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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A mais sublime arte: amar... neste instante


CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Eram dois irmãos: Ian e Iasmin. O jovem chegara aos quinze anos e a linda e carinhosa irmã contava oito. Viviam num bairro comum, numa cidade sem grande destaque de indústrias, nem de desenvolvimento. Seria apenas uma cidade como tantas outras, se não fosse o encanto de uma pequenina cidadã, irmã, ternura e amor, exatamente, em pessoa.
Na casa moravam os dois irmãos, pai e mãe, uma calopsita, graciosa, chamada Bela e um cão conhecido como “Voa Raso”, este nome foi dado por Iasmin, pois quando Bob – seu nome de batismo – via um passarinho ou pombinha, ele abaixava o corpo, arrastava-se e, sem ser percebido, avançava rapidamente contra seus pobres irmãos da natureza; mas ele aprende. E por isso, de tanto observar e achar graça, a linda menina o rebatizou de “Voa Raso”. No entanto, Iasmin não achara nem um pouco de graça quando Bob alcançou um passarinho e... pobrezinho! A menina, então, explicou ao cão que aquilo não era certo de se fazer, também deu uns gritos com ele, que encolheu tanto as orelhas que parecia estar de toca. Uns irmãos ensinando outros... é a vida.
Esse acontecimento, Iasmin também relatou ao irmão Ian, como sempre fazia nas outras ocasiões.
Desde pequenina, seus olhinhos brilhavam com o mais puro dos sentimentos quando avistavam Ian, o amado irmão. E com o passar do tempo, esse amor se fortalecera a cada novo amanhecer, a cada novo anoitecer. A mãe, em determinados casos, precisava interceder, pois os abraços de Iasmin em Ian eram tão apertados e demorados que para o irmão parecia faltar o ar.
E logo corria a mãe para desatarracar a menina do irmão. Ela queria abraçá-lo tão fortemente a ponto de, no sentido conotativo, colocá-lo em seu coração.
Conforme Iasmin crescia, compreendia mais a situação da família, em especial, a do irmão. Ele nascera com um tipo muito raro de paralisia; desde o nascimento permanecia no leito, quase imóvel; entretanto, tinha aparente compreensão do que ocorria, conhecia perfeitamente sua família e, pelos olhos, demonstrava sua emoção. Mas a irmã afirmava total compreensão e que ele ainda a demonstrava de outras maneiras.
– Iasmin, filha querida, você vai sufocar o seu irmão – a mãe falava preocupada.
– Não, mamãe. O Ian gosta de abraço bem apertado, não é, irmão? – a menina pedia a comprovação.
Iasmin perguntava, conversava, respondia por ele de tanto já conhecer o amado companheiro. Com os anos, ela mais o compreendia e o amava.
E nas idades em questão, de oito e quinze anos, estava o melhor relacionamento fraternal que se podia presenciar.
Todas as coisas novas que Iasmin conhecia, correndo compartilhava com o irmão. Um dos casos foi o de um pequeno pandeiro trazido por um parente do vizinho. Quando o amigo mostrou-o à menina, ela imediatamente pediu para levá-lo ao querido irmão.
– Ian... Ian... Olhe o que trouxe para você conhecer... um pandeiro... ele faz barulho... ouça... – Iasmin, um pouco descoordenada, bateu várias vezes no instrumento.
Ian, de certa forma, assustou-se, verificado pela piscadela dos olhos, mas, de repente, o canto direito da boca esticou levemente.
– Sabia que você ia gostar! – a irmã, tão alegre, constatou.
Iasmin identificava todos os movimentos faciais que o rapazinho irmão fazia.
Então não se contentava apenas em mostrar o objeto, ela levava-o para o irmão tocar, sentir a textura, a temperatura.
Pegou, com delicadeza, a mão do irmão para sentir o pandeiro, explicou cada parte e, por fim, levemente, os dedos de Ian bateram no instrumento reverberando um som interessante, que o rapazinho sorriu do jeito que só Iasmin reconhecia.
A mãe ouvindo o barulho correu até o quarto dos irmãos e, afobada, perguntou:
– Filha, o que está fazendo?
– Trouxe o pandeiro para o Ian conhecer – a menina respondeu com toda graça e felicidade.
