CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Após o acontecimento, a casa não
tinha mais as risadas, nem os olhos brilhosos, nem a alegria de simplesmente
estar com quem tanto se ama e abraçar esse alguém. E o ambiente, naquele lar,
deixara de ser leve e passou a ser triste, sem as cores da vida.
A grande mudança se deu quando
Leocádio, rapaz de seus dezesseis anos, sofrera um acidente com o veículo que o
trazia do colégio. O motorista era um senhor, experiente, contratado por quatro
famílias para levar os filhos à cidade vizinha, centro maior que proporcionava
melhores estudos.
Quantos dias, meses, fizeram
esse percurso com chuva, sol, frio, calor, no entanto fora num dia de céu
limpo, visão ampliada e nítida, que houve o ocorrido. Só faltavam poucos
quilômetros para chegar à humilde cidade onde moravam, quando um animal,
atordoado, passou em frente do veículo. Assustado e desorientado, o motorista
perdeu a direção e caiu desfiladeiro abaixo. O carro capotou pelo menos três
vezes até parar na superfície coberta de mato rasteiro.
Algumas horas se passaram até
que os acidentados recebessem ajuda e fossem levados ao hospital. O motorista,
embora muito preocupado e amedrontado, estava bem, como os outros três rapazes.
Porém, não era o caso do rapaz Leocádio, moço muito bonito, saudável e cheio de
planos, pois ele havia sofrido traumatismo no pescoço e não suportara, vindo a
falecer.
Foi um acontecimento muito
comovente. A reduzida população procurou ajudar a família do rapaz com amparo,
atenção e muito carinho. Por ser uma cidade pequena havia ainda esse
compartilhamento mais vivo de amizade, doação e benefício entre as pessoas.
A mãe estava inconsolável e mais
deprimida a cada nova hora. O pai também estava em verdadeiro teor da
precariedade sentimental, espiritual; a tristeza o tomara, porém, mesmo com a
debilidade da ocasião, sentia tímida mas, ainda assim, uma chama de fé e que
havia um Pai Onipotente com a sabedoria de tudo.
O tempo foi avançando entre
amanheceres e anoiteceres.
Na casa, a alegria não
encontrava espaço, pois a energia gerada pelos sentimentos e pensamentos,
principalmente os da mãe, era de grande dano físico e espiritual. O corpo
estava desnutrido, apático, aberto somente às moléstias das mais simples às
mais complexas e inexplicáveis.
Do marido, a esposa se afastou,
pois o desequilíbrio era tanto que se tornavam incompatíveis as palavras,
atitudes, sentimentos e toda forma de expressão.
E o momento chegara:
aparentemente, as duas almas, marido e esposa, estavam desistindo do
compromisso assumido, de um passo maior a ser dado.
A mãe, chamada Esmeralda, só
rogava por sua morte a fim de reencontrar o filho amado; o pai, embora com um
pouco de fé, não estava decidido no caminho a seguir, os momentos de fraqueza
eram maiores e investiam mais fortemente contra sua fé ainda abalável.
O transtorno se fizera presente
e se intensificava com a energia favorável à propensão.
Após meses de cruel sofrimento
pelos corações paternos, ainda mais visível no materno, certo dia no período
noturno, desespero dos aflitos, quando a voz materna suplicava mais uma vez por
sua partida para o reencontro com seu menino, com a face banhada com as
lágrimas do pranto mais sofrido e, insustentavelmente, mais doído que o coração
pudera aguentar, a mãe, fraterna companheira do espírito de seu filho,
adormeceu como a criança exausta, nos braços do pai.
A mãe, na hora do descanso
noturno, sobre o leito que presenciara por meses o desfalecimento perturbador
do corpo e da alma, recebera o bálsamo calmante ministrado por mãos etéreas que
jorravam luz brilhante e refazedora. Quando a respiração tomou compasso mais
ritmado e suave e o coração, mais tranquilo, se manteve, cada célula do corpo
fora visitada pela energia benéfica e restauradora, oportunizando o iminente
momento.
O quarto recebeu uma proteção
energética por meio de luz esplêndida isolando o ambiente. E com toda a
preparação primorosa e eficiente, o espírito da mãe, inconsolável, foi amparado
e guiado para a dimensão atemporal e imaterial. Ocasião de como se fora o
início de um sonho, possivelmente comum, se não fosse o reencontro tão esperado
da mãe com o espírito amado do filho querido.
Esmeralda caminhava lentamente e
segura por dois jovens, uma moça e um rapaz, que a amparavam um em cada braço,
numa iluminação tão incomparável à terrena.
