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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Pérolas literárias (85)



Deus

Antonio Roberto Fernandes



O meu Pai Nosso não está no Céu,

nem tem Jesus sentado à mão direita,

como se a vida já estivesse feita

e Ele, assim, cumprisse o Seu papel.



Um Deus não cria um mundo e, então, se deita

como alguém que descansa num hotel,

à espera de que um público fiel

venha louvar-Lhe a mágica receita.



Ensinaram-me um Deus aposentado,

de barba grande, num trono dourado,

a se entreter com os cânticos hebreus



quando na ânsia eterna e inteligente

– que passa de semente pra semente –

é que lateja a imensidão de Deus.




Antonio Roberto Fernandes nasceu em 31 de maio de 1945 em São Fidélis (RJ) e faleceu em 20 de novembro de 2008. Poeta dos mais notáveis de todo o Norte Fluminense, Fernandes publicou três livros: Doce Poesia (1978), Substantivo Abstrato (1991) e Os Pratos de Vovó (2001), do qual foi extraído o soneto acima.


terça-feira, 30 de dezembro de 2014

E o brilho do sol anuncia o novo ano


CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

E mais um ano novo se inicia; um ciclo se fecha, novo ciclo nasce junto com os infinitos desejos de benfazejas realizações, no entanto, para a concretude destas há que plantar as sementes certas e procurar sempre a aragem mais propícia no campo de cada existência.
Acredito que o primeiro passo para a harmonia de tudo é ter gratidão a Deus pela vida, por mais uma oportunidade de progresso. Consequentemente, a partir disso, outros agradecimentos virão como por poder abrir mais uma janela e avistar as tantas possibilidades de amar, maior ação; compreender sem julgamento; ajudar sem cobrança; solidarizar-se com o irmão da caminhada; logo, isso realizado, haverá, antes de tudo, o benefício próprio.
Tanto há de maravilhoso que não se é capaz de determinar o tempo para a enumeração das infinitas bondades do Pai.
Com o amanhecer, mais um suspiro de vida se inicia, pois tudo o que não foi possível realizar ontem, uma enorme esperança de hoje poder já se instaurou, é o presente diário, divino.
Assim, como o brilho das estrelas; as aves que voam no céu; as borboletas, coloridas, alegrando os ares da vida; o sorriso de criança; saber que quem amamos é parte incondicional de nós, pois nosso coração já o abraçou para sempre; conhecer novos olhos e um horizonte, tão brilhoso, a se abrir; poder voltar para os braços que há um tempo estão distantes, entretanto, esperam com o maior amor que já se sentiu; saber que em meio de mais erros que acertos, a ocasião de melhora existe e, com a experiência, tantos mais acertos haverá na estrada com flores lindas, pois viver é o mais nobre presente e essa nobreza nos é concedida por Deus todos os dias.
Tudo é sabedoria. As ações felizes são refrigérios e contentamentos recebidos para nos impulsionarem mais rapidamente ao progresso; as ações infelizes, sofridas ou provocadas, são as lições que exigem maior atenção e esforço para compreendê-las e retomar caminhos novos com mais amor e sapiência... e como estas nos ensinam... como nos ensinam.
Alegria, novo ano se inicia.
Amor...
Entendimento...
Fé...
Proteção...
Respeito...
Saúde...
Vida nova...
Jesus... nossa luz...
Deus, nosso Pai, razão de tudo.
Que os olhos possam brilhar mais por tantas conquistas, sempre com a viva lembrança de que o primeiro passo deve ser dado por nossos pés.
Que o coração possa pulsar tão amorosamente, compassado, na escala harmônica.
Que se possa mais sentir como espíritos que desejam a pureza e o refinamento e com menos ranços de preconceito e discriminação.
Que os sentimentos bem mais leves e benéficos possam fazer flutuar a nossa alma... o nosso espírito.
Que o Mestre Jesus seja morador em nossa vida, em nossa família.
Que a alegria e o amor sejam componentes assíduos e definitivos nos dias a se viver.
Tudo pode ser melhorado com a sábia experiência e a vontade de se aprimorar.
Vamos, busquemos a luz!
Busquemos a vida nova que nasce com o primeiro raio de sol a despontar do novo dia; linda oportunidade, mais um... sempre... presente de Deus.
Feliz Ano Novo.

Visite o blog Conto, crônica, poesia… minha literatura: http://contoecronica.wordpress.com/



segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

As mais lindas canções que ouvi (121)



Ave Maria

Erotides de Campos


Cai a tarde tristonha e serena
Em macio e suave langor
Despertando no meu coração
A saudade do primeiro amor.

Um gemido se esvai lá no espaço
Nessa hora de lenta agonia,
Quando o sino saudoso murmura
Badaladas da Ave Maria.

Sino que tange com mágoa dorida
Recordando os sonhos da aurora da vida,
Dai-me ao coração paz e harmonia
Na prece da Ave Maria.

No alto do campanário
Uma cruz simboliza o passado
De um amor que já morreu
Deixando um coração amargurado.

Lá no infinito azulado
Uma estrela formosa irradia
A mensagem do meu passado
Quando o sino tange a Ave Maria.



