terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Contos e crônicas



O mesmo trem para o homem e o menino

CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR

Àquela hora o trem já havia saído e o próximo sairia apenas às sete da manhã do dia seguinte. O homem, magro, pôde apenas comprar o bilhete e aguardar o horário.
Na estação não havia movimento de transeuntes comuns, a não ser dos poucos funcionários e o da única cafeteria do local. Algumas luzes a mais foram apagadas no interior da antiga estação. A cafeteria sempre ficava aberta. O homem, com sua pouca bagagem, encaminhou-se para um café e alguma coisa para comer.
Estava apenas um atendente que o esperou acomodar-se para oferecer-lhe o cardápio. Havia uma música francesa tocando no rádio com volume bem baixinho.
Ele pediu um cappuccino grande e um pedaço de torta de queijo, como sempre. Enquanto aguardava retirou, de sua maleta, um livro, cujo marcador era uma fotografia antiga de uma jovem mulher numa paisagem com neve.
Ficou alguns segundos olhando para a imagem, em seguida deixou-a na mesa e retomou a leitura a partir de um pouco antes da metade do livro, onde estava marcado com a fotografia. Havia um pendente de luz com fio baixo sobre a mesa, o que facilitava a leitura.
O jovem atendente trouxe o pedido. O rapaz era simpático e simples, assim, o homem o definiu em pensamento.
Ao mesmo tempo em que o senhor comia uma garfada da torta ou tomava um gole do cappuccino, continuava a leitura. Isso aconteceu até o fim da refeição. O atendente não demorou e logo retirou a caneca, o prato e o garfo, ainda passou um pano úmido sobre o tampo redondo da mesa.
‒ O senhor deseja mais alguma coisa?
‒ Não, obrigado. Pegarei o primeiro trem da manhã... então, posso esperar aqui?
‒ Sim, senhor. Hoje é o meu turno, se precisar de alguma coisa... só me chamar.
‒ Muito obrigado. Você é novato? ‒ perguntou o homem.
‒ Sim, senhor ‒ o rapaz respondeu.
Era uma noite fria e o silêncio era presente como o vento gelado entrando pelos cantos das janelas.
A madrugada fora longa, mas a manhã chegou. O senhor despediu-se do jovem atendente e foi para a plataforma; o trem estava chegando, vinha de outra cidade. Então, o senhor subiu ao segundo vagão, procurou sua poltrona, alojou a pequena maleta e sentou-se com o livro nas mãos. Talvez a ansiedade pelo fim da leitura seria um subterfúgio da verdadeira emoção que carregava sempre na mesma data.
Mais um tempo se passou e chegou à última página. Ponto final. Tudo lido e observado. Também faltavam apenas alguns minutos para a chegada a seu destino. E bem agora, pela primeira vez, o senhor olhou pela janela e viu a beleza natural contornada pelo brilho do sol. Respirou fundo querendo encontrar a alegria, sentida, por uma hora, quando fora menino.
Era também a manhã de seu aniversário. Há sessenta anos cumpria o ritual nessa data. Começou quando fez dez anos.
Desceu do trem e foi ao seu destino. Durante o percurso, cumprimentou muitas pessoas, pudera era a pequena cidade onde nascera e morou até os dez anos.
Antes do meio-dia chegou ao local pretendido, a praça central em frente à matriz. Os passos tornaram-se mais vagarosos até chegarem ao banco azul da praça. O homem estava de frente para o banco, tirou o lenço do bolso de seu paletó e enxugou as lágrimas que, insistentemente, escorriam. Com calma se sentou, pegou novamente o livro e retirou a fotografia como marcador de página. Olhou para a figura da mulher, beijou-a e a trouxe ao encontro do coração.
O senhor ficou sentado no banco com a fotografia, abraçada ao seu coração, durante exata uma hora.
Esse homem era notável doutor em sua área profissional e vinha todos os anos nesse dia e hora para reviver a família, unida, que teve durante uma hora em toda sua vida, pois conhecera seu pai quando completara dez anos e por este não ser bem-vindo à família de sua mãe, fora impedido de viver com a jovem que engravidara inesperadamente.
E no dia do seu aniversário de dez anos, quando estava na praça com sua mãe, o pai, surpreendentemente, chegara e o conhecera; pai e filho juntos por única hora.
Os três ficaram como uma família, em toda a existência, apenas durante uma hora, no dia do aniversário do menino, hoje doutor.
Sua mãe, depois do ocorrido, adoeceu e logo faleceu e o menino foi para a casa de uns tios em outra cidade. Os avós, com a perda da filha, enlouqueceram. Do pai do menino não se teve mais notícia.
E toda uma família, por falta de compreensão e amor, fora desfeita.
Às treze horas e dez minutos, o doutor olhou para o céu, respirou mais fundo e levantou-se de volta para a estação de trem. Precisava voltar para sua esposa, filhos e netos. Na tarde seguinte, lançaria mais um livro, seria o trigésimo de sua carreira literária em Psicologia. E aquele livro que viera lendo na viagem seria o seu lançamento. E o conteúdo das quase trezentas páginas desenvolvidas com muita exemplificação e observação era que nada pode ser maior que o amor.

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