CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Se alguém perguntasse a
Giovanni seu sonho a alcançar, de pronto responderia:
– Um bolo no formato
redondo coberto com açúcar bem fininho.
Em meio às ruas
estreitas e de pedras de um país da histórica Europa, o menino Giovanni se
encontrava. Encaminhava-se a um lado, depois a outra extremidade da cidade.
Engraxava perfeitamente os sapatos ofertados para o trabalho. E quando a oferta
era pouca, ele, então, atentava-se aos sapatos dos transeuntes e conquistava
seus donos para a atividade realizar. A família dependia de seu ganho.
O frio era castigante no
dia 23 de dezembro em meados do século XX. Eram poucos os corajosos caminhantes
desse momento. Alguns buscavam suas encomendas e outros ainda se aventuravam
nas compras dos últimos presentes caros e desejados.
A neve não se intimidava
e preenchia todos os espaços encontrados. As lojas, quantas luzes possuíam; as
casas, a maioria delas com calefação, exibiam, pelos vidros das janelas,
moradores felizes e satisfeitos com toda fartura permitida.
E com a caixa de seu
trabalho nas costas, Giovanni também seguia para sua longínqua casa, no
entanto, seu lar. Não media a caminhada, os seus passos eram largos e rápidos,
sua mãe o esperava. Mas passou no Panificio Supremo, nome dado à padaria, e
pediu dois pães para levar.
As moedinhas separadas
foram exatamente o preço pago, o restante guardaria em sua latinha.
E novamente neve e frio.
Os olhos do menino não se congelavam, na verdade, eram vivos e brilhosos,
assim, como seu coração. No caminho, em vez de pensar em sua dificuldade, ele
seguia conversando. Para quem o observava até podia pensar que ele falava
sozinho; no entanto, dia desses ele respondeu a um senhor curioso que fizera a
pergunta:
– Falando sozinho,
Giovanni?
– Não, senhor Paolo,
converso com Jesus. Arrivederci!
E seguia com seus
passos. E era muito feliz.
Finalmente, chegou à rua
onde morava. Sua casa era a segunda; pequena, simplesmente um local para
resguardar, descansar e abraçar a mãe tão amada por seu coração. Ficava bem
pouco tempo, pois o estudo era matutino e a tarde e o início da noite eram
tomados pelo trabalho que exercia desde os seus nove anos, o que já somavam
quatro anos de trabalho em sua vida.
O casebre era
acinzentado, pois em tempo algum recebera uma mão de tinta. Giovanni agora
alcançou a única porta, estava somente encostada, como se mantinha em sua
ausência.
Devagarzinho abriu. A
luz do lampião iluminava com precariedade, mas mesmo mais fraca, era luz.
– Mamãe, já cheguei! –
ele se anunciou com voz suave.
Encostou a porta, pois o
vento trincava a pele e congelava os ossos.
Descansou a caixa de
engraxate em frente à porta, forçando-a ainda mais a permanecer fechada; apenas
o trinco não era tão confiável. Colocou o pequeno pacote de pão sobre a mesa.
Lavou suas mãos
escurecidas pela graxa preta e marrom de seu ofício. Foi engatinhando para
perto da mãe.
– Mamãe, aqui estou! Que
saudade! – abraçou o corpo materno tanto e tanto.
– Meu filho! Minha única
alegria!
Os braços do filho
enlaçavam-na com o amor puro. Era a fortuna mais vultosa desta alma.
Sem muita força para
falar ou se movimentar, devido à morte repentina do marido e pai de Giovanni
que a abalara de forma incalculável, a mulher se encontrava débil e
impossibilitada de reaver a vida dinâmica que tinha tempos atrás.
O menino, todos os dias,
pedia em prece, junto da mãe, não a sua cura como mágica instantânea, mas ele
pedia que a mãe compreendesse a situação, aceitasse o andamento e fortalecesse
a verdadeira fé, que de fato, move montanhas.
– Que dia é hoje, meu
filho? – com voz fraca, a mulher perguntou.
– Hoje é dia 23 de
dezembro. Amanhã é a véspera do Natal, mamãe – o menino respondeu radioso.
– Não há nada para celebrar
– respondeu a mãe, com secura.
– Mamãe, há muito para
celebrar. Estamos vivos, oportunidade para o progresso. Temos um ao outro.
Temos também onde morar e o que comer. E quanto mais empenho para a vida, com
mais alegria ela nos retribuirá. Vida é presente de Deus, mamãe – o filho se
encantava com o sentimento embutido em seu coração.
A mãe é que, pelo menos
naquele momento, se encantou com as palavras proferidas por uma voz tão jovem;
entretanto, o olhar era antigo.
E aquelas palavras
tocaram o âmago materno. As lágrimas foram a consequência.
– Meu filho, nem o bolo
que você tanto gostaria de provar, não lhe posso presentear.