– Meu bem, deixe-me te explicar mais uma vez... Ian não percebe as coisas como nós percebemos... ele tem limitações e, às vezes, essa euforia e acontecimentos podem incomodá-lo, compreendeu? – a mãe, explicando, perguntou.
– Está bem, mamãe... compreendi – Iasmin concordou e respondeu logo.
A menina sabia que o irmão a compreendia mais que tudo e ela o conhecia mais que ninguém. Ela só assentiu para não ter de ouvir o discurso materno novamente, pois de tanto Iasmin levar ao irmão as novas coisas, os discursos maternos eram corriqueiros.
– Deixei a panela no fogo... cuide de seu irmão! – a mãe pediu e foi até a cozinha.
– Está bem, mamãe – a menina respondeu e já soltou um sorriso gigantesco para Ian.
E de fato, os sorrisos de canto da boca do rapazinho só surgiam quando estavam apenas irmão e irmã – cumplicidade da vida.
A menina tirou os chinelinhos e logo subiu na cama do irmão; era um leito reforçado e com grades, um berço grande.
Sem se mexer nem dizer uma palavra, mas Iasmin sabia que o irmão estava feliz, aliás, ela sabia que ele adorava quando ela trazia as coisas novas, contava estórias, relatava os fatos e descrevia alguma imagem de além das paredes do quarto.
E de um jeito tão particular, a irmã acariciava o rosto do irmão e se deitava bem do seu ladinho segurando, com ternura mais plena, uma de suas mãos. Eram dezenas de minutos a logo formarem a primeira hora, depois vinham as outras mais, que os dois seres fraternos, desse jeito, tanto apreciavam e amavam.
Nesta mesma tarde, deitadinha ao lado do irmão, Iasmin sentiu vontade de descrever-lhe o momento de quando ela fora à praia pela primeira vez no ano corrente.
A tia Maria, irmã caçula de sua mãe, a levara para conhecer o mar nas últimas férias. De fato, a menina aproveitou muito, mas em todos os dias, nas partes dos dias, em toda a viagem, a menina pensava em seu querido irmão e em como ele se sentiria num lugar tão maravilhoso como aquele.
Se Ian não poderia ir, então, a praia, o mar e a sua beleza viriam até ele por meio das palavras, da imaginação e do amor de Iasmin.
E irmão e irmã, deitados juntos, participando do mesmo momento, naturalmente, a narração começou a surgir.
Iasmin, segurando uma das mãos fraternas, iniciou mais uma vez uma das muitas histórias para Ian.
– O primeiro dia que conheci o mar... foi lindo, Ian. Antes pisei a areia... hum, ela era bem fofinha, parecia uma quantidade enorme – abriu os bracinhos – do leite em pó que você toma e até a cor era parecida. Depois, Ian, afundei meu pé nesta imensa quantidade de areia – ela sempre olhava para os olhos do irmão, e esses olhos eram calmos. – Quando vi aquele tanto de água, corri para a beirinha e senti a água molhando os meus pés... sabe quando a mamãe te dá banho e ela molha primeiro o seu pé, então, assim mesmo. Mas a água, Ian, era salgada, gosto do sal que a mamãe põe na sua papinha... e fica aquele gostinho gostoso... e você sabe que a mamãe sempre me dá um pouquinho da sua comida?... é uma delícia! – os olhos da menina sorriam.
A mãe entrou no quarto para saber se estava tudo bem.
– Filha, de novo você está na cama do seu irmão? – a mãe perguntou.
– Sim, mamãe! O Ian sempre me pede para contar o que acontece lá fora – a filha respondeu tão simplesmente.
– Iasmin, você sabe que é feio mentir – a mãe, um pouco severa, falou.
– Não estou mentindo, mamãe!
– Seu irmão não fala, você sabe disso!
– Ah, mas entendo tudo o que ele me diz com o seu olhar, o seu jeito... conheço muito bem o Ian, mamãe. Ele é o meu irmão – Iasmin ao lado de Ian, falou com segurança.
– Está bem, filha! Mas não o sufoque, você sabe que ele precisa ficar nesta exata inclinação – a mãe, cuidadosa, falou.
– Eu sei, mamãe! Pode ir para lá que nos entendemos muito bem, não é, meu irmão lindo?! – a menina falou.
