sábado, 25 de julho de 2015

Assim disse o Nário



JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Acabei de ler, num trabalho de teoria literária, que “o interdisciplinar não é uma sinecura”. Então, fiquei pensando comigo mesmo: “Mas o que é mesmo uma sinecura?”. Um dos meus hábitos idiossincrásicos é procurar saber o real significado de palavras pouco faladas numa frase. Daí procurei o Houaiss, que me explicou: “sinecura sf (1881 cf. CA¹) emprego ou cargo rendoso que exige pouco trabalho [...]”.
— E também não me pergunte, amigo leitor, o que significa esse ¹ junto com o restante dentro dos parênteses acima, que não lhe vou explicar, porque eu também não sei, não quero saber e, como você, tenho raiva de quem quer saber...
Assim disse o Nário. E respondi-lhe de bate-pronto:
— Tá bom, tá bom, tá bom... agora já tenho uma ideia do que seja “sinecura”. Mas o que é mesmo interdisciplinar?, já que isso exige muito trabalho, como se depreende do que o autor quis dizer com “sinecura”.
— Vamos lá, mas agora, só por esnobismo, vou trocá-lo pelo Aurélio: “interdisciplinar [De inter- + disciplinar.] Adj. 2 g. Comum a duas ou mais disciplinas ou ramo de conhecimento”.
E só.
Percebeu?
O Houaiss ainda acrescentaria: “2 que é comum a duas ou mais disciplinas”. E outra coisa: o ponto final da definição do Aurélio fica dentro da segunda chave, mas o ponto final de minha citação fica depois das aspas.
Então agora já sei. O autor da frase da primeira linha desta crônica quis dizer que a identificação do que é comum entre duas ou mais disciplinas exige muito trabalho. Agora você já sabe, não é mesmo, amiga leitora?
Parodiando o que disse alhures, em crônica de 6 de janeiro de 1895, “Se a pedra de Sísifo não andasse já tão gasta, era boa ocasião de dar com ela na cabeça dos leitores”, a propósito do significado das palavras. Per accidens, logicamente, tudo o que acabo de lhe dizer. Afinal, “lutar com as palavras é luta mais vã”, como já dizia o poeta Drummond. Por isso, a consulta ao dicionário é o “eterno recomeço” representado pela mitologia de Sísifo, condenado por Zeus a rolar eternamente uma pedra do cimo de um monte alto, para o qual ela sempre retornava, como seu castigo por assaltar os viajantes na estrada.
— O que significa isso, Machado? Perguntar-me-á o amigo leitor. E eu lhe respondo que o correto conceito das palavras é extremamente importante no entendimento de uma frase. Para tanto, é preciso escolher um dos muitos significados de cada termo dicionarizado. Se você achou chata a leitura desta crônica, você ainda não viu nada. Veja no Houaiss os significados da palavra sistema, que ocupa o espaço de mais de uma página do citado livro, correspondente a, no mínimo, três páginas deste texto. A diferença é que, ali, a letra é, também, três vezes menor do que esta.
Já os significados de espaço ocupam apenas um terço de página do Houaiss e meia página do Aurélio, ou seja, umas três páginas como esta que você lê.
Desculpe-me por ocupar, mais um pouquinho, seu tão precioso espaço de tempo, amigo leitor, com tais bobagens, mas ainda gostaria de alertá-lo de que não basta consultar o dicionário para você entender o que um escritor quer dizer, é preciso identificar o significado dado à palavra no contexto em que ela está inserida. Se este é conotativo, o significado é figurado; se é denotativo, ele é real, como real é o espanto que tive quando pedi a um magro aluno de turma de Geografia, anos atrás, para dizer qual o significado de “instalado" e de "entalado”, exemplificando, após consulta ao dicionário. Ele citou o seguinte exemplo:
— Estou bem entalado na cadeira, mas esse assunto ficou instalado em minha garganta...
A outro aluno, de Contabilidade, pedi para ver no dicionário o significado real de “crédito”, no contexto da seguinte frase: “José ficou sem crédito na praça”. Após ler os diversos conceitos, no livro, sua resposta foi a seguinte:
— José era muito mentiroso e ninguém mais acreditava nele, por isso ele ficou sem crédito na praça...
Até que faz sentido, não é mesmo, amiga leitora?





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