Os três se aproximaram de um
rapaz, sentado, e que parecia inspirar alguns cuidados e, por isso, estava
acomodado na poltrona simples. Ao redor do jovem estavam também os que
aparentavam ser os cuidadores. Eram dois homens, talvez de meia idade, mas
robustos e vivazes, com semblante amoroso e calmo; aliás, um deles era um
familiar muito amado.
A mãe, quando perto se encontrou
e reconheceu os olhos inesquecíveis e inconfundíveis, o rosto tão familiar,
sentiu a sua face visitada pela lágrima da emoção feliz, que por fim banhara
totalmente o rosto, o ser materno.
– Filho amado! É você? – a mãe
perguntou querendo tocá-lo.
– Sim, mãe querida, sou eu! – o
filho respondeu também com a saudade embargada.
E o abraço na dimensão atemporal
e imaterial ocorreu transbordante do amor mais puro: entre mãe e filho.
Foi um tempo imensurável,
impossível de ser descrito com os vocábulos usuais, pois o sentimento, contendo
a verdade da emoção, transcende, ultrapassa as barreiras da razão e somente a
essência eterna – espírito e alma – é capaz de compreendê-lo e retê-lo
inteiramente.
O filho, sentado, abraçava a mãe
querida, ajoelhada a seu menino. Oportunidade que refaz e fortalece para a
caminhada.
Depois do abraço intenso e
renovador, a mãe olhou para os olhos do seu Leocádio:
– Meu filho, quanta saudade!
Como você está, meu querido? Que lugar é este? Volte comigo, Leocádio, filho do
meu coração!
Esmeralda estava transtornada
pela ocasião presente. Tanto chamara pelo filho e agora se encontrava diante
dele!
– Mãe querida... me escute! – o
filho pediu, acariciando o rosto materno. – Por favor, mãe! Levante-se e
sente-se à minha frente. Preciso lhe falar! – com ternura, disse o filho.
A mulher se ajeitou numa cadeira
branca bem em frente dos seus olhos amados. E o filho segurou as mãos maternas.
– Mãe querida, antes de começar
com minhas palavras, quero lhe dizer quanto a amo, a admiro e respeito – o
filho o disse com emoção na voz.
– Eu também, meu filho... como o
amo! Não consigo mais viver... você é a minha razão, meu filho. Não sou capaz
de fazer nada... ai, meu filho! – e a mãe beijou, entre lágrimas, as mãos mais
jovens.
– Minha mãe... é por isso que
tive a permissão de poder vê-la e lhe falar – o jovem explicou.
– Sim, meu querido, diga o que
quiser... diga, meu filho... quanta alegria estar com você! – a mãe falava
emocionada, feliz, chorava.
– Mãe..., ouça-me! Muito me foi
esclarecido quanto ao acontecimento. Mãe querida, para isso havia um propósito
e um compromisso. Para que a senhora compreenda, no acidente, apenas “eu” fui
vítima fatal... os meus amigos e o motorista quase nada sofreram, foi mais o
susto que os abalou – e os olhos amorosos do filho olhavam sua mãe.
Esmeralda, com as lágrimas que
não secavam de sua face, ouvia, atenta, o filho amado.
– Mãe, é necessário que a
senhora modifique o pensamento e o sentimento... não há culpados, simplesmente,
a ocorrência na hora determinada. Estou melhor a cada novo tempo, mas, mãe, o
sofrimento e a revolta sentidos por seu coração não me felicitam, apenas me
prejudicam e me impedem de dar os passos para a minha nova caminhada, pois
posso experimentar o mesmo sentimento que a senhora vivencia, as mesmas
lágrimas tristes que escorrem de sua face.
A mãe olhava para seu menino e
compreendia o sentido de cada palavra.
O filho retomou:
– Minha mãe querida, é preciso
que a senhora entenda e continue me amando como antes, sentindo a mesma emoção,
sorrindo tão lindamente como fazia, amparando as pessoas que esperam a sua
ajuda, vivendo com alegria a vida, amando o papai, não culpando o motorista do
carro, visitando a vovó, orando e agradecendo ao Mestre Jesus... Estou vivo,
mãe, apenas neste momento estamos em dimensões diferentes, porém no tempo
determinado poderemos nos reencontrar e viver, novamente, no mesmo tempo e
espaço.
– Meu filho amado, quanta
felicidade poder te ver e ouvir essas palavras tão renovadoras para mim – a mãe
se expressou.
