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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Um Natal branco como o açúcar fininho

CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
     
Se alguém perguntasse a Giovanni seu sonho a alcançar, de pronto responderia:
– Um bolo no formato redondo coberto com açúcar bem fininho.
Em meio às ruas estreitas e de pedras de um país da histórica Europa, o menino Giovanni se encontrava. Encaminhava-se a um lado, depois a outra extremidade da cidade. Engraxava perfeitamente os sapatos ofertados para o trabalho. E quando a oferta era pouca, ele, então, atentava-se aos sapatos dos transeuntes e conquistava seus donos para a atividade realizar. A família dependia de seu ganho.
O frio era castigante no dia 23 de dezembro em meados do século XX. Eram poucos os corajosos caminhantes desse momento. Alguns buscavam suas encomendas e outros ainda se aventuravam nas compras dos últimos presentes caros e desejados.
A neve não se intimidava e preenchia todos os espaços encontrados. As lojas, quantas luzes possuíam; as casas, a maioria delas com calefação, exibiam, pelos vidros das janelas, moradores felizes e satisfeitos com toda fartura permitida.
E com a caixa de seu trabalho nas costas, Giovanni também seguia para sua longínqua casa, no entanto, seu lar. Não media a caminhada, os seus passos eram largos e rápidos, sua mãe o esperava. Mas passou no Panificio Supremo, nome dado à padaria, e pediu dois pães para levar.
As moedinhas separadas foram exatamente o preço pago, o restante guardaria em sua latinha.
E novamente neve e frio. Os olhos do menino não se congelavam, na verdade, eram vivos e brilhosos, assim, como seu coração. No caminho, em vez de pensar em sua dificuldade, ele seguia conversando. Para quem o observava até podia pensar que ele falava sozinho; no entanto, dia desses ele respondeu a um senhor curioso que fizera a pergunta:
– Falando sozinho, Giovanni?
– Não, senhor Paolo, converso com Jesus. Arrivederci!
E seguia com seus passos. E era muito feliz.
Finalmente, chegou à rua onde morava. Sua casa era a segunda; pequena, simplesmente um local para resguardar, descansar e abraçar a mãe tão amada por seu coração. Ficava bem pouco tempo, pois o estudo era matutino e a tarde e o início da noite eram tomados pelo trabalho que exercia desde os seus nove anos, o que já somavam quatro anos de trabalho em sua vida.
O casebre era acinzentado, pois em tempo algum recebera uma mão de tinta. Giovanni agora alcançou a única porta, estava somente encostada, como se mantinha em sua ausência.
Devagarzinho abriu. A luz do lampião iluminava com precariedade, mas mesmo mais fraca, era luz.
– Mamãe, já cheguei! – ele se anunciou com voz suave.
Encostou a porta, pois o vento trincava a pele e congelava os ossos.
Descansou a caixa de engraxate em frente à porta, forçando-a ainda mais a permanecer fechada; apenas o trinco não era tão confiável. Colocou o pequeno pacote de pão sobre a mesa.
Lavou suas mãos escurecidas pela graxa preta e marrom de seu ofício. Foi engatinhando para perto da mãe.
– Mamãe, aqui estou! Que saudade! – abraçou o corpo materno tanto e tanto.
– Meu filho! Minha única alegria!
Os braços do filho enlaçavam-na com o amor puro. Era a fortuna mais vultosa desta alma.
Sem muita força para falar ou se movimentar, devido à morte repentina do marido e pai de Giovanni que a abalara de forma incalculável, a mulher se encontrava débil e impossibilitada de reaver a vida dinâmica que tinha tempos atrás.
O menino, todos os dias, pedia em prece, junto da mãe, não a sua cura como mágica instantânea, mas ele pedia que a mãe compreendesse a situação, aceitasse o andamento e fortalecesse a verdadeira fé, que de fato, move montanhas.
– Que dia é hoje, meu filho? – com voz fraca, a mulher perguntou.
– Hoje é dia 23 de dezembro. Amanhã é a véspera do Natal, mamãe – o menino respondeu radioso.
– Não há nada para celebrar – respondeu a mãe, com secura.
– Mamãe, há muito para celebrar. Estamos vivos, oportunidade para o progresso. Temos um ao outro. Temos também onde morar e o que comer. E quanto mais empenho para a vida, com mais alegria ela nos retribuirá. Vida é presente de Deus, mamãe – o filho se encantava com o sentimento embutido em seu coração.
A mãe é que, pelo menos naquele momento, se encantou com as palavras proferidas por uma voz tão jovem; entretanto, o olhar era antigo.
