CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Havia uma calçada estreita em
volta da casa. Fora isso, a terra batida completava o quintal. Algumas
galinhas, soltas, davam o pouco dinamismo ao lugar e também os ovos para quase
toda refeição.
A horta era apenas um singelo
canteiro com algumas hortaliças, no entanto, é melhor ter pouco que nada. A
água era escassa na região e não havia meios de manter maiores áreas de
plantio.
O poço artesiano era o recurso
mais importante para o lugar; lá no fundo, a água era viva e vida mantinha.
Duas vezes ao dia, a jovem
campesina e moradora da casa ia até o poço e tirava dois baldes do bálsamo
salutar. Levava-os para dentro da casa. Retirava um potinho e colocava para as
galinhas. Estas pareciam sorrir quando a água e mesmo a pouca comida eram
oferecidas.
Uma senhora, avó da jovem e
também moradora da casa, sem hora determinada, aparecia na porta da cozinha.
Olhava para o céu e para a linha reta do infinito e constatava que a imensidão
da vida era a riqueza presenteada por Deus.
Em segundos, voltavam tantas
lembranças... conquistas, dificuldades que resultaram na mulher vivida e
companheira de seu esposo, homem simples e honesto, que passara boa parte da
vida ao seu lado; ele, há algum tempo, não compartilhava mais do mundo da
matéria.
A senhora também não podia se
esquecer da filha, mãe da neta, mas esta agora era a sua única família.
Olhos que se perdiam em
pensamentos, porém estavam, de certa forma, em harmonia com a vida presente. A
avó tinha a sua neta, uma casinha, os animais de que tanto gostava, entretanto,
não mais podia cuidar deles devido à saúde frágil. Mas a avó podia conversar
com a neta... e rir... e explicar... e passar tanto ensinamento.
E as duas se entendiam muito bem
e se amavam acima de tudo.
– Vó, venha! Passei café e fiz
alguns bolinhos. Venha, vó! – a neta pediu.
Aqueles cafés, à tarde, eram
início de longas “prosas” como dizia a senhora.
– Sim, minha neta! Tenha
paciência, pois para me virar preciso fazer todo um planejamento para as partes
do corpo não se perderem – a senhora, sempre brincalhona, buscava a paisagem do
interior da casa.
Ela deixava, no horizonte, as
lembranças se diluírem.
– Que cheirinho bom! Tão jovem,
meu bem, e tão prendada. Que felicidade para nós! – a avó falou.
– Ah, vó! Mas foi a senhora quem
me ensinou tudo o que sei. A senhora é minha vó, minha mãe, minha amiga... – os
olhinhos da menina se embargaram.
– Oh, minha neta querida. Você é
a luz que ilumina minha vida. Não chore, não! Vamos comer os bolinhos... E
devem estar deliciosos! – a avó fortaleceu-a.
A neta enxugou os olhos,
apertou, com carinho, a mão da avó e começou a comer a merenda da tarde.
As galinhas desfilavam em frente
à porta com a esperança de ganharem algum pedaço de bolinho.
E a conversa entre família
sempre ficava muito animada, pois quanto acontecimento engraçado a avó tinha
para contar.
E aquelas mãos simples, da avó e
da menina, repousaram sobre a mesa. As duas estavam alimentadas e simplesmente
felizes. A senhora já lhe ensinara que a responsabilidade é individual quanto à
posição que cada um ocupa na existência.
A avó dizia também que de acordo
com o pensamento, atitude, palavra e sentimento é que se conquistará um coração
mais leve e contente ou uma consciência de pesado fardo. A cada um lhe é dado o
livre-arbítrio. E tanto a avó explicava.
Talvez a senhora preocupava-se
demasiadamente com uma situação relacionada à neta, pois “com quem a menina
ficaria quando fosse chegada sua hora?”, essas eram as palavras a afligirem a
avó, no entanto, sabe-se que todos são amparados.
Naquela tarde, o tempo começou a
modificar; as nuvens começaram a preencher o céu. O azul cedera ao cinza das
nuvens de chuva, bálsamo da vida, que há tanto não era sentido.
E as duas se levantaram e foram
até a porta para presenciar os primeiros pingos de chuva. Naquela tarde, toda a
natureza queria ser abençoada pela água que escorria do céu e que prepararia a
vida para em mais vida se tornar.
– Minha filha, olhe a água
cristalina! Quão maravilhoso é o Senhor por nos presentear assim – a avó falava
com tanta fé e admiração.
– Sim, vovó. Quantas bênçãos! – a
neta concordou.