– Mamãe, antes de provar
o bolo do qual tenho tanta vontade, gostaria mesmo de te encontrar com os olhos
felizes e com a gratidão de viva estar. Quem sabe na noite de Natal... – o
menino preferiu não completar.
Deu um beijinho na testa
da mãe e foi arrumar o jantar, talvez prepararia um caldo ralo para comerem com
pão. E assim aconteceu.
Mais uma noite passara e
o novo amanhecer era presente.
Logo cedo, o menino
partiu para o trabalho; por aqueles dias não haveria aula. Então aproveitou o
tempo para ganhar um trocado a mais. E muitos foram os sapatos a mais
engraxados. O coração natalino, certamente, suaviza os mais sofredores. A vibração
de sentimentos mais amorosos gira de forma mais rápida e naturalmente se eleva.
Como sempre deveria ocorrer.
E Giovanni sabia disso,
pois preservava o sentimento completivo no bem e no amor.
O dia findava e como
passara depressa!
As moedas duplicaram no
bolso do menino e com mais as que havia economizado poderia comprar o bolo
redondo coberto com açúcar fininho. Foi isso mesmo que ele fez. Entrou na
padaria e com sorriso largo e os olhos com a luz brilhante pediu:
– Por favor, quero
comprar este bolo – apontou com o dedo sujo da graxa de sapato. – Vou comer com
minha mãe agora na noite de Natal – o menino falou com a riqueza do
reconhecimento de aqui poder se encontrar.
O bolo estava embrulhado
e pagou-o com muitas moedas economizadas no ano corrente.
Com quanta alegria
aquele pequeno buscava o caminho de casa!
Chegou à rua onde
morava, aproximou-se de sua casa. Abriu devagar a porta e logo se anunciou. A
mãe não respondeu.
O lampião estava com a
luz mais fraca do que de costume. Com o bolo nas mãos, procurou pela mãe na
cama. O leito estava vazio.
Seus olhinhos,
apreensivos, agora, começaram a se inundar com a lágrima da surpresa
desencantadora.
Percebeu-se sozinho na
casa simples, segurando o grande desejo nas mãos. Tantos pensamentos,
simultaneamente, visitaram seu coração e sentiu-se...
– Meu filho, você já
chegou? – a mãe entrou perguntando.
O filho viu a mãe e
suspirou de alegria ao percebê-la em pé, chegando à porta.
Devagar colocou o bolo
na mesa e observou dois pratos, talheres e dois copos também sobre ela. Mais
adiante avistou algumas panelas no fogão.
A mãe, com um pouco de
dificuldade por tanto tempo sem energia para viver, aproximou-se do filho e
falou:
– Fui buscar um pouco de
sal, para o tempero, na casa da vizinha, pois não havia suficiente para a nossa
ceia, meu filho – a mãe, emocionada, falou.
O filho abraçou a mãe
querida como se houvesse apenas aquele tempo para estarem juntos; intensamente
amoroso.
– Giovanni, filho
querido, há momentos em nossa vida em que enfraquecemos, sofremos e fazemos
sofrer; porém, a luz de Jesus sempre brilha, como você fala. E há os anjos para
nos lembrarem disso e esses anjos não possuem asas, eles estão bem pertinho e
convivem conosco. Obrigada, meu anjo querido – a mãe o abraçou e o beijou
incontáveis vezes.
Olhando para cima, o
menino agradeceu profundamente a oportunidade, sem se recordar, de encaminhar o
filho, enfraquecido na fé espiritual, confiado no passado e transformado na mãe
do presente.
E os dois enxugaram as
lágrimas e se sentaram à mesa para a primeira ceia de Natal revigorada na fé.
Comeram juntos a comida simples e pouco diversificada, mas com o bálsamo dos
bálsamos: o amor.
Após o jantar, o menino
desembrulhou o seu presente, na verdade, para a mãe.
– Olhe só, mamãe. Um
bolo inteirinho! É para você.
– Não, meu filho. É um
desejo seu.
– Não, mamãe. Há muito
tempo, papai me contou que quando você era criança tinha o grande desejo de
poder comprar um bolo assim... inteirinho e até agora você não pôde. E hoje,
nesta noite de Natal, quero lhe presentear com este bolo redondo coberto de
açúcar fininho com que tanto sonhou. É para você, mamãe – o filho, amoroso,
falou.
– Meu menino, meu anjo,
minha felicidade e meu incentivo para viver. Quanta alegria você me traz! – a
mãe beijou a cabeça do filho.
O menino cortou o
primeiro pedaço e colocou-o no pratinho amassado de alumínio das refeições
diárias e ofereceu à mãe amada.
– Feliz Natal, mamãe!
E lá fora, a neve caía
trazendo a brancura da paz em conformidade com o amor no interior do lar.
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