Você pode ouvir a canção acima, na voz dos intérpretes abaixo, clicando no link respectivo:
Caco Piccoli - https://www.youtube.com/watch?v=90ezCW8hEYk

Se quiser ver a letra e ouvir a canção postada na semana passada, clique neste link: http://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com.br/2014/12/as-mais-lindas-cancoes-que-ouvi-120.html






domingo, 28 de dezembro de 2014

Um fato que esperamos jamais se repita


Dos inúmeros fatos lamentáveis registrados no ano que ora termina, existe um que poderia perfeitamente ter sido evitado.
Recordemo-lo:
No dia 3 de maio de 2014, Fabiane Maria de Jesus, de 31 anos, foi linchada na cidade de Guarujá, no litoral paulista, depois de ser confundida com uma suposta sequestradora de crianças. Fabiane, uma singela dona de casa, voltava da casa de uma amiga aonde, segundo testemunhas, teria ido buscar a Bíblia que lhe havia emprestado. O exemplar desse livro, que continha uma foto das filhas, foi rasgado por seus agressores. Após a agressão, cometida por dezenas de pessoas, a mulher foi deixada inconsciente, até que chegou a polícia. Fabiane faleceu na manhã do dia 5, depois de dois dias internada na UTI de um dos hospitais da cidade.
O verbo linchar significa justiçar ou executar sumariamente uma pessoa, sem qualquer espécie de julgamento legal.
A origem da palavra remete-nos ao capitão William Lynch, um cidadão norte-americano que viveu no período de 1742 a 1820 no condado de Pittsylvania, Virgínia.
Antes da eclosão da Guerra Civil americana, o linchamento era usado nos Estados Unidos principalmente contra os defensores dos direitos civis, ladrões de cavalos e trapaceiros. No entanto, por volta de 1880, seu uso se expandiu para grupos de status social supostamente mais baixo, tendo por alvo negros, judeus, índios e imigrantes asiáticos.
A prática do linchamento, contudo, não começou na América do Norte, porque, segundo alguns historiadores, o fato já havia sido registrado na Europa por ocasião da Idade Média.
Na Antiguidade foram também inúmeros os relatos de linchamentos promovidos ao arrepio da lei. Entre os judeus a lapidação — o apedrejamento pela multidão — era uma penalidade aplicada em diversos casos, tais como o adultério feminino e a homossexualidade masculina, dentre outros. O Novo Testamento narra dois casos de lapidação que se tornaram célebres – o da mulher adúltera, que Jesus acabou impedindo, e o de Estêvão.
Normalmente, o linchamento ocorre antes que os policiais cheguem ao local onde se encontra a vítima, embora haja registros de casos em que o alvo da ira coletiva se encontrava detido numa delegacia, sem que a força policial fosse capaz de controlar o ódio dos agressores. E são eles também comuns em prisões, principalmente contra presos acusados do crime de estupro.
O linchamento constitui um fenômeno de difícil conceituação, dada a diversidade dos aspectos pertinentes à questão, mas podemos afirmar, sem nenhuma dúvida, que demonstra total descrença na justiça humana, acrescida da ausência de fé e desprezo pelas leis de Deus, cuja síntese todos podemos encontrar nas lições que Jesus trouxe à Terra.
No caso de Guarujá (SP), como sabemos, agrediram e mataram uma pessoa inocente e, assim, destruíram uma família.
É preciso convir, no entanto, que mesmo que Fabiane Maria de Jesus fosse a pessoa procurada pela polícia, a ninguém caberia o direito de justiçá-la, visto que prender, indiciar, acusar e julgar são tarefas que, em um Estado democrático de direito, competem às autoridades legalmente constituídas para isso.
 “Não julgueis, para que não sejais julgados.”
A célebre advertência feita por Jesus, e anotada no cap. 7 do Evangelho segundo Mateus, ainda ecoa em nosso mundo, mas, lamentavelmente, existem pessoas que não têm, como se vê, ouvidos capazes de ouvi-la.
Temos, porém, esperança de que isso um dia se modifique e que fatos como o acima descrito jamais se repitam num país que se orgulha de professar a doutrina ensinada pelo Cristo.



sábado, 27 de dezembro de 2014

Francisca Júlia da Silva, uma poetisa notável



JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Eu, se fosse apresentar um comunicado sobre a literatura feminina em qualquer universidade, falaria sobre Francisca Júlia da Silva, não por ela ter o primeiro nome  Francisca e o sobrenome da Silva. Não, ela não é a decantada Chica da Silva[1], na voz de Jorge Ben Jor e outros cantores, mas a esposa do Filadelfo Edmundo Munster, modesto telegrafista.
E isto é o que é incrível: Francisca afastou-se do meio social literário para se dedicar quase totalmente ao marido e ao lar, embora ela fosse genial poetisa parnasiana com acentuados traços simbolistas.
Mais conhecida como Francisca Júlia, essa grande escritora foi apelidada "Musa impassível" após ter escrito o seguinte soneto, publicado no livro Mármores, em 1895:

Musa Impassível[2]

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.