E aquelas palavras tocaram o âmago materno. As lágrimas foram a consequência.
– Meu filho, nem o bolo que você tanto gostaria de provar, não lhe posso presentear.
– Mamãe, antes de provar o bolo do qual tenho tanta vontade, gostaria mesmo de te encontrar com os olhos felizes e com a gratidão de viva estar. Quem sabe na noite de Natal... – o menino preferiu não completar.
Deu um beijinho na testa da mãe e foi arrumar o jantar, talvez prepararia um caldo ralo para comerem com pão. E assim aconteceu.
Mais uma noite passara e o novo amanhecer era presente.
Logo cedo, o menino partiu para o trabalho; por aqueles dias não haveria aula. Então aproveitou o tempo para ganhar um trocado a mais. E muitos foram os sapatos a mais engraxados. O coração natalino, certamente, suaviza os mais sofredores. A vibração de sentimentos mais amorosos gira de forma mais rápida e naturalmente se eleva. Como sempre deveria ocorrer.
E Giovanni sabia disso, pois preservava o sentimento completivo no bem e no amor.
O dia findava e como passara depressa!
As moedas duplicaram no bolso do menino e com mais as que havia economizado poderia comprar o bolo redondo coberto com açúcar fininho. Foi isso mesmo que ele fez. Entrou na padaria e com sorriso largo e os olhos com a luz brilhante pediu:
– Por favor, quero comprar este bolo – apontou com o dedo sujo da graxa de sapato. – Vou comer com minha mãe agora na noite de Natal – o menino falou com a riqueza do reconhecimento de aqui poder se encontrar.
O bolo estava embrulhado e pagou-o com muitas moedas economizadas no ano corrente.
Com quanta alegria aquele pequeno buscava o caminho de casa!
Chegou à rua onde morava, aproximou-se de sua casa. Abriu devagar a porta e logo se anunciou. A mãe não respondeu.
O lampião estava com a luz mais fraca do que de costume. Com o bolo nas mãos, procurou pela mãe na cama. O leito estava vazio.
Seus olhinhos, apreensivos, agora, começaram a se inundar com a lágrima da surpresa desencantadora.
Percebeu-se sozinho na casa simples, segurando o grande desejo nas mãos. Tantos pensamentos, simultaneamente, visitaram seu coração e sentiu-se...
– Meu filho, você já chegou? – a mãe entrou perguntando.
O filho viu a mãe e suspirou de alegria ao percebê-la em pé, chegando à porta.
Devagar colocou o bolo na mesa e observou dois pratos, talheres e dois copos também sobre ela. Mais adiante avistou algumas panelas no fogão.
A mãe, com um pouco de dificuldade por tanto tempo sem energia para viver, aproximou-se do filho e falou:
– Fui buscar um pouco de sal, para o tempero, na casa da vizinha, pois não havia suficiente para a nossa ceia, meu filho – a mãe, emocionada, falou.
O filho abraçou a mãe querida como se houvesse apenas aquele tempo para estarem juntos; intensamente amoroso.
– Giovanni, filho querido, há momentos em nossa vida em que enfraquecemos, sofremos e fazemos sofrer; porém, a luz de Jesus sempre brilha, como você fala. E há os anjos para nos lembrarem disso e esses anjos não possuem asas, eles estão bem pertinho e convivem conosco. Obrigada, meu anjo querido – a mãe o abraçou e o beijou incontáveis vezes.
Olhando para cima, o menino agradeceu profundamente a oportunidade, sem se recordar, de encaminhar o filho, enfraquecido na fé espiritual, confiado no passado e transformado na mãe do presente.
E os dois enxugaram as lágrimas e se sentaram à mesa para a primeira ceia de Natal revigorada na fé. Comeram juntos a comida simples e pouco diversificada, mas com o bálsamo dos bálsamos: o amor.
Após o jantar, o menino desembrulhou o seu presente, na verdade, para a mãe.
– Olhe só, mamãe. Um bolo inteirinho! É para você.
– Não, meu filho. É um desejo seu.
– Não, mamãe. Há muito tempo, papai me contou que quando você era criança tinha o grande desejo de poder comprar um bolo assim... inteirinho e até agora você não pôde. E hoje, nesta noite de Natal, quero lhe presentear com este bolo redondo coberto de açúcar fininho com que tanto sonhou. É para você, mamãe – o filho, amoroso, falou.
– Meu menino, meu anjo, minha felicidade e meu incentivo para viver. Quanta alegria você me traz! – a mãe beijou a cabeça do filho.
O menino cortou o primeiro pedaço e colocou-o no pratinho amassado de alumínio das refeições diárias e ofereceu à mãe amada.
– Feliz Natal, mamãe!
E lá fora, a neve caía trazendo a brancura da paz em conformidade com o amor no interior do lar.


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