?

É difícil explicá-la: é um sentir sem definição; é uma palavra que o anjo das harmonias segreda no mais íntimo d'alma, no mais fundo do coração, no mais recôndito do   pensamento. A alma, e o coração, e o pensamento compreendem essa palavra, compreendem a linguagem em que lhe foi revelada — mas não a podem dizer nem exprimir(1).

— Só não entendi uma coisa, Machado, por que você resolveu escrever sua crônica sobre um texto poético deste aprendiz de poeta tão simplório?
— Ora, Joteli, fui eu quem to inspirou; não percebeste? "É comum aos discípulos tirarem aos mestres o mau de envolta com o bom, como ouro que se extrai de envolta com a terra"(2). Fui tão coerente em minha última encarnação na Terra, que recusei a extrema-unção proposta por um padre no momento em que expirava...
— Mas você não foi criado na Igreja Católica, tendo sido coroinha? Não conhecia a Bíblia como poucos? Não frequentou inúmeras missas? Não foi amigo de bondosos padres e bispos, que homenageou em suas crônicas?
— Também poderias inculcar-me espírita, embora conheças algumas crônicas, especialmente escritas em minha mocidade, nas quais ataquei a nova Doutrina. Um dos meus melhores romances é Memórias póstumas de Brás Cubas e, se leres atentamente todos os meus livros que se seguiram a este, verás a presença de personagens e fenômenos espíritas que prestavam minha reverência e respeito ao Espiritismo como ciência, filosofia e religião definitivas.
— Então, Machado, em seus últimos dias de vida física na Terra...
— Afastei-me da igreja, dos maus religiosos, mas a terra me foi leve: mantive a minha convicção de que reencontrar-me-ia não somente com Carolina(3), como de fato reencontrei, mas também com todos os bons amigos de nossa extensa família espiritual.
— Então, até breve, meu bom amigo...
— Adeus, Joteli. Vejo-te nesta outra dimensão... Se mereceres...



[1] AZEVEDO, Sílvia Maria;  DUSILEK, Adriana; CALLIPO, Daniela Mantarro (Orgs.). Machado de Assis: crítica literária e textos diversos. São Paulo: Unesp, 2013, p. 53.

[2] _____; _____; _____ (Orgs.). _____. São Paulo: Unesp, 2013, p. 98.

[3]  ASSIS, Machado de. Machado de Assis: obra completa. Rio de Janeiro: Cia. José Aguilar Editora, 1973, vol. 3, p. 1070- 1071.





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