Os enfeites de Natal eram de muito bom gosto. A
casa estava belamente decorada tanto interna quanto externamente. A família
receberia convidados para a ceia, portanto, houve muito trabalho a fazer.
Na requintada residência, moravam Edgard, pai e
esposo; Haydée, mãe e esposa; Frederico, filho de onze anos e inúmeros
funcionários para manterem sempre, em perfeita condição, a ordem e a limpeza
impecáveis na qual se encontrava a luxuosa mansão.
Era uma família feliz, cujo respeito sempre
houve, assim como o amor e a preocupação com o bom comportamento e aquisição de
cultura. A religião também era operante naquele núcleo familiar.
A governanta Louise vira Frederico nascer e
tinha por ele um grande afeto. Embora ele sentisse grande simpatia também pela
senhora, aliás, mulher com grande educação em todo aspecto, o menino sentia um
carinho admirável pela cozinheira, Laurin, e por seu esposo, o motorista,
Ludovic.
O casal não tivera filhos, talvez por motivos
ocultos ou por simples escolha. Eles se conheceram na casa onde ainda hoje
trabalham e, em pouco tempo de conhecidos, iniciaram uma vida comum a dois. O
casal completara recentemente três décadas e meia de união, pois começaram
quando os patrões eram ainda os pais de Edgard.
E na véspera deste Natal, haveria comida muito
saborosa e sofisticada feita pelas mãos de Laurin e acompanhada de todo seu
amor, pois cozinhar era uma amada arte para a mulher.
Tudo estava pronto, e devido à época muito fria
e nevosa, o finalzinho de tarde já era noite há muito tempo.
A família estava pronta. Os três estavam muito
bem vestidos e penteados, nobres anfitriões. Todos os funcionários estavam com
o uniforme de gala e com simpático sorriso no semblante.
Os primeiros convidados começaram a chegar e
foram recepcionados com muita alegria e consideração. Até um jovem pianista
fora contratado para tocar canções natalinas. De fato, tudo estava maravilhoso
e impecável.
Para as crianças, havia muitos presentes,
brincadeiras e animadores, no entanto, a diversão era um pouco contida, nada de
gritaria, nem correria pelos ambientes decorados. Todos os convidados estavam
se valendo da ocasião tão proveitosa que o momento oferecia, pois a família
anfitriã era de posição social influente desde gerações.
Os funcionários, sempre muito cordiais e
atenciosos, serviam primeiramente os quitutes requintados, acompanhados de
bebidas caras e todas da mesma região mais para o sul da Europa.
A casa estava cheia e o amor também era muito
presente.
Frederico, como os pais, era um anfitrião muito
gentil; o exemplo é o melhor ensino. Atentava-se para que as crianças
estivessem se divertindo e realmente estavam.
Pelas janelas de vidro em forma de pequenos
quadrados, via-se a neve cair e deixar o campo em paz, bem branquinho. As luzes
dos postes e casas estavam acesas e significavam a vida pulsando em cada lugar.
No momento em que se anunciou que o jantar seria
servido, a campainha tocou.
– Deve ser algum convidado atrasado devido a um
imprevisto. Por favor, senhora Louise, abra a porta – pediu Edgard.
– Sim, senhor ‒ a governanta respondeu.
Com elegância, senhora Louise se encaminhou e
abriu a porta. Ela já recebia, com sorriso, o possível convidado; era o guarda
da rua para avisar que o carro de um provável convidado estava com o farol
aceso. Logo, tudo se resolvera e o jantar iniciou.
A comida era muito variada, saborosa e com apuro
extremo. Quem quisesse poderia se servir da refeição do aparador, ou então,
poderia ser servido por um dos funcionários de prontidão. Realmente, a ocasião
estava perfeita.
Mais uma vez a campainha tocou. As pessoas nem
perceberam, ou mesmo, não se importaram, deveria ser outra vez o guarda para
algum aviso. Somente a governanta se dirigiu para atender. Abriu e, dessa vez,
não era a mesma pessoa da vez anterior.
– Boa noite, o que o senhor deseja?