Não sabia ela que estava escrevendo sobre si mesma, mas o contrário do que viveria quinze anos mais tarde. Sim, pois muitas vezes o que se escreve é o avesso do que se sente. Se o aspecto de seus poemas foi formal e tido como impessoal, do Parnasianismo alheio ao lirismo centrado no eu, o fundo foi simbólico e genialmente explorado por essa poetisa segundo João Ribeiro. Louvada em sua época pelos mais destacados poetas e críticos, sua vida sentimental era outra. Apaixonada pelo marido, resolvera dedicar todo o restante de sua última existência terrena especialmente a ele.
Casou-se com Filadelfo em 1909, na capela de Lajeado, em São Paulo, capital, e teve como padrinho nada menos do que Vicente de Carvalho. Nesse dia, foi convidada a participar como fundadora e membro da Academia Paulista de Letras de São Paulo, mas amavelmente recusou o convite, por preferir viver para o lar, embora não alheia às letras e aos movimentos literários de seu tempo.
Em 31 de outubro de 1920, quinze anos após Francisca Júlia escrever o poema que lhe deu o epíteto de Musa Impassível, publicado no livro Mármores, o marido de Francisca Júlia morreu tuberculoso. No dia seguinte, ela foi encontrada morta, em seu lar, após ingerir grande dose de narcóticos. Aos amigos, dissera, diante do esquife de Filadelfo e antes do gesto extremo: "— Jamais porei o véu de viúva". Leia, leitora, os dois primeiros versos do soneto que a consagrou em 1995:
"Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!"
Se o luto jamais tornou feio o semblante da musa, o mesmo não se pode dizer do gesto doloroso que a fez suicidar-se no dia seguinte à morte do marido idolatrado. Entretanto, a vida não começa no berço e nem termina no túmulo. Eis que ela é eterna e, sendo assim, imprimimos em nosso corpo espiritual, denominado por Allan Kardec perispírito, as marcas produzidas pelo uso do nosso livre-arbítrio.
Trinta e cinco anos após o gesto de desespero, no dia 13 de outubro de 1955, pela mediunidade psicofônica de Chico Xavier[3], o Espírito Francisca Júlia da Silva transmitiu-nos o soneto que reproduzimos abaixo:
                            
Lutai!

Por mais vos fira o sonho, a rajada violenta
Do temporal de fel que enlouquece e vergasta,
Suportai, com denodo, a fúria iconoclasta
E o granizo cruel da lúrida tormenta.

Carreia a dor consigo a beleza opulenta
Da verdade suprema, eternamente casta;
Recebei-lhe o aguilhão que nos lacera e arrasta,
Ouvindo a voz da fé que vos guarda e apascenta.

De alma erguida ao Senhor varai a sombra fria!...
Por mais horrenda noite, há sempre um novo dia,
Ao calor da esperança — a luz que nos enleva...

A aflição sem revolta é paz que nos redime.
Não olvides na cruz redentora e sublime
Que a fuga para a morte é um salto para a treva.

Passados outros sete anos, em 1962, o médium Waldo Vieira[4] psicografou o último soneto do Espírito Francisca Júlia, intitulado

Adeus

Na agonia da luz o astro-rei purpurina...
Leves tarjas de noite a manchar o horizonte...
Uma estrela a piscar remove a névoa fina
E espelha-se, feliz, no regato defronte...

Soluça um pombo além e se alteia e se inclina
E voa sem que o Sol novo rumo lhe aponte...
Humilde rola chora a gemer na campina,
Alheia ao prado em flor e à carícia da fonte...

Chega a sombra afinal... Aparece a tristeza
No arrulho que ficou por gemidos em bando,
Quais cordas a estalar numa lira retesa...

Assim, num dia assim, a morrer sem alarde,
Chorando eu disse adeus e ele partiu chorando,
A renascer na Terra onde estarei mais tarde....

Atualmente, amiga leitora e curioso leitor, Francisca Júlia da Silva pode estar entre vós. É uma triste jovem à procura de um rapaz melancólico, seu inesquecível Filadelfo, que a antecedeu no renascimento. Poder-se-ão encontrar um dia? Não o sabemos. E se o soubéssemos não o poderíamos dizer. Faz parte de suas provas procurarem-se eternidade afora, uma vez que a paixão doentia os consumiu em sua última existência na Terra. Qual será a sua arte? Do palco? Da música? Do lar? Só Deus o sabe...
Termino com a seguinte frase e uma reflexão: What we consider to be art today may be very diferente from what our ancestors considered to be art.
O que o Espírito procura demonstrar a você, leitor e leitora incrédulos, é que mesmo já não desenvolvendo os temas profanos de antes, seu estilo continua o mesmo, apenas mais espiritualizado, pois não somente a arte é seu fim, mas também a arte como demonstração da imortalidade da alma e das consequências, para todos nós, do bom ou mau uso do nosso livre-arbítrio aí e aqui.
Talvez a outrora festejada poetisa esteja, agora, empenhada em divulgar a arte espiritual que, segundo Allan Kardec, quando for devidamente explorada suplantará em muito o que se considera arte no mundo atual. Se é que essa arte também não já esteja na Terra.