– Tudo bem! Mas cuidado, hein!? – a mãe reforçou.
– Fique tranquila, mamãe... tchau, tchau – disse a menina.
E a mãe presenciou, mais uma vez, aquele especial amor fraterno e saiu para a cozinha.
– Então, Ian... a mamãe nos interrompeu... mas continuarei... e o sol é bem quentinho como quando a mamãe seca o seu cabelo com o secador e sai aquele vento bem morninho – deu uma pausa. – Brinquei muito na água e na areia. Depois a tia Maria me comprou um sorvete... gelado como a pedra de gelo que trouxe para você conhecer a semana passada. Hum... lá estava bem legal – e os olhos da menina se encheram de lágrimas. – Mas faltava você, Ian – e um chorinho baixo surgiu. – Queria tanto que você tivesse ido comigo, que pudesse brincar, tomar sorvete, brincar no mar, passear, andar na areia... – e a irmã não se conteve e chorou sentida por tanto amor pelo querido irmão.
E Iasmin abraçou-o tão encantadoramente e disse quanto o amava e quanto era lindo... bonito... inteligente... carinhoso e tantas mais qualidades.
Os olhos do irmão também se encheram de lágrimas cheias de ternura, mas sem o som da palavra, se bem que o amor não precisa de nenhuma palavra, pois já é o mais grandioso sentimento.
Assim, os irmãos ficaram carinhosamente juntos, e de nada mais precisavam... apenas a companhia um do outro já era a felicidade para ambos.
A noite começava a chegar; então, Iasmin beijou a testa do irmão e foi para o banho; o papai logo estaria em casa e ela precisava estar limpinha.
Os três jantaram e compartilharam o momento. Ian sempre era o primeiro a se alimentar, portanto, já estava bem alimentado em sua cama.
Iasmin ajudou a mãe com a louça; o pai foi passar um tempo, no quarto, com o seu menino. E mais um dia findara.
E um novo amanhecer nasceu.
A mãe estranhou o silêncio na casa; Iasmin sempre tinha muita energia... e agora tudo estava tão quieto!
– É capaz de Iasmin estar deitada junto com Ian – a mãe pensou em voz alta.
Chegou ao quarto onde os filhos dormiam. Ian já estava com os olhos abertos. A filha estava deitadinha em sua cama.
– Que estranho! Iasmin ainda não acordou! – a mãe pensou alto mais uma vez.
Logo, a mãe foi cuidar do filho. Fez a higiene e trocou-o de roupa. A mãe estranhou muito e foi chamar a pequena.
– Filha, acorde, meu bem! Ian já acordou! – a mãe falou com carinho.
A menina não se mexia e estava tão serena.
– Iasmin! Filha! – a mãe começou a se desesperar. – Filha, acorde! Iasmin...
E a filha não mais podia responder. Ela, como um pequenino filhote de passarinho, sem mais a energia terrena, não mais pertencia a esta dimensão... partira voando levemente para a continuação de seu progresso. Iasmin agora poderia ser vista entre as estrelas sorrindo o sorriso mais lindo como os que sorria para Ian, seu irmão amado.
A mãe abraçava o corpinho frágil e dizia quanto a amava e quanto era uma filha tão querida e uma irmã tão amorosa... e era muito criança para a deixar.
E o pai correra para o quarto e, presenciando a cena, chorou como a criança que estava embalada nos braços maternos. Os pais se abraçaram com a filha entre eles.
Aquele quarto fora cenário de tanto amor, fraternidade, ternura, compreensão e agora, de momento imensamente delicado: a separação de um ser tão querido, um filho.
E como sempre Iasmin falava, – “Ian entende tudo” – o jovem rapazinho estava quase imóvel em sua cama, mas com os olhos cheios da lágrima mais eternizada por ter sido extremamente amado por uma criança de espírito tão nobre e amparador.
Iasmin ensinou o irmão a olhar pela janela e apreciar as estrelas no alto céu; quem sabe já previa sua partida e deixou para o irmão o mais eterno brilho: o das estrelas. Como na verdade, era uma delas.
Iasmin aprendeu rapidamente que o amor deve ser demonstrado hoje, pois do amanhã não se tem notícia... só vivendo. Por isso, ela amou tanto o seu irmão Ian.
E a luz se fez forte na partida de um anjo.

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