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domingo, 6 de janeiro de 2013

As especulações que circulam no meio espírita


No artigo intitulado “Supostas reencarnações de Chico Xavier”, publicado no dia 2 de dezembro último na revista “O Consolador”, Paulo da Silva Neto Sobrinho examinou duas listas publicadas em livros, pertinentes a supostas vivências de Francisco Cândido Xavier. O link que remete ao artigo é este: http://www.oconsolador.com.br/ano6/289/paulo_neto.html
Trata-se, em ambos os casos, de ideias sem nenhuma fundamentação séria e que não passam, segundo pensamos, de pura especulação. Por sinal, especulações é que não faltam atualmente no meio espírita, pelo menos aqui no Brasil.
Na lista mais recente, seus organizadores, com o propósito evidente de endeusar o médium, o associam a personalidades como Platão, Francisco de Assis, João Evangelista e Allan Kardec, ou seja, Chico Xavier e todos esses vultos seriam, em verdade, para essas pessoas, o mesmo Espírito.
Quando o assunto chegou ao nosso conhecimento, é evidente que o lemos com tristeza, primeiro porque entendemos que não pode haver espaço na imprensa espírita para matérias desse nível, claramente especulativas. Dar-lhes curso foge completamente à proposta feita por Kardec e ao método por ele utilizado na codificação da doutrina espírita.
Em segundo lugar, porque até para as tolices existe um limite, visto que elas, quando exageradas, produzem uma péssima imagem daqueles que as disseminam.
Vejamos, no caso em tela, a associação que é feita entre Chico Xavier, Platão e João Evangelista, já que no tocante a Kardec autores bem mais articulados já se manifestaram.
Se Chico Xavier fosse Kardec, João Evangelista e Platão, como se explicariam o texto assinado por Platão em resposta à questão n. 1009 de O Livro dos Espíritos e a menção dos nomes de João Evangelista e Platão como coautores da mensagem mediúnica que integra os Prolegômenos do mesmo livro, ao lado de Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, O Espírito da Verdade, Sócrates, Fénelon, Franklin e Swedenborg?
A mensagem constante dos Prolegômenos, firmada pelos Espíritos citados e por Platão e João Evangelista, é dirigida especialmente a Kardec, como ele próprio explica no trecho que adiante reproduzimos:
“Eis em que termos nos deram, por escrito e por muitos médiuns, a missão de escrever este livro: ‘Ocupa-te, cheio de zelo e perseverança, do trabalho que empreendeste com o nosso concurso, pois esse trabalho é nosso. Nele pusemos as bases de um novo edifício que se eleva e que um dia há de reunir todos os homens num mesmo sentimento de amor e caridade. Mas, antes de o divulgares, revê-lo-emos juntos, a fim de lhe verificarmos todas as minúcias. Estaremos contigo sempre que o pedires, para te ajudarmos nos teus trabalhos, porquanto esta é apenas uma parte da missão que te está confiada e que já um de nós te revelou. Entre os ensinos que te são dados, alguns há que deves guardar para ti somente, até nova ordem. Quando chegar o momento de os publicares, nós to diremos. Enquanto esperas, medita sobre eles, a fim de estares pronto quando te dissermos. Porás no cabeçalho do livro a cepa que te desenhamos, porque é o emblema do trabalho do Criador. Aí se acham reunidos todos os princípios materiais que melhor podem representar o corpo e o espírito. O corpo é a cepa; o espírito é o licor; a alma ou espírito ligado à matéria é o bago. O homem quintessencia o espírito pelo trabalho e tu sabes que só mediante o trabalho do corpo o