ARTHUR BERNARDES DE
OLIVEIRA
tucabernardes@gmail.com
De Guarani, MG
IX – Pequeno detalhe
Esqueci-me de
um detalhe, cuja influência na realização do meu objetivo até hoje não pude
analisar bem.
Mas eu explico.
Pela primeira
vez na vida, eu sentia dificuldades sérias em começar a conversa. Já afirmei
que a minha técnica primitiva fora abandonada. Aquela indiferença disfarçada de
que falei, aliada a uma prosa irresistível, já não funcionava com a mesma capacidade
de antes. Desarvorado, porque não conhecia outro processo senão aquele, fiquei
no ar. Mudo e quedo na solidão do infinito como, poeticamente, sentenciaria
o inigualável poeta português.
E a minha
mudez se transformou, parece-me, em bobice.
Só isso explicaria
os sorrisos e deboches que depois ouvi da Lila e, até hoje, ouço de minha
esposa.
É certo que
fosse bobice, nascida de uma timidez sem controle.
Eu
compreendo: Estava entre duas espadas. Ou melhor, entre uma certeza e uma
dúvida.
A certeza de
que não poderia perder aquela mulher. Perdê-la seria para mim a última derrota.
Era isso o que eu pensava então. E não mudei de ideia, neste dia, em que
comemoramos o nosso sétimo aniversário de casamento.
A dúvida: Não
tinha muita confiança no meu sucesso.
Creio que
todos os homens, quando precisam de uma vitória, passam por isso. O medo de
perder, inevitavelmente, perturba a confiança.
Aí entra o
detalhe.
Eu tinha um
retratinho de que até hoje gosto muito.
Como toda
gente, ao se julgar, eu me achava um rapaz bonito. Hoje, não tenho mais muitas
ilusões a esse respeito. Mas na época, eu tinha.
É interessante
esse problema da beleza. Nunca vi ninguém que, realmente, se julgasse feio. No
fundo, todos descobrem em si traços que encantam, ou que agradam.
Nada mais natural,
porque o conceito de beleza não é universal. A beleza, segundo entendo, não
está nas coisas, mas nos olhos que as observam. Só isso justificaria a grande
diversidade de gosto. Só por isso se diz que, em matéria de gosto e de cores,
não se discute.
E a sabedoria
popular acrescentou: “Quem ama o feio, bonito lhe parece.”
É evidente
que este conceito não anula certas belezas que eu reputo universais. Sei que
existem, mas são poucas.
O que não é
pouco é que o conceito de belo é bastante pessoal.
Mas eu me
achava bonito. E estava em boa companhia, porque minha mãe também achava.
Então, o que
fiz? Pedi à minha irmã Anita que entregasse à mocinha aquele meu retrato. Pensei
cá comigo: Ela vai analisar, vai me achar bonito, e o trabalho fica facilitado.
De qualquer
forma isso que me parece bobice, ou ingenuidade, sei lá, serviu para me dar
mais força.
Tanto que,
algumas horas depois, cheguei a ela e disse:
– Preciso
falar com você. Se você quiser nós subirems juntos!
X – Aqui me defino
A subida
seria para o reabastecimento espiritual.
Os habituados
às semanas espíritas conhecem este tipo de reunião. São reuniões matinais, que
realizamos, quase sempre, ao ar livre, para, aberto o evangelho ao acaso,
estudarmos e meditarmos sobre a mensagem do dia.
Os que desejarem
poderão, em tempo curto, em geral três a cinco minutos, emitir sua opinião e
tecer comentários sobre o ponto lido.
Terminados os
comentários, um espírita mais experimentado faz o que nós chamamos de
reajustamento, coordenando as opiniões, desbastando as arestas ocasionais e
resumindo a essência da lição.
Seguem-se
números de cantos e de poesias, e logo após a prece de encerramento.
Subimos para
o reabastecimento espiritual.
E no caminho
eu lhe disse mais ou menos isto:
“Não sei se
você já me conhece bem. É provável que já me conheça mal.
Tenho sido
até aqui, Elizabeth, um moço marcado por desvios.
Embora seja
bom, no fundo, a vida me tem obrigado a inúmeros papelões.
De mim se
pode dizer com justiça ser o próprio vício que não cede.
Todos os pais
se atemorizam quando me aproximo de suas filhas.
Não pelo que
lhes possa fazer, quanto à dignidade ou quanto à honra, mas pela minha absoluta
incapacidade para o amor.
Tenho,
talvez, uma única virtude: embora não me preocupe muito em que me façam feliz,
tenho capacidade plena de fazer felizes aqueles a quem amo.
Acho que a
farei feliz, por isso.
Pois bem,
analisando profundamente a minha vida, nesse ano e meio de meditações em Astolfo Dutra ,
cheguei a uma conclusão inevitável: preciso de alguém para viver comigo;
preciso casar-me, e casar-me logo.
De modo que
você foi a escolhida: aceita casar-se comigo?”
Uma pergunta
assim, de sopetão, para uma menina é um caso muito sério. Sobretudo nessa fase
em que a menina só pensa em coisas fúteis. Bailes, esportes, diversões, gozar a
beleza da juventude mal surgida.
Ela emudeceu
compenetrada.
E apenas
disse: “Vamos tentar, não é?” (Continua.)
Nota:
O texto acima faz parte do livro
intitulado “A história que eu sei contar”, escrito por Arthur Bernardes de
Oliveira e concluído no dia 28 de julho de 1964. O livro compõe-se de 20
capítulos e está sendo publicado aqui ao longo de dez semanas, sempre aos
sábados. A primeira parte foi publicada neste blog no dia 28 de julho de 2013.
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