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terça-feira, 11 de março de 2014

A distância não existe para o raio de sol


CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Havia uma calçada estreita em volta da casa. Fora isso, a terra batida completava o quintal. Algumas galinhas, soltas, davam o pouco dinamismo ao lugar e também os ovos para quase toda refeição.
A horta era apenas um singelo canteiro com algumas hortaliças, no entanto, é melhor ter pouco que nada. A água era escassa na região e não havia meios de manter maiores áreas de plantio.
O poço artesiano era o recurso mais importante para o lugar; lá no fundo, a água era viva e vida mantinha.
Duas vezes ao dia, a jovem campesina e moradora da casa ia até o poço e tirava dois baldes do bálsamo salutar. Levava-os para dentro da casa. Retirava um potinho e colocava para as galinhas. Estas pareciam sorrir quando a água e mesmo a pouca comida eram oferecidas.
Uma senhora, avó da jovem e também moradora da casa, sem hora determinada, aparecia na porta da cozinha. Olhava para o céu e para a linha reta do infinito e constatava que a imensidão da vida era a riqueza presenteada por Deus.
Em segundos, voltavam tantas lembranças... conquistas, dificuldades que resultaram na mulher vivida e companheira de seu esposo, homem simples e honesto, que passara boa parte da vida ao seu lado; ele, há algum tempo, não compartilhava mais do mundo da matéria.
A senhora também não podia se esquecer da filha, mãe da neta, mas esta agora era a sua única família.
Olhos que se perdiam em pensamentos, porém estavam, de certa forma, em harmonia com a vida presente. A avó tinha a sua neta, uma casinha, os animais de que tanto gostava, entretanto, não mais podia cuidar deles devido à saúde frágil. Mas a avó podia conversar com a neta... e rir... e explicar... e passar tanto ensinamento.
E as duas se entendiam muito bem e se amavam acima de tudo.
– Vó, venha! Passei café e fiz alguns bolinhos. Venha, vó! – a neta pediu.
Aqueles cafés, à tarde, eram início de longas “prosas” como dizia a senhora.
– Sim, minha neta! Tenha paciência, pois para me virar preciso fazer todo um planejamento para as partes do corpo não se perderem – a senhora, sempre brincalhona, buscava a paisagem do interior da casa.
Ela deixava, no horizonte, as lembranças se diluírem.
– Que cheirinho bom! Tão jovem, meu bem, e tão prendada. Que felicidade para nós! – a avó falou.
– Ah, vó! Mas foi a senhora quem me ensinou tudo o que sei. A senhora é minha vó, minha mãe, minha amiga... – os olhinhos da menina se embargaram.
– Oh, minha neta querida. Você é a luz que ilumina minha vida. Não chore, não! Vamos comer os bolinhos... E devem estar deliciosos! – a avó fortaleceu-a.
A neta enxugou os olhos, apertou, com carinho, a mão da avó e começou a comer a merenda da tarde.
As galinhas desfilavam em frente à porta com a esperança de ganharem algum pedaço de bolinho.
E a conversa entre família sempre ficava muito animada, pois quanto acontecimento engraçado a avó tinha para contar.
E aquelas mãos simples, da avó e da menina, repousaram sobre a mesa. As duas estavam alimentadas e simplesmente felizes. A senhora já lhe ensinara que a responsabilidade é individual quanto à posição que cada um ocupa na existência.
A avó dizia também que de acordo com o pensamento, atitude, palavra e sentimento é que se conquistará um coração mais leve e contente ou uma consciência de pesado fardo. A cada um lhe é dado o livre-arbítrio. E tanto a avó explicava.
Talvez a senhora preocupava-se demasiadamente com uma situação relacionada à neta, pois “com quem a menina ficaria quando fosse chegada sua hora?”, essas eram as palavras a afligirem a avó, no entanto, sabe-se que todos são amparados.
Naquela tarde, o tempo começou a modificar; as nuvens começaram a preencher o céu. O azul cedera ao cinza das nuvens de chuva, bálsamo da vida, que há tanto não era sentido.
E as duas se levantaram e foram até a porta para presenciar os primeiros pingos de chuva. Naquela tarde, toda a natureza queria ser abençoada pela água que escorria do céu e que prepararia a vida para em mais vida se tornar.
– Minha filha, olhe a água cristalina! Quão maravilhoso é o Senhor por nos presentear assim – a avó falava com tanta fé e admiração.
