sábado, 27 de maio de 2017

Contos e crônicas


Um homem célebre

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

— Ah! o senhor é o Vicente Vítor? 
Bem-humorado, Vicente, moço de 27 anos, disse-lhe que sim, era o próprio.
Estavam num sarau organizado pela viúva Camargo, em maio de 1884, e quem fizera a pergunta fora Sinhazinha Mota, menina de dez anos, admiradora de Vítor, pelas obras clássicas maravilhosas que este compunha.
Vicente sonhava compor música pop, embora houvesse herdado de seu pai o gosto pelos grandes clássicos: Bach, Beethoven, Chopin, Schumann, Mozart... O motivo era simples: as cantigas populares vendiam milhões de cópias, ao passo que as composições clássicas apenas eram apreciadas nas altas rodas sociais.
O produtor musical de suas obras, entretanto, bem como seus amigos e amigas, gostavam muito das composições de Vicente. Certo dia em que este compôs uma sonata, intitulou-a Viúva Camargo, nome da senhora de 28 anos com a qual sonhava casar-se e que era a linda e jovem mãe de Sinhazinha Mota. O editor, porém, discordou:
— Vicente, sua composição é sublime demais para que você não lhe dê o título de Ave Maria dos ricos de espírito.
Vicente Vítor não gostava de contrariar seu editor musical, que já lançara trinta de suas composições; por isso, sufocou sua paixão e concordou com ele. Somente impôs uma condição: que fosse gravada no disco uma dedicatória: “À Excelentíssima Senhora Marina Camargo”. Assim foi feito, e o disco alcançou enorme sucesso de público e a gratidão da viúva, que aceitou casar-se com Vítor, por quem também se apaixonou, seis meses depois.
Infelizmente, porém, a viúva era tísica e, no ano seguinte ao casamento, ou seja, em 1885, entregou sua alma a Deus.
A partir desse dia, Vicente Vítor deixou de compor os clássicos e resolveu voltar ao seu antigo sonho de produzir música pop. Entretanto, sentava-se ao piano, começava a escrever e... nada de música pop. Somente lhe ocorriam sons de chuva caindo, árias angelicais, réquiens e sonatas ao luar, entre outros acordes clássicos. O luto não o deixava, e seu produtor já o procurara, preocupado com sua falta de inspiração.
Numa manhã, ao sair de casa totalmente concentrado na ideia de produzir um grande sucesso musical country, seu mordomo perguntou-lhe se Vítor não desejaria levar o guarda-chuva, pois a natureza anunciava temporal.
Ouvindo isso, o festejado compositor clássico adentrou novamente a casa, sentou-se ao piano e compôs... mais uma música clássica. A última de sua vida.
Não me peça as cifras, amigo leitor, mas o título e a letra são estes:

Noite da Rainha

A tristeza arde no meu coração.
Morta! e o desespero arde no meu peito.
Morta! e o desespero arde no meu peito.
Não mais sentir você.
Marina!
Não mais ouvir seu sorriso.
Menina!
Não tem mais jeito.
Dor e saudade da morta querida.
Dor e saudade da morta querida.
Nunca mais ver minha mulher.
Oh, nunca mais!
Oh, nunca mais!
Jamais terei nos braços minha amada,
A musa inspiradora dos meus versos.
Oh, não se vá! fique mais um pouco.  
Oh, não se vá! Não me deixe louco.
Não me abandone para sempre!
Não me deixe eternamente!
Mas eis que um vulto se aproxima,
É Marina! É Marina!
Abre seus braços e me chama:
Oh, meu amigo!
Oh, vem comigo!
Era noite,
Noite da rainha!

Foi um sucesso de venda. Nada menos de quinhentas cópias... Uma delas foi colocada no túmulo do casal que, conforme seu desejo, fora sepultado junto.





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