Visite, quando puder: www.jojorgeleite.blogspot.com
  



[1] Chica da Silva (1732- 1796) foi uma escrava que, no séc. XVIII, viveu no Brasil e foi alforriada por um rico "contratador de diamantes", João Fernandes de Oliveira, com quem teve 13 filhos. Era aceita, nos meios sociais da época, com o raro respeito dedicado às mulheres brancas. Doou parte dos seus bens às irmandades religiosas do Carmo e de São Francisco de Assis, exclusivas de brancos, e das Mercês e do Rosário, dedicadas aos negros. Foi sepultada na irmandade dedicada aos brancos, São Francisco de Assis, considerada a mais importante da época. Essa também extraordinária mulher, negra, foi imortalizada na música de Jorge Ben Jor, que resume sua vida e pode ser ouvida acessando-se o link http://letras.mus.br/jorge-ben-jor/86373/. 

[2] SILVA, Francisca Júlia da. Mármores. São Paulo: Editor Horácio Belfort Sabino, 1895. Edição esgotada. Disponível em: < www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01681300>. Acesso em 11/12/2014.

[3] XAVIER, Francisco Cândido. Vozes do grande além. Org. Arnaldo Rocha. Rio de Janeiro: FEB, 2003, p. 80- 81.

[4] XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Antologia dos imortais. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Parte II (Médium Waldo Vieira), p. 185- 186.



sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O amor cobre, sem dúvida, a multidão dos pecados



Continuamos a publicar o roteiro e o texto que serviram de base aos estudos que fazemos semanalmente no Centro Espírita Nosso Lar (Londrina, PR), relativamente ao livro Ação e Reação, de André Luiz, obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier e publicada em 1957 pela Federação Espírita Brasileira.
A seguir, o texto desta semana:

Questões para debate

A. Que fato levou Gaspar a redimir-se e perdoar a quem o levou à morte?
B. De que modo Gaspar voltou à carne e aos braços de Adelino?
C. Por que Leo jazia em triste pavilhão de indigentes, às vésperas da morte?

Texto para leitura 

108. Gaspar também se redime – Adelino, tendo sofrido por longo tempo o trauma perispirítico do remorso, por haver incendiado o corpo do próprio pai, nutrira em si mesmo estranhas labaredas mentais que o castigaram intensamente além-túmulo... Renascera, por isso, com a epi­derme atormentada por vibrações calcinantes que, desde cedo, se lhe expressaram na nova forma física por eczema de mau caráter, moléstia essa que deveria cobrir-lhe todo o corpo, durante muitos e angustiosos lustros de sofrimento. Graças aos méritos que ele foi adquirindo no esforço a favor do próximo, a enfermidade não tomou, porém, proporções que o impedissem de aprender e trabalhar, porque granjeara a ventura de continuar a servir, pelo seu impulso espontâneo na plantação cons­tante do bem. De volta à Mansão, Silas prosseguiu tecendo brilhantes comentários em torno do "amor que cobre a multidão dos pecados", como ensinou o Apóstolo. Foi quando relatou que Martim Gaspar havia sido igualmente tocado pelos exemplos de seu ex-filho. Observando-lhe a transformação, Gaspar abandonou as companhias indesejáveis a que se adaptara e rogou asilo na Mansão, havia alguns anos, onde aceitara se­veras disciplinas. Na noite seguinte, a surpresa de André foi muito grande, porquanto o próprio Druso convidou os dois amigos a acompanhá-lo numa excursão à Crosta, juntamente com Silas e duas valorosas irmãs do Instituto. (Ação e Reação, cap. 16, pp. 223 e 224.) 

109. A volta de Gaspar – A viagem foi ligeira e, espantado, André viu que a equipe estacionara à porta da casa de Adelino, visitada na véspera. Dois auxiliares já conhecidos dos amigos esperavam-nos no li­miar e, após a saudação habitual, um deles disse a Druso: "Diretor, o pequenino recém-nato estará conosco, dentro de meia hora". No lar, o relógio marcava duas horas e vinte minutos da madrugada. Druso pene­trou o aposento em que Adelino dormia e acariciou-lhe a fronte por mo­mentos. Adelino ergueu-se do corpo de carne, qual se fora movido por alavancas magnéticas poderosas, e acolheu-se nos braços do diretor da Mansão. "Meu amigo – disse-lhe Druso –, chegou a hora do reencon­tro..." Adelino começou a chorar, aterrorizado, sem conseguir desen­faixar-se-lhe dos braços acolhedores. Druso orou, suplicando a Deus concedesse a bênção das dores e das horas para redenção de nossos cri­mes e deserções. Quando sua voz emudeceu, profunda emotividade dominou a todos. Reconduzido ao veículo carnal, Adelino acordou em copiosas lágrimas... Findos alguns minutos de expectação, escutou-se lá fora o choro convulso de uma criança tenra... Adelino, enlaçado por Druso, abriu a porta e viu pobre recém-nascido que vagia aflitivamente. Ele ajoelhou-se, enquanto Druso lhe dizia com segurança: "Adelino, eis o pai ofendido que, enjeitado pelo coração materno que ainda não mere­ceu, vem ao encontro do filho regenerado!" Adelino não lhe ouviu a pa­lavra com os ouvidos carnais, mas registrou-a na mente, como apelo do amor celeste que lhe trazia ao coração mais uma criança abandonada e infeliz... Tomado de alegria, para ele inexplicável, abraçou o pequer­rucho com espontâneo gesto de amor e, após conchegá-lo ao peito, vol­tou para dentro, gritando jubiloso: "Meu filho... meu filho!..." Mar­tim Gaspar retornara à experiência física, asilando-se nos braços do filho que, um dia, o desprezara. (Obra citada, cap. 16, pp. 225 a 227.) 

