CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Senhor Hian
formara família. Os filhos estavam casados e já lhe haviam dado alguns
netinhos. Ele sempre trabalhara com agricultura, herança de família, mas nos
últimos meses foi adoecendo e, há poucos dias, levado às pressas a um hospital.
Todo recurso
fora utilizado para a sua recuperação, no entanto, constatado somente
diminuição da dor, e nenhuma melhora. A família estava presente; sua esposa,
Evie, grande companheira, sempre ao seu lado.
Na
quinta-feira, por volta das dezesseis horas, inesperadamente, o quarto de Hian,
no hospital, ficara sem nenhum acompanhante, apenas o senhor em seu leito. Isso
não havia acontecido antes.
Não demorou
muito, um jovem rapaz entrou calmamente e se posicionou próximo à cabeceira.
Passou a mão na cabeça do senhor que, com dificuldade, abriu os olhos e
observou.
– Olá, Hian – o jovem saudou.
O senhor
esboçou um tímido sorriso, mas parecia querer dizer algo.
– Vou
inclinar um pouco a cama para tentar falar – o jovem falou por entender a necessidade.
Depois de
melhor acomodado, Hian consentiu com mais um discreto sorriso num canto do
lábio.
O jovem
estendeu as mãos sobre a cabeça do senhor, sem tocá-la, por alguns segundos e
uma suave brisa de bem-estar se dispersou pelo ambiente singelo. Então, Hian se
mostrou pronto para dizer o que tanto queria.
– Gostaria de
falar.
– Sim, diga o que deseja – o
jovem, atencioso, falou.
– Um desejo... – o senhor se
expressou com certa dificuldade.
O rapaz
estava bem próximo.
– Gostaria de dizer o que tanto
desejava ter feito – o homem falou devagar, mas um pouco mais sereno
após a imposição de mãos sobre sua cabeça.
– Pois bem,
estou para ouvi-lo – o
jovem disse.
– Meu rapaz,
hoje, analisando, mais se confirma a grandeza da vida... diante da pequenez
que, muitas vezes, cultivamos no dia a dia – deu uma pausa e seu olhar ficou distante com as memórias. –
Quando se é jovem, muito
ainda se precisa aprender, mas quando os anos se passam tão rapidamente e os
vícios e enganos ganham unanimidade no palco de nossa caminhada, sinceramente, isso
tanto nos entristece... e só percebemos, com nitidez, quando somos forçados a
nos recolher na coxia e, assim, nos resta tempo para pensar e analisar...
O jovem ouvia
o senhor com atenção e carinho.
E recomeçou a
consideração:
– Sabe, meu jovem, quando
meus filhos eram crianças, quantas vezes me pediram para eu participar dos
folguedos com eles... mas o trabalho era antes de tudo. Minha esposa, nos
poucos passeios que fez, sempre fora sozinha. Nunca tive tempo de ver os
desenhos dos meus filhos... Depois do jantar já estava dormindo e minha esposa
lavava toda a louça, sozinha, e colocava nossos pequenos na cama. Analisando
agora, o meu egoísmo me deixa menor que uma conta de mostarda.
– Hian,
procure desabafar sem tanto sofrer, pois o que está feito serve apenas como
exemplo. Compartilhe, mas tenha amor e compaixão por você – o jovem lhe explicou.
– Meu rapaz,
quando se constata que tanto ficou sem fazer, muito difícil é a assimilação – o homem se lamentou. – Penso
também nos lugares a que poderia ter ido; nos abraços que não dei; no
tempo que não tive para ouvir as pessoas; nos entardeceres que nem percebi; no
céu azul e no sol brilhoso que não me lembrei existirem; nas gargalhadas
ausentes; no olhar amoroso despercebido; no silêncio nos braços da amada que
não valorizei... Penso na incomparável maravilha que é a vida... e que não vivi
– a essa hora os olhos de
Hian estavam banhados pela lágrima do triste arrependimento. – Oh, meu Deus,
tenha piedade de mim...
O senhor não
mais pôde continuar pela tamanha emoção que o invadira.
Então, o
jovem mais se aproximou e, novamente, posicionou as mãos sobre a cabeça do
senhor.
Em alguns
segundos, Hian voltou a se acalmar e procurou a figura do rapaz.
– Desculpe-me, mas ao mesmo
tempo que o sinto familiar não consigo me recordar quem é você – o homem
falou.
– Hian, talvez eu seja algum
amigo desta jornada... que somente cultivou o cuidado por você... e não fora
percebido, no entanto, sempre estive ao seu lado – o jovem falou.
E os olhos do
senhor estavam, mais uma vez, embargados.
– Meu rapaz, obrigado por me
ouvir. Sinto-me um pouco confuso... muitas lembranças, passagens vieram... e de
todas pude sentir a emoção. Obrigado, sinto-me mais aliviado... Muito, muito
obrigado.
E Hian
suspirou profundamente e o cordão se desfez. Os olhos do homem ficaram úmidos
pela visita daquela grande emoção e seguido acontecimento; fora um presente
valioso para seu espírito poder seguir o caminho da eternidade.
A
misericórdia do Senhor concedeu, a esse homem, a sua própria acareação ainda no
invólucro terreno.
No quarto de
hospital, o amparo dos espíritos benfeitores era evidente e oportuno. Todos os
pormenores foram cuidados; nada foge aos olhos da atenção espiritual.
Alguns
parentes do campo etéreo estavam presentes naquele recinto, também dois grandes
amigos, de longa data, de Hian. E o amparo se verificou cuidadosamente frente à
ocorrência.
Mais uns segundos se passaram e a esposa do
senhor entrou no quarto. Os olhos do companheiro ainda estavam úmidos. A
senhora se aproximou rápido, descontente pelo momento solitário do marido,
entretanto, quando percebeu que Hian não mais respirava, de fato, o choro,
muito sentido, saltou incontido, e o abraço no companheiro foi a primeira ação
a fazer. Para a esposa, vieram sentimentos diversos, do tempo vivido e até do
último momento de tê-lo deixado, sozinho, por aqueles derradeiros minutos.
Amigos
espirituais se mantinham no ambiente procurando, com energia benfazeja,
harmonizar e fortalecer os familiares para essa nova etapa, imprescindível para
todos.
Talvez não
seja um privilégio comum, na hora da partida, poder se arrepender de tudo
aquilo que poderia ter feito, no entanto, é oportunidade definida poder fazer o
melhor em relação a tudo e a todos, pertencentes, a cada presente existência; o
livre-arbítrio será a ação e a sua idêntica reação.
Que as
verdades universais possam ser percebidas e amorosamente preservadas, sendo o
que é importante sempre valorizado e o que é efêmero sem tanta preservação e
cuidado.
O amor, a
paz, a bondade, a paciência, a tolerância, a família, a fé, a compreensão, o
respeito, todos são verdades universais.
Sempre é
tempo de acordar e começar ou voltar a ser o coração que valoriza a vida.
Oxalá, Hian
tenha entendido o valor de uma existência e nós, quanto antes, possamos viver
mais em acordo com a proposta perfeita e abençoada do Mestre.
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