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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

As histórias tiveram começo e se perpetuam pelo tempo


CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Normalmente os dias eram úmidos e frios e o período noturno ainda menos aconchegante.
Se pudesse sair, correr pelos campos, realizar alguma atividade fora do castelo... mas a sua clausura, segundo o pai, era necessária e seria para aquisição dos bons costumes, do conhecimento incomparável, da imagem social vangloriada.
No entanto, Yeva era uma jovem de seus breves treze anos, logo completaria mais um ano de vida... que não podia viver, que não podia sentir ao menos o vento em sua face, pois a paisagem de uma natureza desmedida de tão maravilhosa só lhe era permitida a fria observação pelo imóvel vidro da janela de seu quarto. E quanto ficava a admirar, a sonhar com uma realidade mais feliz e ter o que a alma tanto anseia: liberdade!
Professores diversos iam até o castelo para lhe ministrarem aulas de idiomas, música, canto lírico, Ciências, História. Número exacerbado de atividades sem que houvesse o brilho da alegria nos olhos, dádiva que não se compra com dinheiro, nem com posição social.
Suas roupas, impecáveis; sua comida servida nos minutos exatos; seus pertences munidos das marcas mais famosas e caras, europeias, e o seu coração tão infeliz naquele cenário. Yeva desejava simplesmente a leveza do dia, a ida e a vinda para o jardim e o campo harmonioso.
A menina, como balsamizante, tinha a companhia, no entanto, nem sempre, da filha da cozinheira da família. A jovem era dois anos mais velha que Yeva. Ah, mas aquela jovem possuía a luz da vida... a energia da felicidade soprando livremente em seus dias. Kyria era o nome da filha da cozinheira.
Há sempre pessoas que amenizam a jornada mais sofrida e fazem vislumbrar as flores coloridas à beira do caminho. E Kyria era o afago para a alma de Yeva. Semanas inteiras se passavam sem que o pai lhe desse uma palavra, nem pensar, um carinho. A mãe, submissa ao esposo e demasiada interessada nos bens financeiros, olhos não possuíam para admirar a sua menina tão solitária e triste. Ter tantos bens e não ser afortunado, mas a alma precisa do tesouro adequado para sorrir e se fortalecer.
O horizonte mais e mais lhe apresentava o sonho de ser livre. Mesmo sem felicidade, Yeva proferia palavras doces como jasmins, tinha nos gestos a ternura e a bondade.
E Yeva amanheceu para mais um, possivelmente, morno dia de emoção e ainda frio do inverno rigoroso e permanente.
A jovem recebeu o professor de Francês e foi a exímia aluna de sempre. Teve o momento para o almoço e o descanso de poucos minutos. Retornou às atividades vespertinas do dia em questão.
O ponteiro do relógio de parede marcava cinco horas de uma sexta-feira.
Não teria mais os professores por aquele dia, pois esse compromisso era até o horário conferido. Então, voltou ao seu quarto e, antes de ir para o banho, puxou uma pequena cadeira de leitura e a posicionou em frente à janela. Àquele momento já era quase noite e buscou o horizonte mais longínquo que seus olhos, assim, desvalidos da alegria de sua juventude, pudessem alcançar.
Sem medida de tempo, os minutos se passaram porque o andamento é ininterrupto; porém, para a menina Yeva, foi exatamente o sentimento interior aguçado que somente sentiu vivo.
Ela chegou a suspirar buscando o ar que sua tristeza lhe tirara.
Olhou para os lençóis e verificou o comprimento; analisou a altura da sacada de seu aposento. Em sua mente, criou todas as etapas com sofisticação para a resolução do próprio atentado. E quando imaginou a cena final... de uma jovem pendurada já sem vida e impossibilitada de nem ao menos ver a paisagem pela janela, seus olhos pareciam cachoeiras das lágrimas mais sentidas que um dia a menina pôde viver; neste momento ela compreendeu.
Seu coração disparou arritmicamente, loucamente; seu corpo sofreu o tremor mais real que seus órgãos podiam supor.
A menina acordou do sonho que até o presente dia sofrera. Ela tomou consciência, na fração que a luz se acende, do sentido do bem precioso: a vida. Seu coração se inundou com a saudade e a alegria de tudo o que pôde viver; o passado já é um tempo inacessível, mas o presente é regalo para a alma e o futuro... ah, quão maravilhoso pode ser.
O despertamento trouxe leveza verdadeira para a sua alma, também ternura real para amar, principalmente, compreender. E bem no instante no qual a menina elevou seu pensamento em prece, mesmo com todo transtorno, a energia de amor foi operante e Yeva foi envolta numa luz tão calma, tão viva... bondosa... de renovação.
Dos olhos ainda escorriam as lágrimas em excesso geradas, agora, pelo ato da gratidão de ainda a tempo ter a oportunidade de percorrer, com amor, a sua jornada.
Entregou-se à sua cadeira e tão humildemente enxugava a face banhada nas lágrimas mais felizes de sua juventude. Reconheceu quanto pode fazer por si e pelos outros, pois um dia crescerá e alçará o seu voo para a liberdade.
Assimilou que todo aprendizado é oportunidade semeada para o próprio amparo e também para o de seus companheiros.
Enquanto a menina se refazia do turbilhão vivido, havia ao seu lado dois amigos de longa data amparando-a com a prece e a vibração tão benéficas. Sabe-se que a oração de verdade transcende e torna-se lenitivo ao doador e ao seu recebedor.
Mas a menina não os podia muito sentir, pois ainda o seu desequilíbrio deixava-a em vibração inferior àquela em que eles se encontravam. No entanto, compassadamente, seu corpo se recuperou e sua alma estava feliz pelo afloramento da compreensão alcançada no momento decorrido.
Yeva agora olhava a paisagem e seus olhos sorriam com a plenitude do entendimento; dali adiante, os raios de sol seriam dourados e a imensidão do céu, a proteção constante.
Kyria bateu à porta e avisou que o jantar seria servido.
– Sim, obrigada. Já irei – a menina respondeu.
Apressou-se com o banho, mas seu pensamento se regozijava. Enfim, estava pronta para a refeição, para a nova vida.
Sentou-se sozinha à mesa, pois seus pais realizavam atividades supostamente mais importantes. E com a gratidão encontrada, participou do banquete servido: comida e compreensão.
Estava sozinha para tanta fartura.
– Kyria, sente-se e faça a refeição comigo, minha amiga – a menina pediu.
– Não posso, senhorita Yeva – a jovem respondeu um pouco desconcertada.
– Por favor, minha amiga! Compartilhe comigo!
Kyria olhou nos olhos da menina e foram alguns segundos para se decidir.
– Sim, então me sento e compartilho.
E as jovens comeram em paz e com a felicidade de reencontrarem a vida verdadeira.
E Kyria, sentada com a menina Yeva, mais uma vez, sentiu pulsante alegria, sem a noção da última existência, na qual tanto zelou por esta sua irmã menor favorecendo o impedimento de também realizar o que hoje, por si própria, soube resistir.
Yeva compreendeu que um ato impróprio não seria a solução para a vivência atual, ou melhor, abarcaria situações muito piores e sofredoras.
As experiências adquiridas geram o conhecimento protetor. Todos são viajores pela senda da evolução. Se hoje o passo ainda não caminha reto para a felicidade, certamente, no futuro ele caminhará apoiado nos bons sentimentos, pensamentos, palavras edificantes e na conduta do bem.
E Kyria e Yeva terminaram o jantar, comeram a sobremesa com calda de chocolate e passaram longos minutos a se contemplarem com o brilho fraterno já conquistado tempos atrás.


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