– Sim, mãe. Peço-lhe, então, que
viva com alegria e ampare quem puder. A vida é presente e precisamos dela
cuidar – deu uma pausa. – Mãe, agora preciso voltar. Peço-lhe, mãe querida, que
sinta por mim o amor e o carinho de antes... posso ver o seu sentimento, mas só
o benéfico pode me ajudar – o filho pegou as mãos da mãe. – Sinta sempre o meu
amor, carinho e admiração. Sou seu filho e você, minha mãe, e este amor
transcende tempo e espaço. Tenha alegria, mãe querida... precisamos caminhar.
Esmeralda e Leocádio, mãe e
filho, se abraçaram amorosamente e não puderam conter o choro, agora embargado
da emoção compreendida e da oportunidade de estarem juntos para o
esclarecimento... presente divino.
Olharam-se mais uma vez... e uma
vez mais se admiraram com o verdadeiro amor.
E ao final, a luz se
intensificou.
Durante a ocasião, Esmeralda nem
percebeu que um dos cuidadores do filho era um familiar tão estimado e próximo,
ao qual tanto amava.
Após o reencontro, a mãe retornou
ao ambiente físico, no leito em seu quarto. Aos poucos despertou, extasiada com
o acontecimento. Passou a mão em seus olhos e estavam molhados da lágrima da
emoção. Abriu-os e experimentou um novo sentimento revigorado. Seu coração,
emocionado, estava leve, sensação que desde o ocorrido não tivera. Pôde
lembrar-se da ocasião com o filho, não os pormenores, mas a importante mensagem
que ele lhe deixara.
No amanhecer seguinte, Esmeralda
modificou a sua atitude decorrente do pensamento renovado na compreensão e no
amor. Como dose homeopática, a mãe, ao longo do dia, relembrava o benfazejo
momento com o filho, revivia as palavras, todo o ensinamento que seu menino lhe
passara. De fato, recebera um presente decisivo para sua caminhada, pois a
partir disso seus pés buscaram o caminho novo; seus olhos observaram em maior
tempo as boas coisas; suas palavras de amparo foram proferidas mais vezes a um
maior número de pessoas; seu coração reaprendeu a sentir o puro amor e sua
alma, bem mais leve e desprendida, recomeçou a alçar voo para o progresso,
liberdade de todo espírito.
Sua felicidade ganhava mais
brilho por saber que, com esta nova postura, o amado filho também ficaria
melhor e com condições favoráveis para conquistar o seu crescimento.
E ao final da tarde quando o sol
se deitava, Esmeralda olhou para o horizonte e disse, com a voz da mãe amorosa
que era:
– Pai Onipotente e Onipresente,
conhecedor pleno de tudo e todos, agradeço-Lhe eternamente a bondade pelo
reencontro com meu filho. Peço-Lhe, segundo a Sua permissão, fé, força e
compreensão a todos os filhos que em tenra ou idade mais adulta deixaram o
pai... a mãe e partiram para a dimensão real do espírito com o conhecimento do
propósito, ou em alguns casos ainda não, da realização de seus compromissos –
deu uma pausa e respirou fundo. – E ainda, Senhor... Pai de amor e de infinita
misericórdia, peço-Lhe pelos pais e mães que sentiram a despedida prematura,
aparentemente, de seus filhos amados. Que esses pais do momento recebam a luz
da esperança, renovação e entendimento para prosseguirem com seus passos diante
da empreitada contínua da vida. Que possamos ser sempre amparados com a luz e o
amor. Obrigada, Senhor.
E com a prece tão
verdadeiramente sentida por Esmeralda, o sol terminou de se pôr, dando lugar à
lua, acompanhada das mais lindas e brilhantes estrelas do céu com o fundo
azul-escuro perfeito.
Esmeralda e Leocádio, a partir
do reencontro, retornaram à vida.
A mãe, animada com a
oportunidade compreendida, se revigorou na descoberta de seu melhor no plano
material; e o filho sentiu a liberdade e a renovação para caminhar nas trilhas
do progresso no plano real do espírito.
Com compreensão, amor e fé, as
almas e os espíritos conquistam a sustentação da qual necessitam para os
degraus mais altos e cada vez mais sublimes.
E na cidade pequena, Esmeralda
tornou-se a mãe protetora dos desvalidos, a irmã compreensiva dos irmãos em
desequilíbrio, a alma benfeitora na seara do bem.
As manhãs e as tardes, a partir
do novo tempo, ganharam o brilho do sol laranja e as noites foram abraçadas
pela luz das estrelas e guiadas pelo clarão da lua.
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