110. O caso Leo – Silas levou seus amigos ao atendimento de Leo, que uma tuberculose pulmonar arrastava à morte. O enfermo jazia em triste pavilhão de indigentes em vasto hospital da Terra. Apesar da dispneia(1), seu olhar era calmo e lúcido, revelando perfeita conformação aos padecimentos que o conduziam ao termo da experiência. O estado orgânico do enfermo era terminal; todos os sintomas da morte patenteavam-se, iniludíveis. Leo, moribundo, era um viajante habilitado à grande romagem, tão somente à espera do sinal de partida, e tão acentuada se lhe evidenciava a acui­dade mental, que quase podia ver Silas e seus amigos a seu lado. O As­sistente disse então aos companheiros: "Já que vieram para anotar um processo de dívida expirante, podem algo perguntar ao companheiro, cuja memória se revela, tanto quanto possível, consciente e vigi­lante". (Obra citada, cap. 17, pp. 229 e 230.) 

111. A cruz do tuberculoso – Leo não poderia ouvi-los com os tím­panos da carne, mas em espírito – esclareceu Silas. André, então, perguntou-lhe se ele tinha consciência de que deixaria o corpo em bre­ves horas. Leo, crendo raciocinar por si mesmo, registrou a pergunta, palavra por palavra, qual se fossem transmitidas ao cérebro por fios invisíveis, e, como se conversasse a sós consigo mesmo, falou pen­sando: "Oh! sim, a morte!... Sei que, provavelmente esta noite, chega­rei ao justo fim..." E ajuntou, em seguida: "Nada posso temer... Nada posso recear, em companhia do Cristo, meu Salvador... Ele também foi vilipendiado e esquecido... <...> Por que não me resignar à cruz do meu leito, suportando, sem reclamar, as golfadas de sangue que de quando em quando me anunciam a morte, eu que sou pecador necessitado da complacência divina?!..." Após dizer-se católico, Leo respondeu, falando mentalmente, a uma pergunta de André acerca da ausência de seus familiares naquele momento: "Ah! meus familiares... meus afe­tos... meus pais teriam sido no mundo os meus únicos amigos... No en­tanto, demandaram o túmulo, quando eu era simplesmente um jovem en­fermo... Separado de minha mãe, vi-me entregue aos desajustes orgâni­cos... Logo após, meu irmão Henrique não hesitou em declarar-me inca­paz... Por direito à herança, cabiam-lhe grandes bens, contudo preva­lecendo-se do meu infortúnio o mano obteve da Justiça, com meu próprio assentimento, a documentação com que se fazia meu tutor... Bastou, po­rém, a consecução dessa medida, para que se transformasse para mim num verdugo cruel... Apossou-se-me de todos os recursos... Internou-me num hospício, em que amarguei longos anos de isolamento... Sofri muito... Alimentei-me com o pão recheado de fel, destinado pelo mundo aos que lhe penetram as portas como réprobos do berço, porque o desequilíbrio mental me perseguia desde a idade mais tenra..." Leo contou, então, que ao sair do manicômio, e recorrer ao irmão, este o expulsou sem compaixão. Vencido, apavorado, recorreu à Justiça, mas em vão, porque, legalmente, Henrique era o único senhor dos haveres da família. (Obra citada, cap. 17, pp. 231 e 232.)

(1) Disp­neia significa dificuldade na respiração.

Respostas às questões propostas

A. Que fato levou Gaspar a redimir-se e perdoar a quem o levou à morte?
Martim (o Adelino de hoje) reencarnara com a epi­derme atormentada por vibrações calcinantes que, desde cedo, se lhe expressaram por eczema de mau caráter, moléstia essa que deveria cobrir-lhe todo o corpo, durante muitos e angustiosos lustros de sofrimento. Graças aos méritos que ele foi adquirindo no esforço a favor do próximo, a enfermidade não tomou proporções que o impedissem de aprender e trabalhar, porque granjeara a ventura de continuar a servir, pelo seu impulso espontâneo na plantação cons­tante do bem. Tocado pelos exemplos de seu ex-filho, Gaspar abandonou as companhias indesejáveis a que se adaptara e rogou asilo na Mansão, onde aceitara se­veras disciplinas e iniciara, desse modo, o processo de sua própria redenção. (Ação e Reação, cap. 16, pp. 223 e 224.) 

B. De que modo Gaspar voltou à carne e aos braços de Adelino?
Abandonado por sua mãe ao reencarnar, Gaspar foi conduzido – graças à intercessão dos bons Espíritos – à residência de Adelino. Era madrugada quando este ouviu o choro convulso de uma criança tenra. Enlaçado por Druso, Adelino viu, ao abrir a porta, pobre recém-nascido que vagia aflitivamente. Ele ajoelhou-se, enquanto Druso lhe dizia com segurança: "Adelino, eis o pai ofendido que, enjeitado pelo coração materno que ainda não mere­ceu, vem ao encontro do filho regenerado!" Tomado de alegria, para ele inexplicável, Adelino abraçou o pequer­rucho com espontâneo gesto de amor e, após conchegá-lo ao peito, vol­tou para dentro, gritando jubiloso: "Meu filho... meu filho!..." Gaspar retornara à experiência física, asilando-se nos braços do filho que, um dia, o desprezara. (Obra citada, cap. 16, pp. 225 a 227.)

