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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O sentimento de Allegra

CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Sentadinha no primeiro degrau da varanda da sala, apoiava o pequeno queixo nas mãos com idade de nove anos, a doce, mas tristinha, Allegra.
Sua casa ficava numa cidade do interior de um país europeu; muitos falam que esse país tem o formato de uma bota. E era bem nessa bota que Allegra morava.
Ela conhecera, desde cedo, as dificuldades as quais pode passar uma família. Não tinha irmãos, portanto, filha única, mas tinha um cãozinho, o Nico. Era sem raça definida, no entanto, mais que amigo, irmãozinho do coração.
E assim, juntos, estavam Allegra e Nico observando a vida pelo ângulo da varanda.
Ficavam horas daquele jeitinho, só olhando, sem saber para onde e nem para quê. Os olhinhos da menina desejavam buscar algo bem além do que se é visto pelos olhos do corpo. Às vezes, brilhavam como luzes de árvore de Natal, outros momentos, ficavam afogados nas lágrimas de saudade de algum lugar, de algum tempo, de algo amado, porém, sem, por enquanto, poder acessar.
A cabeça de Nico era sempre presenteada com o carinho de Allegra. Quantas vezes acariciava aquele irmãozinho... melhor amigo.
- Allegra, venha tomar banho! - sua mãe a chamou.
A menina se mantinha extática em seu mundo, só Nico erguia as orelhas.
Mais alguns minutos se passaram...
- Venha logo, filha! Seu pai já está chegando. E você sabe que ele gosta de ver tudo em ordem para o jantar - avisou, mais uma vez, a voz materna.
Com lentidão, Allegra começou a se mover, mas antes, mais uma carícia para seu amigo. Os dois vieram para casa. Ela entrou e Nico ficou deitadinho no tapete, com a cabeça descansada nas patinhas dianteiras, agora, da varanda da cozinha.
O céu, àquela hora, tinha seus olhos muito brilhosos, brilho de estrelas.
Não se sabe se Nico aprendeu com a menina, no entanto, também admirava o céu, parecia sonhar com o infinito. Talvez imaginasse um osso bem grande e apetitoso, ou mesmo, era um cão mais sensível e admirável. Seu olhar, ah... era de bondade.
De longe, quando os dois estavam a meditar, sentadinhos, no degrau, demonstravam sentimento precioso, o puro coração a tilintar.
Nico ainda estava no tapete, quando a mãe da menina anunciou a hora da refeição. Bateu duas vezes com a colher no prato. Era seu jantar. Ele se levantou, com calma, aguardou que sua tigelinha fosse alimentada para, em seguida, ele se alimentar. O cãozinho recebia a comida antes de todos. Talvez fosse pela ocorrência de um dia desses.
Era um domingo, final de outono, os três membros humanos da família já haviam almoçado. Estavam satisfeitos - “mas e Nico?” - perguntou Allegra. Não restava mais nada, nem mesmo o pão da sobra. Esse tempo a família só fazia uma refeição, época que vivia “a duras penas”. Mas hoje, eles podiam fazer duas, graças a Deus.
Nico comia delicadamente, não enchia demais a boca e nem engolia, esbaforido, o alimento inteiro.
Enquanto isso, Allegra saiu do pequeno banheiro com o pijama que sua mãe costurara. Os cabelos estavam penteados e amarrados. Assim era mais prático e higiênico para se sentar à mesa e comer.
O pai acabara de chegar. Abraçou sua esposa e depois, a filha. Saudou Nico com uma frase direta: - “Oi, Nico!” - Sentou-se, tirou os sapatos, agradeceu ao céu por mais um dia de trabalho, ou melhor, mais um dia de vida, em seguida foi para o banho.
Allegra arrumou a mesa para o jantar. Era preciso aguardar o pai. Verificou se Nico havia comido - “Sim, comeu” - Ele abanou o rabo e deitou-se de novo no tapete. A porta da cozinha estava aberta, ele ainda podia participar do momento, porque depois do jantar só mesmo na manhã seguinte.
Sua casinha estava na varanda. Tinha uma cobertinha; fora de Allegra quando era bebê. A roupa do irmão maior sempre passa para o menor.
Finalmente, o pai saiu do banheiro. Da varanda, ele deu uma olhadela para o céu, e chegou a hora da refeição; sentaram-se à mesa.