– Sim, vovó. Quantas bênçãos! – a neta concordou.
E esses pares de olhos se encantavam com a vida jorrada do alto.
E a menina se sentia fortalecida pelas inúmeras vezes que sua avó lhe explicava tanto sobre a vida. E a neta criara confiança, assim, como a chuva que, aos pouquinhos, molhava toda a terra e a preparava para o plantio e para o nascimento natural.      
Durante a noite, também a chuva foi certa como as estrelas no céu de uma noite limpa. E as duas dormiam e descansavam, e a água caía para alimentar e limpar.
A manhã nasceu e a chuva continuava, e a neta se levantara e se dirigiu à porta para observar de perto a riqueza enviada do céu. O bálsamo ainda jorrava brilhante.
Esquentou a água para o café. A avó ainda não viera à cozinha; a neta começou a estranhar.
– Talvez seja pelo aconchego da chuva que há tanto não nos presenteava – falou baixinho a neta.
Passou o café, arrumou a mesa simples ainda com alguns bolinhos da tarde anterior e a avó ainda não aparecera.
A menina, então, foi ao quarto, aliás, o único da casa e aproximou-se da avó que, de uma certa forma, agonizava em sua singela cama de há muitas noites dormidas.
– Vó, vó... o que está acontecendo? – a neta, aflita, perguntou.
A avó olhou para a menina e respirando com dificuldade, falou estas palavras:
– Minha neta querida, o dia de única preocupação para mim... chegou. Sei que é chegada a minha hora... e o que mais me afligia era deixá-la sozinha... sem família... sem ninguém. Mas nossas aflições são maiores do que os reais acontecimentos – a senhora buscou fôlego para continuar. – Essa noite, muito me foi elucidado quanto à sua vida e seu caminho a seguir... sem mim... ou melhor, sem estar com você fisicamente. Todos temos o tempo adequado para cada vivência e as lições a aprender.
A neta ouvia, com lágrimas, as palavras de sua anciã tão querida.
– Minha filha, continue a estrada com muito amor, proteção, paz, saúde e busque sempre o conhecimento que ilumina os passos. Minha querida, que em seu coração a fé e a paz sejam baluartes.
A senhora segurou a mão pequenina e frágil da neta; os olhos da avó se fecharam. A neta tanto abraçou a mulher que tudo a ensinou. O semblante estava sereno, cumprira todo o percurso determinado com muita alegria, otimismo e amor. E assim deve ser. A vida deve ser contemplada a cada raiar do sol.
E todo ritual posterior se deu com simplicidade e com as poucas flores do quintal.
Pronto! A neta estava novamente em casa, porém, sem a avó querida, pois esta havia virado mais uma luz no universo. A estrela buscara lugar rumo à eternidade.
O que fazer agora? A menina estava só naquelas terras isoladas. Esta era a grande preocupação da senhora.
Passaram-se dois dias do ocorrido e a menina mantinha sua rotina comum e previsível. Os mantimentos pouco restavam e o que a menina, então, faria?
À tarde, começou mais uma vez a chover. E a jovem, solitária, se encontrava na casa simples. Ela estava com os olhos sem brilho.
– O que farei a partir de agora? Senhor, por favor, me ampare!
Com as mãos entrelaçadas em prece, rogou ajuda e discernimento.
Os pingos da chuva cessaram e o sol voltou por inteiro. Às três horas da tarde, um carro imponente parou em frente ao casebre naquele sertão esquecido.
O motorista desceu e abriu a porta de trás para um senhor, de muito boa aparência, descer. Ele olhou, observou o singelo lugar. Sentiu emoção por estar ali. Bateu palma. Mais uma vez. Então, a porta, rangendo se abriu. A menina, chorosa, veio com receio, para atendê-lo.
O homem, com olhos banhados em lágrimas, perguntou:
– Por favor, procuro por Eleonora.
– Quem é o senhor? – a menina, receosa, perguntou.
– Sou Otávio Augusto Linhares – ele respondeu.
A menina se emocionou de alegria, de esperança viva.
– Sou eu... sou eu... Eleonora sou eu – a menina respondeu.
Quanta felicidade experimentou o coração juvenil, pois até o momento o único contato com esse nome completo era quando lia em seu registro de nascimento.
– Você é o meu pai? – perguntou a jovem, soluçando baixinho.
– Sim, quanto te procurei. Quanto sonhei com você... minha filha... meu tesouro... minha vida.

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