C. Por que Leo jazia em triste pavilhão de indigentes, às vésperas da morte?
Leo, vitimado por uma tuberculose pulmonar, jazia em triste pavilhão de indigentes em vasto hospital da Terra, porque seu irmão, Henrique, o havia declarado incapaz e, além de apossar-se dos recursos que lhe cabiam por herança, internou-o num hospício, em que Leo teve de amargar longos anos de isolamento. Quando saiu do manicômio e recorreu ao irmão, este o expulsou sem compaixão, condenando-o a uma vida de miséria e indigência. (Obra citada, cap. 17, pp. 229 a 232.) 





quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

As mais lindas canções que ouvi (120)



O Homem

Roberto Carlos e Erasmo Carlos


Um certo dia um homem esteve aqui,
Tinha o olhar mais belo que já existiu,
Tinha no cantar uma oração e,
No falar, a mais linda canção que já se ouviu.
Sua voz falava só de amor,
Todo gesto seu era de amor
E paz, ele trazia no coração.

Ele pelos campos caminhou,
Subiu as montanhas e falou do amor maior,
Fez a luz brilhar na escuridão,
O sol nascer em cada coração que compreendeu
Que além da vida que se tem
Existe uma outra vida além e assim
O renascer... morrer não é o fim.

Tudo que aqui ele deixou
Não passou e vai sempre existir,
Flores nos lugares que pisou
E o caminho certo pra seguir...

Eu sei que ele um dia vai voltar
E nos mesmos campos procurar o que plantou,
E colher o que de bom nasceu,
Chorar pela semente que morreu sem florescer.
Mas ainda é tempo de plantar,
Fazer dentro de si a flor do bem crescer,
Pra lhe entregar
Quando ele aqui chegar.

Tudo que aqui ele deixou
Não passou e vai sempre existir,
Flores nos lugares que pisou
E o caminho certo pra seguir...

Tudo que aqui ele deixou
Não passou e vai sempre existir
Flores nos lugares que pisou
E o caminho certo pra seguir...



Você pode ouvir a canção acima, na voz de um dos intérpretes abaixo, clicando no link respectivo:
Padre Marcelo Rossi - https://www.youtube.com/watch?v=aeKzTXJ7H8g

Se quiser ver a letra e ouvir a canção postada na semana passada, clique neste link: http://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com.br/2014/12/as-mais-lindas-cancoes-que-ouvi-119.html





quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Pérolas literárias (84)


A Jesus

 Auta de Souza


Mestre e Senhor! Protege os desgraçados

Que se vão sem conforto e sem guarida,

Nas grandes tempestades dessa vida,

No turbilhão da dor e dos pecados.



Ascendem para os céus todos os brados

Da alma humana cansada e dolorida!

Balsamiza, com amor, toda a ferida

Que punge o coração dos degredados;



Degredados na terra tenebrosa,

Terra da sombra estranha e dolorosa,

Recamada de prantos e espinhos!



Ampara, meu Jesus, quem vai chorando,

Entre dores e acúleos, soluçando,

Na miséria de todos os caminhos. 




Do livro Lira Imortal, por Espíritos Diversos, obra psicografada pelo médium Francisco Candido Xavier.


terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Janelas que se abrem na noite de Natal



CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Os enfeites de Natal eram de muito bom gosto. A casa estava belamente decorada tanto interna quanto externamente. A família receberia convidados para a ceia, portanto, houve muito trabalho a fazer.
Na requintada residência, moravam Edgard, pai e esposo; Haydée, mãe e esposa; Frederico, filho de onze anos e inúmeros funcionários para manterem sempre, em perfeita condição, a ordem e a limpeza impecáveis na qual se encontrava a luxuosa mansão.
Era uma família feliz, cujo respeito sempre houve, assim como o amor e a preocupação com o bom comportamento e aquisição de cultura. A religião também era operante naquele núcleo familiar.
A governanta Louise vira Frederico nascer e tinha por ele um grande afeto. Embora ele sentisse grande simpatia também pela senhora, aliás, mulher com grande educação em todo aspecto, o menino sentia um carinho admirável pela cozinheira, Laurin, e por seu esposo, o motorista, Ludovic.
O casal não tivera filhos, talvez por motivos ocultos ou por simples escolha. Eles se conheceram na casa onde ainda hoje trabalham e, em pouco tempo de conhecidos, iniciaram uma vida comum a dois. O casal completara recentemente três décadas e meia de união, pois começaram quando os patrões eram ainda os pais de Edgard.
E na véspera deste Natal, haveria comida muito saborosa e sofisticada feita pelas mãos de Laurin e acompanhada de todo seu amor, pois cozinhar era uma amada arte para a mulher.
Tudo estava pronto, e devido à época muito fria e nevosa, o finalzinho de tarde já era noite há muito tempo.
A família estava pronta. Os três estavam muito bem vestidos e penteados, nobres anfitriões. Todos os funcionários estavam com o uniforme de gala e com simpático sorriso no semblante.
Os primeiros convidados começaram a chegar e foram recepcionados com muita alegria e consideração. Até um jovem pianista fora contratado para tocar canções natalinas. De fato, tudo estava maravilhoso e impecável.
Para as crianças, havia muitos presentes, brincadeiras e animadores, no entanto, a diversão era um pouco contida, nada de gritaria, nem correria pelos ambientes decorados. Todos os convidados estavam se valendo da ocasião tão proveitosa que o momento oferecia, pois a família anfitriã era de posição social influente desde gerações.
Os funcionários, sempre muito cordiais e atenciosos, serviam primeiramente os quitutes requintados, acompanhados de bebidas caras e todas da mesma região mais para o sul da Europa.
A casa estava cheia e o amor também era muito presente.
Frederico, como os pais, era um anfitrião muito gentil; o exemplo é o melhor ensino. Atentava-se para que as crianças estivessem se divertindo e realmente estavam.
Pelas janelas de vidro em forma de pequenos quadrados, via-se a neve cair e deixar o campo em paz, bem branquinho. As luzes dos postes e casas estavam acesas e significavam a vida pulsando em cada lugar.
No momento em que se anunciou que o jantar seria servido, a campainha tocou.
– Deve ser algum convidado atrasado devido a um imprevisto. Por favor, senhora Louise, abra a porta – pediu Edgard.
– Sim, senhor a governanta respondeu.
Com elegância, senhora Louise se encaminhou e abriu a porta. Ela já recebia, com sorriso, o possível convidado; era o guarda da rua para avisar que o carro de um provável convidado estava com o farol aceso. Logo, tudo se resolvera e o jantar iniciou.
A comida era muito variada, saborosa e com apuro extremo. Quem quisesse poderia se servir da refeição do aparador, ou então, poderia ser servido por um dos funcionários de prontidão. Realmente, a ocasião estava perfeita.
Mais uma vez a campainha tocou. As pessoas nem perceberam, ou mesmo, não se importaram, deveria ser outra vez o guarda para algum aviso. Somente a governanta se dirigiu para atender. Abriu e, dessa vez, não era a mesma pessoa da vez anterior.
– Boa noite, o que o senhor deseja?
– Boa noite, senhora. Há tempo tento entregar uma carta neste local... uma carta escrita há muitos e muitos anos o homem, de aproximadamente setenta anos, respondeu.
Senhora Louise o observou e, antes que alguém o percebesse, ela lhe pediu que entrasse pela lateral da casa e chegasse à porta dos fundos. Ele aceitou e seguiu discretamente.
A governanta avisou alguns funcionários que estaria na cozinha para resolver a inesperada situação. Laurin estava cuidando para que não faltasse comida durante o jantar e Ludovic estava sentado ao canto da mesa, fazendo companhia à esposa; o casal já havia jantado antes.
Então, a senhora Louise entrou na cozinha e recebeu o senhor, desconhecido, pela porta dos fundos.
Quando os olhos do senhor se encontraram com os de Laurin, foi como se algo completamente impensável estivesse ocorrendo naquele instante. A cozinheira até se afastou um pouco.
Não pode ser! – exclamou Laurin.
O que está acontecendo? – a governanta perguntou para tentar compreender.
Nada, não, senhora Louise – Ludovic tentou apaziguar, pois conhecia toda história, embora não tivesse vivenciado, no entanto, conhecia Ernest, o antigo motorista da família, que estava à sua frente.
Mas vocês se surpreenderam...
A governanta não concluiu e logo saiu, pois ouvira o suave sininho da sala de jantar solicitando a sua presença.
– Ernest, o que faz aqui? Laurin perguntou, quase apavorada.
– Durante muitos anos, procurei por este endereço e finalmente consegui chegar, pois foram tantas as dificuldades. A casa ainda está com a mesma família, ou melhor, seus descendentes o senhor falou.
– O que quer fazer? Já se passou todo esse tempo... – com os olhos lacrimosos, a senhora cozinheira falou.
Quero apenas entregar a carta do antigo patrão, senhor Edgard, pai. Ele me deixou essa incumbência; eu sinceramente precisava realizar – deu uma pausa. Ele a escreveu pouco antes de morrer, penso que desejava esclarecer algumas situações. E também quando se compartilha, o alívio normalmente acontece – Ernest concluiu.
Tanto tempo se passou... e justo na noite de Natal? – Laurin perguntou chorando.
Não há como evitar... Gostaria de somente entregar a carta...
– E arrasar uma história inteira de família? Ludovic, severo, questionou.
Nesse momento, em que a discussão, mesmo ainda reprimida, começou a se tornar mais declarada, a senhora Louise retornou à cozinha, observou o acontecimento e perguntou imediatamente:
– O que está acontecendo aqui? Os senhores podem me explicar?
Os primeiros instantes foram de silêncio total. Os olhos estavam assustados e lacrimejados por tamanha emoção ressuscitada.
– Por favor, desejo uma explicação insistiu a governanta.
– Senhora, vim aqui para entregar uma carta que há muito tenho comigo.
Carta de quem para quem, senhor? – tornou a perguntar.
Do senhor Edgard, pai, para o senhor Edgard, filho – Ernest respondeu.
E percebo que vocês se conhecem – afirmou a governanta.
– Sim, eu e Ernest nos conhecemos, senhora Louise – respondeu Laurin.
Por favor, só preciso entregar ao senhor Edgard, filho, e logo irei embora – o senhor Ernest falou.
Como o senhor já percebeu, hoje é a noite de Natal e acontece um jantar em família e com muitos amigos. Por favor, compreenda... posso entregá-la mais tarde – senhora Louise, com toda cordialidade, falou.
Senhor Ernest mais o casal se olharam e logo o visitante, inesperado, sugeriu:
Senhora, dessa forma, nada me assegura que a carta chegará às mãos da pessoa interessada... sendo assim, gostaria que a senhora a lesse em voz alta para garantir que outras pessoas estejam cientes de seu conteúdo.
– Sim. Então, depois da leitura, o senhor pode comer algo aqui na cozinha e seguir sua vida; pode ser assim? a governanta quis se certificar.
Sim, senhora. Muito lhe agradeço – o senhor respondeu.
A senhora Louise pegou o envelope amarelado e dele retirou a carta da mesma cor. Abriu, com cuidado, para não rasgá-la.
Atenciosa, a governanta iniciou a leitura:

