ARTHUR BERNARDES DE
OLIVEIRA
tucabernardes@gmail.com
De Guarani, MG
III – O primeiro vexame
Meu pai
fizera em Guarani propaganda de minha “habilidade” oratória! Eu estava
começando a falar nas reuniões espíritas e não podia, como reconheço não poder
até hoje, assumir compromissos de palestras espíritas com ninguém.
Mas ele tanto
falou que não houve outro jeito para os diretores espíritas de Guarani senão me
convidarem para falar lá também.
O Lilito
(Miguel Guércio Filho) estava iniciando, com muito entusiasmo, carreira de
fotógrafo amador. Grande amigo meu, e aluno bastante amigo do professor, quis
acompanhar-me, de máquina a tiracolo, até lá, a fim de tirar daquela cidade
algumas fotos.
A mocinha do
vestido caseiro, na presidência dos trabalhos, estava linda.
Não sei se
conseguiria reproduzir o que vi. Sempre fui péssimo observador. Principalmente
no que se refere à roupa. Mas eu me lembro de um casaco curto, branco. A saia,
parece-me que era preta. O cabelo, rabo-de-cavalo. Não vi mais nada. Apenas
aquele rabo-de-cavalo bailando à minha frente.
Nem sei o
que, afinal, andei falando por lá. Provavelmente terei decepcionado, já que me
assentei muito antes do que deveria, em face do que eu havia preparado para falar.
Tinha
programado falar sobre a educação do jovem, em face das infelicidades sociais.
Ou melhor: a influência da educação na construção da felicidade.
A ideia surgira da leitura de um livrinho
interessante de Arthur Riedel.
Este
professor fundara a célebre escola do “Hei de Vencer” (título do livrinho) cujos ensinamentos, ressalvados os exageros,
produziam bons resultados.
Lembro-me de que
a minha participação naquela tarde fora desnorteadora, pelo que deduzi das
palavras de tia Elza:
“O Arthur
falou tão pouco que nossa reunião acabará mais cedo. Na esperança de que ele
preenchesse o horário, não tínhamos organizado outros números para o programa”.
Lá fora, a
buzina insistente do carro do Chiquinho (Francisco Defilippo) insistia em dizer
que eu estava demorando.
Cá dentro
aquele imenso rabo-de-cavalo bailando na minha frente e confundindo as minhas
ideias.
IV – A armadilha está pronta!
Terminada a
reunião, na qual ouvira uma prece muito longa do seu Juca, e uma fala muito
curta de minha mãe (espírito), pela D. Cotinha, saí suando do centro.
Não sei se os
ouvidos estavam suando também. Não tive tempo para reparar nisso. Mas senti que
estavam todos desafogados. Finalmente eu tinha parado de falar.
Os moços,
mais rápidos, deixaram a casa e rumaram para o cinema ou para as namoradas. Os
velhos, aos poucos, calmos, se levantavam vagarosamente das cadeiras e
respiravam aliviados.
Entrei no
carro, mas senti que estava amarrado. Fios de cabelo envolviam-me todo o corpo.
Uma mecha mais grossa, tipo trança, enforcava o pescoço.
No dia
seguinte, acordei mais tranquilo. Até pude pensar um pouco sobre o vexame da
véspera. Censurara meu pai pela propaganda indevida, censurara o Chiquinho pela
buzina insistente, censurara ter aceitado o convite, tão fora de tempo ainda,
censurara por fim aquele imenso rabo-de-cavalo que puseram na mesa, justamente
ao meu lado.
Levantei-me
decidido a uma coisa: Vou namorar aquela moça!
No domingo
seguinte, creio que 15 de junho, voltei a Guarani. Estava disputando o campeonato regional por um dos times de lá, o Guarani F.C.
Ao me dirigir
para a mesa a fim de assinar a súmula do jogo, passei pela moça e com uma
indiferença mal disfarçada cumprimentei-a educadamente.
E, pensei cá
comigo, está dado o primeiro passo.
Joguei,
jogamos, todos jogaram. Voltei, voltamos, todos voltaram. Só que não me senti
muito perto da vitória.
Passei a
achar que a minha técnica estava ultrapassada. Só que eu já não poderia aprender
técnica nova. Foi aí que surgiu a ideia. No domingo seguinte, minto, dois domingos
depois, dia 7 de julho, haveria um grande baile no Clube dos Repentinos.
A armadilha
estava pronta. Bastava o bote. (Continua.)
Nota:
O texto acima faz parte do livro
ainda inédito intitulado “A história que eu sei contar”, escrito por Arthur
Bernardes de Oliveira e concluído no dia 28 de julho de 1964. O livro compõe-se
de 20 capítulos e será aqui publicado ao longo de dez semanas, sempre aos
sábados. A primeira parte foi publicada neste blog no dia 28 de julho de 2013.
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