sábado, 5 de março de 2016

Os proletários sem casa


JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Em visita à TV Globo, entrei pelo buraco da fechadura da porta, para ver e ouvir, sem ser visto, a reprise de antigo programa humorístico, dessa emissora, com sátira do Jô à entrevista do antigo programa governamental para financiamento carioca de casa própria. Então resolvi parodiá-lo:
– O que deseja? – pergunta o corretor da agência financiadora.
– Eu quero comprá uma casa na avenida Vieira Souto – responde o proletário iludido.
– Ah, o senhor quer uma casa de frente para a praia e com o metro quadrado mais caro da América Latina?
– Isso mermo qui eu queria...
– Sei, mas o senhor tem renda suficiente?
Dispois que o sinhô falô, si eu não tivé, minha mulé completa.
– E qual é o trabalho da sua mulher?
– Ela vende picolé na praia, por isso vai ótimo comprá esse imóvel, pois ela vai trabaiá di frente da nossa casa.
– E quanto é que o senhor ganha por mês?
– Três salários mínimos!
O agente financeiro puxa um mapa do Rio de Janeiro e começa a percorrê-lo com os dedos, até parar em Itaperuna, que fica do outro lado do mapa, a 313 km da capital carioca. Então, diz para o proletário:
– É aqui que você deve morar, com o salário-família apresentado. (Percebeu, leitora atenta, a mudança no tratamento ao proletário? O “senhor” virou “você”, mas o proletário...)
– É mermo? Intonce eu num posso morá na Vieira Souto? Pergunta o desiludido sonhador.
– Não, mas o bairro onde você e sua mulher vão morar é excelente!
Cum certeza, lá tem mar e praia pra minha mulé vendê picolé, não é, doutô?
– Não, mas tem o rio Muriaé e a segunda maior estátua do Cristo Redentor do Brasil, com vinte metros de altura.
– Ah, bão... Só tem um porblema, doutô, a estátua num chupa picolé e no rio num tem praia...
– Sim, mas isso são meros detalhes. O importante é que você vai poder comprar sua casa ali, de longos 30m², incluído um jardim na frente, onde cabe uma bananeira.
– Mas nós não come só banana, doutô...
– Então vá plantar batatas!
Doutô, nós vai morar na Vieira Souto nem que seja debaixo da ponte.
– Só tem um problema, meu jovem...
– Qual?
– Não existe ponte na Vieira Souto!
...

Que saudades do Jô humorista!

Em solidariedade aos proletários de todo o mundo, acrescento o poema joteliano, que revisei após edição em Poemas e poetas II: antologia poética. Rio de Janeiro: Littteris, 1990; “prêmio de edição”. A renda será utilizada para comprar o apartamento dos sonhos da Maria e de você, proletário sonhador:

Maria de Ponte
(Joteli)

Seu nome é Maria...
Debaixo da ponte,
Maria ficou
Sem teto e sem fonte...

As suas crianças,
Coitadas, também...
Maria e os filhos
Estão sem ninguém.

Ninguém que socorra
A pobre – na cruz –
Que foi despejada
Após dar à luz.

Maria, coitada,
Perdeu o seu lar
E sonha voltar
Lá para o Pará...

Pois eis que uma empresa
Com base em sentença...
Tombou sua casa
Sem sua licença.

E, desanimada,
Sem grana, sem nada,
Contando seis filhos,
Se sente cansada...

Miséria total,
Jamais poderia
Pagar pra morar
A pobre Maria.

O seu barracão
De sobras de tábuas
Foi fruto do amor
De bondosas almas.

E agora, Maria,
Que deixou nascer
Seu novo bebê,
Nem pode morrer...

Oh! Deus, diga aonde
Pode esta coitada
Ter dignidade
Com a filharada...

A pobre Maria
Outrora tão linda,
Sem ter trinta anos
Jaz envelhecida.

Outrora sonhara
Poder se casar,
Ter vida tranquila,
Ter filho, ter lar...

Outrora viera
Lá do seu Pará
E fora estuprada
No Paranoá.

Agora, enjeitada,
Com rugas na fronte,
Está com seis filhos
Debaixo da ponte.





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