Sou Edgard Thompson, escrevo algumas palavras para expressar tão imenso sentimento que me invade a alma. Recebi um filho como presente maravilhoso enviado por Deus. É de meu sangue somente, e não do sangue de minha esposa, no entanto, ela o tomou como filho e o ama perdidamente. Sabe da história que me ocorreu e, por amor, perdoou-me e eu, agradecido de forma eterna, teria como objetivo determinado e amoroso viver a plenitude com minha família, se não fosse esta doença, incurável, que me acometera.
Estou certo de que em alguns dias não mais estarei entre os meus que tanto amo, mas sim, em outro plano para continuar a caminhada. Minha amada esposa, que não podia ter filhos, sabe que a mãe biológica é Laurin, mulher simples, e para não perder o vínculo, contratou-a como cozinheira para, assim, também ser cuidada. Houve compreensão de todas as partes e, a partir disso, temos um segredo guardado.
Não se sabe quais caminhos haverá na estrada da vida, apenas as escolhas é que abrirão para o céu azul ou para um céu mais gris.
E algo ainda é mais exato: um coração deve ter fé e muito amor. Os erros existirão até o momento em que o discernimento e vontade forem determinantes.
Encerro esta carta dizendo que, embora tenha errado muito, amo e eternamente amarei meu filho único, minha esposa e Laurin, esta por tanta simplicidade e ternura ter também conquistado meu coração pelo instante necessário para conceber um filho, meu profundo desejo.
Reconheço, perfeitamente, meu ato inadequado... irresponsável, no entanto, há coisas que acontecerão de toda forma, pois devem ser.
Sempre,                                                                
                             Edgard Thompson
     
Após a carta lida, as pessoas, na cozinha, que participaram do acontecimento, estavam perplexas e, ao mesmo tempo, com mais leveza e harmonia, pois após muitos anos, o fiel motorista do senhor Edgard, pai, cumprira sua promessa, feita, no leito de morte de seu patrão.
Mais um olhar, perplexo, no canto da porta, era presenciado. Edgard, como a governanta se ausentara da sala de jantar, buscou algo na cozinha quando, ainda no início da leitura, já pôde compreender o esclarecimento.
De seus olhos escorriam lágrimas muito emocionadas e todos perceberam o patrão naquele instante. De fato, o medo e o desconforto recuavam sua energia para a fé sobrepujar a insegurança.
E sem esperar, Frederico entrara na cozinha e, sem ainda saber a real situação, porém, por puro amor, se aninhou nos braços de Laurin como sempre fazia.
As lágrimas de amor e luz escorriam juntamente com a nova maravilhosa energia benéfica.
Para o espírito, a eternidade é seu tempo determinante. Muito já se viveu e ainda infinitamente ocorrerá. Programações existem para que num desejado e abençoado breve futuro, a caminhada possa ser mais amorosa e feliz entre o maior número de espíritos.
E a partir daquela noite de Natal, o neto abraçava sua avó; o filho, a sua mãe, embora fora infinitamente amado por sua mãe de coração que há tempo partira.
A estrela de Natal brilha todos os dias, pois Jesus Cristo é a luz.
E em muitos núcleos familiares haverá os nós a se desatarem e apenas os laços de família a serem dados com amor.
Sempre há o que reparar, no entanto, sem julgar, pois cada espírito sabe de si e, pela misericórdia de Deus, todos teremos novas oportunidades na estrada para uma vida melhor.
No lar desta família, a riqueza pôde ser vivenciada como conforto material, entretanto, o amor era a característica mais definida e presente.
O senhor Ernest também ficou para o jantar da noite de Natal. E os olhos de Ludovic brilharam, assim como os de Laurin, Frederico e Edgard, filho.

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