- Como foi o dia? - o pai perguntou servindo-se da comida.
- Correu tudo bem - respondeu a mãe.
- Tudo certo, pai - e também a filha.
Só o barulho dos talheres era ouvido. Nico os observava.
Allegra comia sem muita fome, como era de costume; ela era bem miudinha, talvez uma definição melhor seria... frágil.
Mais algumas palavras e o jantar terminou. Allegra e a mãe limparam a mesa e cuidaram da louça; o pai sentou-se em frente à televisão para assistir ao noticiário.
Pronto. Tudo em ordem. Cozinha arrumada. Era hora de fechar a porta.
- Boa noite, Nico. Durma bem! Que seja sempre protegido! - a menina falou, acariciando a cabeça do cãozinho.
Ele respondeu com olhos ternos e bondosos.
A porta estava fechada e a noite continuava lá fora. A lua parecia um holofote. Um ventinho fresco também soprava.
Chegou a hora de dormir; a menina já tirava cochilinhos na sala. Quando o sono vem não há quem segure.
- Allegra, vá para cama! Não se esqueça de escovar os dentes - orientou a mãe.
- Boa noite, mãe! Boa noite, pai! - disse a filha.
A garotinha se encaminhou ao banheiro, escovou os dentes e fez xixi. Lavou a mão e foi para seu quarto tão pequenino, mas era o que tinha no momento.
Já deitada em sua cama sem muito conforto, Allegra fez sua oração e a Deus pediu e agradeceu. Através da janela, podia ver a lua que, naquela noite, estava brilhosa e cheia.
Quantos sonhos visitavam a mente da menina, quantas sensações ela sentia.
De repente, Allegra adormeceu. É nesse momento que a alma passeia, visita os amigos, os irmãos de longe, os quais tanto se ama; pode-se ir a qualquer lugar ou país sem ter passaporte. É a liberdade bem aqui e agora, é a realidade de sonhar. E era assim que a pequena compreendia, ou um pouquinho mais ou menos.
A menina era miudinha na cama. Seu corpinho, encolhido, tinha a circunferência de um bambolê.
Quando se deu conta, Allegra já estava bem lá no alto, observando sua casa, depois sua rua... seu bairro... cidade... cruzou o mar, sentiu a brisa do oceano.
De braços abertos, ela voava. Seus olhos eram duas luzes acesas e permanentes. Quanta alegria! Quando percebeu, estava em outro continente: o americano. Passeou pelos países lá registrados, ouviu a música, reconheceu o povo, sentiu o encanto do lugar e seguiu.
Depois de cruzar o mar de volta, chegou a outro continente, o africano. Do alto, Allegra novamente observou os costumes, a gente, a dificuldade e também a riqueza de viver.
E ganhou novos ares, novo céu. O desenho, agora, era o contorno do continente asiático, os tsurus de origami a acompanhavam por aqueles ares e surpresas milenares. As sakuras estavam floridas... e rosas... e brancas... e encantadoras.
Mais alguns lugares faltavam para a turnê fantástica, esses ficariam para outra ocasião. Porém, no percurso de volta, Allegra foi levada, por mãos amigas, a outra dimensão, não mais aos continentes nem a países terrenos.
Ela viajava tão rápido que, às vezes, não sabia se era seu pensamento ou um impulso mágico. Simplesmente já estava no outro mundo. Lugar diferente; as cores eram mais fortes... vivas; as flores sorriam, conversavam; os peixes, no lago de água vibrante, pareciam conhecê-la. Esse era apenas um local, só que mais lindo do que o mais belo parque aqui na Terra.
A menina, na companhia de uma jovem mulher e de um rapaz, por sinal, muito bem vestidos, segura aparência e doce olhar, se encantou com os maravilhosos e agradáveis cenários. Allegra, de mãos dadas com o casal, observava, realmente, tudo o que seus olhos podiam captar e depois armazenava na memória de seu coração.
Quantos acenos a garotinha recebeu. Jovens, mais velhos, crianças, assim como Allegra, todos a saudavam com a mão, com o sorriso, com o carinho doado do puro sentimento existente naquele lugar que não era a Terra.