– Boa noite, senhora. Há tempo tento entregar
uma carta neste local... uma carta escrita há muitos e muitos anos ‒ o homem, de
aproximadamente setenta anos, respondeu.
Senhora Louise o observou e, antes que alguém o
percebesse, ela lhe pediu que entrasse pela lateral da casa e chegasse à porta
dos fundos. Ele aceitou e seguiu discretamente.
A governanta avisou alguns funcionários que
estaria na cozinha para resolver a inesperada situação. Laurin estava cuidando
para que não faltasse comida durante o jantar e Ludovic estava sentado ao canto
da mesa, fazendo companhia à esposa; o casal já havia jantado antes.
Então, a senhora Louise entrou na cozinha e
recebeu o senhor, desconhecido, pela porta dos fundos.
Quando os olhos do senhor se encontraram com os
de Laurin, foi como se algo completamente impensável estivesse ocorrendo
naquele instante. A cozinheira até se afastou um pouco.
‒ Não pode ser! – exclamou Laurin.
‒ O que está acontecendo? – a governanta
perguntou para tentar compreender.
‒ Nada, não, senhora Louise – Ludovic tentou
apaziguar, pois conhecia toda história, embora não tivesse vivenciado, no
entanto, conhecia Ernest, o antigo motorista da família, que estava à sua
frente.
‒ Mas vocês se surpreenderam...
A governanta não concluiu e logo saiu, pois
ouvira o suave sininho da sala de jantar solicitando a sua presença.
– Ernest, o que faz aqui? ‒ Laurin perguntou, quase
apavorada.
– Durante muitos anos, procurei por este
endereço e finalmente consegui chegar, pois foram tantas as dificuldades. A
casa ainda está com a mesma família, ou melhor, seus descendentes ‒ o senhor falou.
– O que quer fazer? Já se passou todo esse
tempo... – com os olhos lacrimosos, a senhora cozinheira falou.
‒ Quero apenas entregar a carta do antigo patrão,
senhor Edgard, pai. Ele me deixou essa incumbência; eu sinceramente precisava
realizar – deu uma pausa. ‒
Ele a escreveu pouco antes de morrer, penso que desejava esclarecer algumas
situações. E também quando se compartilha, o alívio normalmente acontece –
Ernest concluiu.
‒ Tanto tempo se passou... e justo na noite de
Natal? – Laurin perguntou chorando.
‒ Não há como evitar... Gostaria de somente
entregar a carta...
– E arrasar uma história inteira de família? ‒ Ludovic, severo,
questionou.
Nesse momento, em que a discussão, mesmo ainda
reprimida, começou a se tornar mais declarada, a senhora Louise retornou à
cozinha, observou o acontecimento e perguntou imediatamente:
– O que está acontecendo aqui? Os senhores podem
me explicar?
Os primeiros instantes foram de silêncio total.
Os olhos estavam assustados e lacrimejados por tamanha emoção ressuscitada.
– Por favor, desejo uma explicação ‒ insistiu a governanta.
– Senhora, vim aqui para entregar uma carta que
há muito tenho comigo.
‒ Carta de quem para quem, senhor? – tornou a
perguntar.
‒ Do senhor Edgard, pai, para o senhor Edgard,
filho – Ernest respondeu.
‒ E percebo que vocês se conhecem – afirmou a
governanta.
– Sim, eu e Ernest nos conhecemos, senhora
Louise – respondeu Laurin.
‒ Por favor, só preciso entregar ao senhor
Edgard, filho, e logo irei embora – o senhor Ernest falou.
‒ Como o senhor já percebeu, hoje é a noite de
Natal e acontece um jantar em família e com muitos amigos. Por favor,
compreenda... posso entregá-la mais tarde – senhora Louise, com toda
cordialidade, falou.
Senhor Ernest mais o casal se olharam e logo o
visitante, inesperado, sugeriu:
‒ Senhora, dessa forma, nada me assegura que a
carta chegará às mãos da pessoa interessada... sendo assim, gostaria que a
senhora a lesse em voz alta para garantir que outras pessoas estejam cientes de
seu conteúdo.
– Sim. Então, depois da leitura, o senhor pode
comer algo aqui na cozinha e seguir sua vida; pode ser assim? ‒ a governanta quis se
certificar.