E esses pares de olhos se
encantavam com a vida jorrada do alto.
E a menina se sentia fortalecida
pelas inúmeras vezes que sua avó lhe explicava tanto sobre a vida. E a neta
criara confiança, assim, como a chuva que, aos pouquinhos, molhava toda a terra
e a preparava para o plantio e para o nascimento natural.
Durante a noite, também a chuva
foi certa como as estrelas no céu de uma noite limpa. E as duas dormiam e
descansavam, e a água caía para alimentar e limpar.
A manhã nasceu e a chuva
continuava, e a neta se levantara e se dirigiu à porta para observar de perto a
riqueza enviada do céu. O bálsamo ainda jorrava brilhante.
Esquentou a água para o café. A
avó ainda não viera à cozinha; a neta começou a estranhar.
– Talvez seja pelo aconchego da
chuva que há tanto não nos presenteava – falou baixinho a neta.
Passou o café, arrumou a mesa
simples ainda com alguns bolinhos da tarde anterior e a avó ainda não
aparecera.
A menina, então, foi ao quarto,
aliás, o único da casa e aproximou-se da avó que, de uma certa forma, agonizava
em sua singela cama de há muitas noites dormidas.
– Vó, vó... o que está
acontecendo? – a neta, aflita, perguntou.
A avó olhou para a menina e
respirando com dificuldade, falou estas palavras:
– Minha neta querida, o dia de
única preocupação para mim... chegou. Sei que é chegada a minha hora... e o que
mais me afligia era deixá-la sozinha... sem família... sem ninguém. Mas nossas
aflições são maiores do que os reais acontecimentos – a senhora buscou fôlego
para continuar. – Essa noite, muito me foi elucidado quanto à sua vida e seu
caminho a seguir... sem mim... ou melhor, sem estar com você fisicamente. Todos
temos o tempo adequado para cada vivência e as lições a aprender.
A neta ouvia, com lágrimas, as
palavras de sua anciã tão querida.
– Minha filha, continue a
estrada com muito amor, proteção, paz, saúde e busque sempre o conhecimento que
ilumina os passos. Minha querida, que em seu coração a fé e a paz sejam
baluartes.
A senhora segurou a mão
pequenina e frágil da neta; os olhos da avó se fecharam. A neta tanto abraçou a
mulher que tudo a ensinou. O semblante estava sereno, cumprira todo o percurso
determinado com muita alegria, otimismo e amor. E assim deve ser. A vida deve
ser contemplada a cada raiar do sol.
E todo ritual posterior se deu
com simplicidade e com as poucas flores do quintal.
Pronto! A neta estava novamente
em casa, porém, sem a avó querida, pois esta havia virado mais uma luz no
universo. A estrela buscara lugar rumo à eternidade.
O que fazer agora? A menina
estava só naquelas terras isoladas. Esta era a grande preocupação da senhora.
Passaram-se dois dias do
ocorrido e a menina mantinha sua rotina comum e previsível. Os mantimentos
pouco restavam e o que a menina, então, faria?
À tarde, começou mais uma vez a
chover. E a jovem, solitária, se encontrava na casa simples. Ela estava com os
olhos sem brilho.
– O que farei a partir de agora?
Senhor, por favor, me ampare!
Com as mãos entrelaçadas em
prece, rogou ajuda e discernimento.
Os pingos da chuva cessaram e o
sol voltou por inteiro. Às três horas da tarde, um carro imponente parou em
frente ao casebre naquele sertão esquecido.
O motorista desceu e abriu a
porta de trás para um senhor, de muito boa aparência, descer. Ele olhou,
observou o singelo lugar. Sentiu emoção por estar ali. Bateu palma. Mais uma
vez. Então, a porta, rangendo se abriu. A menina, chorosa, veio com receio,
para atendê-lo.
O homem, com olhos banhados em
lágrimas, perguntou:
– Por favor, procuro por
Eleonora.
– Quem é o senhor? – a menina,
receosa, perguntou.
– Sou Otávio Augusto Linhares – ele
respondeu.
A menina se emocionou de
alegria, de esperança viva.
– Sou eu... sou eu... Eleonora
sou eu – a menina respondeu.
Quanta felicidade experimentou o
coração juvenil, pois até o momento o único contato com esse nome completo era
quando lia em seu registro de nascimento.
– Você é o meu pai? – perguntou
a jovem, soluçando baixinho.
– Sim, quanto te procurei.
Quanto sonhei com você... minha filha... meu tesouro... minha vida.
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