CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Talvez fosse ritual ou disciplina aprendida. No
entanto, verídico era todo dia o homem chegar ao mesmo exato minuto, girar duas
vezes e, junto do apito do trem, pisar o pé direito na cozinha de sua casa.
Na primavera das flores, no verão escaldante, no
outono do aconchego ou no inverno do recolhimento passou a ser assim, desde o
tempo em que ele começou a residir solitariamente no endereço. A cadência
metódica era bastante peculiar.
Não mais ouvira o balbuciar das palavrinhas
graciosas do menino mais novo; a filha maior, ah... esta também não entrava,
não saía, não mais brincava no quintal. A esposa não mais o esperava para o
almoço menos ainda para o jantar. A vida estava sem a graça que a torna
grandiosa.
Apenas um ponto positivo restara: o cão de rua
que o acompanhava no trajeto passou a ter um lar. Eram o homem e, agora, o seu
cão. E como este era leal!
Quando nunca se teve uma casa para morar e se é
convidado a ter comida, teto e um pouco que seja de carinho, o tapete em frente
à porta já é um palácio para se alegrar. Religiosamente, lá estavam o homem e o
seu cão; este, dessa forma, sentia a segurança que conhecera a partir de agora
e aquele podia, superficialmente, reviver mais um minuto de carinho e
aconchego. O cão o olhava nos olhos, nos olhos do seu companheiro.
Os olhares se entendiam; as palavras soavam
muito pouco no ambiente familiar; na verdade, era apenas o lar de um homem e de
um cão.
Mesmo que os dias se multipliquem e os anos
perdurem, o sentimento de um ser humano não possui regras exatas como a
matemática, nem estruturas coerentes pertencentes à formação de um idioma. O
sentimento humano chega, muitas vezes, ao extremo da incompreensão alheia e
pura coerência ao protagonista em questão.
Depois do último domingo do mês de maio às
quatro horas da tarde do ano passado, a vida do homem tanto se transformara
como se saltasse do Hemisfério Norte para o Hemisfério Sul. No seguinte domingo
atual, completaria o ciclo de um ano o ocorrido.
Ele sentou-se na única cadeira da tímida varanda
em frente à edícula onde morava. O cão sempre o acompanhava. E olhando com mais
atenção, ele notou uma pequenina flor mesclada de branca e rosa bem rente ao
muro.
Não se conteve e precisou apreciá-la de perto.
Lembrou-se de que não a vira antes, agora já estava formada e linda, e pensou: “Quanto
se perde com a falta de interesse, de entusiasmo pela vida”.
E tão introspectivo o homem estava. O cão copiava
o sentimento humano.
O homem admirou a formosura da flor e se
encantou ainda mais pela força, persistência e fé daquela pequenina. Grande
exemplo.
Sentiu-se como a flor – sozinho – e aprendeu que
precisava de mais determinação e amor pela vida, pois a conquista depende da
atitude.
Olhou-a mais um pouquinho, levantou-se, alongou
a coluna e voltou para a cadeira reservada na varanda. O cão também voltou e
deitou-se bem ao lado.
Os dois passaram a apreciar o movimento da rua,
a gostar de analisar o céu e a acompanhar o voo do pássaro até o seu
desaparecimento.
Nesta tarde enfastiada, palminhas bateram ao
portão. O homem olhou para a identificação das palmas. Por alguns segundos, ele
não respirou, mas seu coração continuou a bombear; em sua mente, e uma extensa
história se apresentou em curtos instantes.
– Papai... sou eu... Maria!
Os olhos paternos se emocionaram.
– Papai... abre o portão!
O homem não sabia nem se levantar da cadeira. A
surpresa foi gigantesca, mas, enfim, conseguiu. Ele se encaminhou ao portão; o
cão parecia compreender a tão situação delicada e foi no mesmo ritmo das pernas
humanas.
A mão direita alcançou o trinco e abriu.
Sem palavras, a filha Maria o abraçou pela
cintura. Apertou-o forte de saudade, de tristeza por estar ausente por todo esse
tempo; ela soluçou de emoção, estava ao lado do pai.
Também o filho menor se jogou para os braços do
pai; o menino era pequeno, no entanto, recordava-se dos olhos protetores.
O pai o pegou e o afagou com amor renovado.
Filhos e pai estavam juntos e enlaçados pelo profundo sentimento.
A mãe observava de cabeça baixa; nada podia
falar. Sua consciência a castigara, palavras eram dispensadas.
Quase um ano de padecimento implacável; noites
em claro, peso perdido, olhos sem brilho, coração sem sentido. Uma família
desfeita; desalento de quatro corações.
O homem, afogado na sua dor, respirou fundo,
olhou para o céu, entendeu que a vida é eterna e o tempo para cada ação,
efêmero. Não possuía o direito de julgá-la, era ainda sua esposa e,
definitivamente, mãe dos seus filhos.
Nesse quase um ano de reflexão, compreendeu que
nem toda atitude será compreendida; cada coração tem seus desejos e suas
razões.
E a esposa se iludiu com uma nova vida, um novo
amor. A ilusão foi tão descomedida que arrastou outros três companheiros para o
mar da desilusão.
Mas o céu sempre está à espreita dos
acontecimentos e, em sua grandeza, pode enxergar todos os atos realizados e
prever os que ainda são só pensamentos.
Então, o homem, com o filho no colo e a filha
abraçada a sua cintura, pôde também com o braço esquerdo, mesmo lado do
coração, abraçar a mulher e, como uma família nova e completa, eles e mais o
cão buscaram a casa simples e pequena, aconchegante e amorosa, sustentados pelo
ato do perdão.
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