‒ Sim, senhora. Muito lhe agradeço – o senhor
respondeu.
A senhora Louise pegou o envelope amarelado e
dele retirou a carta da mesma cor. Abriu, com cuidado, para não rasgá-la.
Atenciosa, a governanta iniciou a leitura:
Sou
Edgard Thompson, escrevo algumas palavras para expressar tão imenso sentimento
que me invade a alma. Recebi um filho como presente maravilhoso enviado por
Deus. É de meu sangue somente, e não do sangue de minha esposa, no entanto, ela
o tomou como filho e o ama perdidamente. Sabe da história que me ocorreu e, por
amor, perdoou-me e eu, agradecido de forma eterna, teria como objetivo
determinado e amoroso viver a plenitude com minha família, se não fosse esta
doença, incurável, que me acometera.
Estou
certo de que em alguns dias não mais estarei entre os meus que tanto amo, mas
sim, em outro plano para continuar a caminhada. Minha amada esposa, que não
podia ter filhos, sabe que a mãe biológica é Laurin, mulher simples, e para não
perder o vínculo, contratou-a como cozinheira para, assim, também ser cuidada.
Houve compreensão de todas as partes e, a partir disso, temos um segredo
guardado.
Não
se sabe quais caminhos haverá na estrada da vida, apenas as escolhas é que
abrirão para o céu azul ou para um céu mais gris.
E
algo ainda é mais exato: um coração deve ter fé e muito amor. Os erros
existirão até o momento em que o discernimento e vontade forem determinantes.
Encerro
esta carta dizendo que, embora tenha errado muito, amo e eternamente amarei meu
filho único, minha esposa e Laurin, esta por tanta simplicidade e ternura ter
também conquistado meu coração pelo instante necessário para conceber um filho,
meu profundo desejo.
Reconheço,
perfeitamente, meu ato inadequado... irresponsável, no entanto, há coisas que
acontecerão de toda forma, pois devem ser.
Sempre,
Edgard
Thompson
Após a carta lida, as pessoas, na cozinha, que
participaram do acontecimento, estavam perplexas e, ao mesmo tempo, com mais
leveza e harmonia, pois após muitos anos, o fiel motorista do senhor Edgard,
pai, cumprira sua promessa, feita, no leito de morte de seu patrão.
Mais um olhar, perplexo, no canto da porta, era
presenciado. Edgard, como a governanta se ausentara da sala de jantar, buscou
algo na cozinha quando, ainda no início da leitura, já pôde compreender o
esclarecimento.
De seus olhos escorriam lágrimas muito
emocionadas e todos perceberam o patrão naquele instante. De fato, o medo e o
desconforto recuavam sua energia para a fé sobrepujar a insegurança.
E sem esperar, Frederico entrara na cozinha e,
sem ainda saber a real situação, porém, por puro amor, se aninhou nos braços de
Laurin como sempre fazia.
As lágrimas de amor e luz escorriam juntamente
com a nova maravilhosa energia benéfica.
Para o espírito, a eternidade é seu tempo
determinante. Muito já se viveu e ainda infinitamente ocorrerá. Programações
existem para que num desejado e abençoado breve futuro, a caminhada possa ser
mais amorosa e feliz entre o maior número de espíritos.
E a partir daquela noite de Natal, o neto
abraçava sua avó; o filho, a sua mãe, embora fora infinitamente amado por sua
mãe de coração que há tempo partira.
A estrela de Natal brilha todos os dias, pois
Jesus Cristo é a luz.
E em muitos núcleos familiares haverá os nós a
se desatarem e apenas os laços de família a serem dados com amor.
Sempre há o que reparar, no entanto, sem julgar,
pois cada espírito sabe de si e, pela misericórdia de Deus, todos teremos novas
oportunidades na estrada para uma vida melhor.
No lar desta família, a riqueza pôde ser
vivenciada como conforto material, entretanto, o amor era a característica mais
definida e presente.
O senhor Ernest também ficou para o jantar da
noite de Natal. E os olhos de Ludovic brilharam, assim como os de Laurin,
Frederico e Edgard, filho.