Seus olhinhos nunca haviam sentido tanta luz, felicidade, esperança, vontade de viver para contar aos outros a beleza que lhe acontecera.
Allegra, em meio a tão emocionado momento, renovou em sua alma a lembrança de sua família; sua casa simples, mas feliz; sua cidade pequena, mas hospitaleira; seus poucos amigos da escola, no entanto, ainda assim, amigos e... com pausa e suspiro, seu grande companheirinho, seu irmãozinho Nico.
- Que saudade! - expressou a menina tão alegre e satisfeita, agora, com sua vida.
Ela não via a hora de voltar ao singelo e terno lar para viver com a alegria que até hoje não sentira; estava ansiosa para abraçar a mãe carinhosa e o pai, nem tanto, porém, preocupado e com muito amor pela única e amada filha. Quanto a menina faria!
- Vamos voltar!? - perguntou em tom de decisão, a menininha franzina.
- Já deseja? - perguntou o rapaz que a acompanhava.
- Será concedida a permissão para o retorno - completou, a moça companheira.
Foram mais alguns breves passeios e presentes emocionantes recebidos e Allegra, sem muito perceber, junto aos dois companheiros, já estava se aproximando do céu sobre o país em forma de bota. O teto natural ainda estava com estrelas pulsando, com o fundo misterioso e acolhedor. Pronto! Allegra estava em sua cama novamente.
Ficou com um pouco de receio em mexer o corpinho miúdo no colchão sem conforto.
- “Dio mio”! O que me aconteceu? - ela se perguntou baixinho.
Depois, com calma, e cheia de satisfação, a menina começou a recordar, em parte, tudo o que lhe acontecera, os sorrisos, os acenos recebidos e doados.
- Que fantástico!
Extasiada, sentiu seus olhinhos se encherem de lágrimas e seu coração apertar um pouco. Nessa hora, entendeu o enorme contentamento o qual já vivia sem se dar conta. Allegra tinha uma família que a amava; uma casinha simples, mas que a acolhia; inúmeras oportunidades estavam a sua frente.
Com profundo coraçãozinho amoroso, elevou os braços, ainda na cama, e conversou com Deus:
- “Dio”, agradeço-lhe a minha vida e as tantas maravilhas vividas em todo o tempo desde que nasci. Agradeço a mãe amorosa e o pai protetor; meus amigos e ainda mais Antonella e Beatrice, minhas melhores amigas; meu querido amigo e irmãozinho Nico...
Allegra não parava de agradecer, pois tudo isso era o que já possuía na vida. Quanta fartura de pessoas amistosas e acontecimentos felizes. A viagem que lhe sucedera foi um “regalo” dos anjinhos protetores com a permissão de Deus. Esses momentos, de fato, são despertamentos para a valorização da vida.
Sensação ainda nunca sentida pelo coração, agora, alegre de Allegra.
Aqui, com sua família, a garotinha era só sorriso. Abraçou o pai e beijou a mãe, incansáveis vezes, naquele novo dia. Nico, então, quase ficou sem pelo de tanto Allegra acarinhá-lo e abraçá-lo. Como aquele coraçãozinho estava radiante.
De repente se lembrou dos semblantes e acenos recebidos no outro local, melhor dizendo, na outra dimensão. E no meio da brincadeira com as duas amigas na linda tarde, a menina olhou para o céu brilhante e azul e falou, com sinceridade, a Deus:
- Como sou feliz! Tenho aqui tantos que amo e me amam e tenho lá outros tantos também. Obrigada! Obrigada! Obrigada! - e saiu cantarolando esse agradecimento.
Com essa experiência vivida, Allegra passou a sentir a própria definição de seu nome: alegria. Pôde, assim, se sentir porque sofreu o distanciamento de uma ocasião presente e o contato com outra passada e certificou-se dos tantos amores que se conquistam em dimensões distintas. Mas Allegra ainda é jovem e muito aprenderá.
O sublime é viver no tempo atual. Se há saudade de outro momento, é necessário entender que o hoje é a hora perfeita e precisa para crescimento e realização.
Quer um presente?
Viva com amor agora mesmo.
Só que à noite, quando foi dormir, a garotinha ficou com cãibra no rosto. Motivo? Mil sorrisos da bela lembrança e mais mil da alegria plena de sua realidade de agora.

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