Espírito adquire conhecimentos. Não te deixes desanimar pela crítica. Encontrarás contraditores encarniçados, sobretudo entre os que têm interesse nos abusos. Encontrá-los-ás mesmo entre os Espíritos, por isso que os que ainda não estão completamente desmaterializados procuram frequentemente semear a dúvida por malícia ou ignorância. Prossegue sempre. Crê em Deus e caminha com confiança: aqui estaremos para te amparar e vem próximo o tempo em que a Verdade brilhará de todos os lados. A vaidade de certos homens, que julgam saber tudo e tudo querem explicar a seu modo, dará nascimento a opiniões dissidentes. Mas, todos os que tiverem em vista o grande princípio de Jesus se confundirão num só sentimento: o do amor do bem e se unirão por um laço fraterno, que prenderá o mundo inteiro. Estes deixarão de lado as miseráveis questões de palavras, para só se ocuparem com o que é essencial. E a doutrina será sempre a mesma, quanto ao fundo, para todos os que receberem comunicações de Espíritos superiores. Com a perseverança é que chegarás a colher os frutos de teus trabalhos. O prazer que experimentarás, vendo a doutrina propagar-se e bem compreendida, será uma recompensa, cujo valor integral conhecerás, talvez mais no futuro do que no presente. Não te inquietes, pois, com os espinhos e as pedras que os incrédulos ou os maus acumularão no teu caminho. Conserva a confiança: com ela chegarás ao fim e merecerás ser sempre ajudado. Lembra-te de que os Bons Espíritos só dispensam assistência aos que servem a Deus com humildade e desinteresse e que repudiam a todo aquele que busca na senda do Céu um degrau para conquistar as coisas da Terra; que se afastam do orgulhoso e do ambicioso. O orgulho e a ambição serão sempre uma barreira erguida entre o homem e Deus. São um véu lançado sobre as claridades celestes, e Deus não pode servir-se do cego para fazer perceptível a luz’.” (O Livro dos Espíritos, Prolegômenos.)
Acrescente-se ainda, com respeito a Platão, a mensagem que ele transmitiu na Sociedade Espírita de Paris em 6 de dezembro de 1866, por intermédio do Sr. Bertrand, conforme nos informa a Revista Espírita de 1867, pp. 84 a 87. Registre-se que as sessões da Sociedade eram dirigidas por Kardec.
Se as observações feitas não são suficientes, seria bom que alguém explicasse como foi possível a João Evangelista comunicar-se mais de uma vez na Sociedade Espírita de Paris, como o próprio codificador do Espiritismo informa na Revista Espírita de 1864, pp. 357 e 358, ocasião em que João escreveu: “Uma estreita comunhão liga os vivos aos mortos. A morte continua a obra esboçada e não rompe os laços do coração. O amor é a lei do Espiritismo. O grande nome de Jesus deve flutuar como uma bandeira acima de vossos ensinos”, um fato que se repetiria dois anos depois, conforme está registrado na Revista Espírita de 1868, pp. 52 a 54.
São também de João Evangelista a mensagem “Deixai que venham a mim as criancinhas”, transmitida na Sociedade Espírita de Paris em 1863, constante do item 18 do cap. VIII d´O Evangelho segundo o Espiritismo, bem como o texto recebido mediunicamente constante do item 53 do cap. XV de A Gênese.
Vê-se, pelos poucos exemplos citados aqui, que falta aos especuladores não apenas discernimento, mas conhecimento de informações básicas que qualquer principiante espírita tem obrigação de saber. E quando recusamos publicar tais tolices, os que as divulgam se magoam e tacham nosso periódico de não observar os requisitos de imparcialidade que devem nortear a imprensa espírita.

Este texto foi publicado na pág. 4 da edição de janeiro do jornal “O Imortal”.


3 comentários:

  1. Isso tudo na minha opinião é um atavismo herdado dos 500 anos de catolicismo nas terras de Cabral. Queremos o Santo, o messias, o chefe religioso. Assim, Chico que demonstrou incontestes características notáveis, no campo moral e mediúnico, só pode ser algo próximo do divino, como Jesus foi endeusado, o Faraó e até Julio César em Roma. Aí, as encarnações tem que ser de medalhões, para dar força. Aí, Chico foi Kardec e Emanuel, o médium do Cristo. Para mim, essas ideias estão no mesmo balaio da evolução em linha reta de Jesus, Corpo Fluídico e outras ideias que nos aproximam da ideia de um povo eleito herdado dos Judeus e da divindade de figurams humanas, herdado dos gregos e romanos. Bem, mas nessa discussão, onde anda o estudo das bases científicas da doutrina e das novas descobertas da ciência, onde está a prática do bem presente na ação social, onde a discussão e o exercício da prática mediúnica com Jesus nas reuniões e tantas outras pautas relevantes que o movimento está descartando para caçarmos cleópratas reencarnadas...

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  2. Afirmar que Chico teria sido Kardec também seria considerar que ele teria sido Quirílius Cornélius, centurião romano, ao tempo de Jesus, e John Huss, no séc. XIV, em território tcheco. Ambas personalidades citadas como outras existências do Codificador nos livros Herculanum e O Solar de Apolo, respectivamente dos espíritos Victor Hugo e Rochester.
    Ao meu entender, é importante conhecer o que os espíritos têm a revelar sobre as existências anteriores de personalidades que são importantes não somente para os espíritas, mas de um modo geral. Isso porque, ao estudarmos a intrínseca relação entre essas personalidades, podemos perceber, pelo exemplo de suas vidas, a coerência naquilo que é ensinado nos livros da própria codificação e a complexidade que existe no planejamento e na finalidade das reencarnações individuais e coletivas. Quando não se trata de mera especulação e sim de informação confiável, nós só temos a ganhar, não só na inspiração que os grandes vultos são para nós como também no conhecimento em que essas informações podem se transformar a partir de reflexões sérias sobre o significado que elas podem ter.
    Não fosse assim, creio que os espíritos mais esclarecidos e mais comprometidos com o espiritismo, como Joanna de Ângelis, Emmanuel, Tomás Antônio Gonzaga, Rochester, Miramez e tantos outros não se ocupariam em fazer tais revelações, evitando-as até.
    Contudo, no meio espírita, ainda testemunhamos em palestras públicas irmãos que colocam suas convicções acima do que possa haver de fonte fidedigna de informação sobre esses vultos, contribuindo para perpetuar o engodo e a discussão frívola nascida e gestada na curiosidade rasa que em nada nos edifica.
    Por outo lado, se é preciso cautela contra os voos da imaginação que uma doutrina reencarnacionista pode inspirar, não são raros aqueles que condenam, ainda que dissimuladamente, a leitura de romances espíritas, como se seu conteúdo fosse meramente secundário dentro da doutrina espírita. Os textos narrativos, plenos de dramas ou bem-aventuranças, nos quais se percebe preocupação evidente com a técnica narrativa, facilmente constatável nos romances de Emmanuel e André Luiz (sem fazer injustiça a tantos outros), têm relevância incontestável no próprio papel consolador associado ao espiritismo.

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  3. Astolfo, se me permite, anexo mensagem sobre o tema publicado na seção de correspondências de O Consolador:

    De: Juliana Thaís de Moraes (Londrina, PR)
    Segunda-feira, 22 de março de 2010 às 11:36:57

    Assunto: Especial 150 - O Espírito de Chico Xavier



    "Muitas hipóteses existem sobre as encarnações pretéritas assim como as futuras encarnações de Allan Kardec. Uma das mais conhecidas (no Brasil) seria que este já haveria retornado ao plano material reencarnado na figura do médium Francisco Cândido Xavier. Cabe ressaltar que tudo aquilo que é visto apenas por mera curiosidade em nada tem a nos acrescentar moralmente.

    Sobre esta hipótese, o artigo escrito por Paulo da Silva Neto Sobrinho publicado no Jornal Espírita de Abril de 2008, nº 392, p. 04, nos elucida. Algumas mensagens de Allan Kardec foram psicografadas após o ano de nascimento de Chico Xavier (1910).

    'De fato, em Herculano Pires se confirma isso: Em 1925, quando se reuniu em Paris o Congresso Espiritualista Internacional, o próprio Kardec, através de comunicações mediúnicas, teve de forçar Léon Denis, já velho e cego, a sair de Tours, na província, para defender o Espiritismo dos enxertos que lhe pretendiam fazer os representantes de várias tendências, como a aceitação ingênua de ilustres mas desprevenidos militantes espíritas. [...]". (PIRES, 1978, p. 13-14)'.

    No Livro dos Médiuns, Cap. XXV - Das evocações, item 284 - Evocação das pessoas vivas, há as seguintes questões:

    '38ª Pode evocar-se o Espírito de uma pessoa viva? - Pode-se, visto que se pode evocar um Espírito encarnado. O Espírito de um vivo também pode, em seus momentos de liberdade, se apresentar sem ser evocado; isto depende da simpatia que tenha pelas pessoas com quem se comunica.

    39ª Em que estado se acha o corpo da pessoa cujo Espírito é evocado? - Dorme, ou cochila; é quando o Espírito está livre.'

    Ou seja, é bem pouco provável que Allan Kardec teria sido Chico Xavier reencarnado. Na conclusão do artigo Paulo alega: '... Para aceitarmos a tese seria imprescindível levantar todas elas, especificando dia e hora, para ver se Chico, naqueles momentos nos quais Kardec se manifestava, estava dormindo ou numa situação na qual o seu espírito não precisasse comandar seu corpo físico. Fica aí o primeiro desafio para os que advogam essa tese'.

    O próprio Chico Xavier não confirmou essa hipótese: 'Por outro lado, na possibilidade disso ter ocorrido, ainda resta um outro desafio a ser vencido, que seria o de desmentir o próprio Chico, pois, nessa hipótese levantada, após emancipar-se do corpo ele teria que, de forma totalmente consciente, como acontece com os desencarnados, ter assumido a personalidade anterior para se manifestar. Ora, isso nos leva à situação de que Chico deveria se lembrar dessa 'mudança'. Então, como explicar que no dia 28 de agosto de 1988, em entrevista ao jornal Diário da Manhã, de Goiânia, respondendo à pergunta se seria Kardec reencarnado, ele disse: 'Consulto a minha via psicológica, as minhas tendências. Tudo aquilo que tenho dentro do meu coração é eu. Não tenho nenhuma semelhança com aquele homem corajoso e forte que, em doze anos, deixou dezoito livros maravilhosos. [...]' (COSTA E SILVA, 2004, p. 115-116)."


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