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terça-feira, 7 de abril de 2015

Há as cebolas para serem cortadas na vida


CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Era um dia comum, e o céu estava encoberto por nuvens que a qualquer minuto voltariam a desaguar.
Cecília voltava da escola na companhia de seu irmão menor, Gael, de oito; eles tinham uma diferença de quase quatro anos.
Em segundos já entraram pelo portão, pois a chuva muito prometia. Da varanda, através de uma janela, a menina observou a mãe preparando carinhosamente o almoço e a filha se demorou um pouco a observá-la e percebeu que a mãe chorava baixinho; Gael seguiu direto para a cozinha e logo cumprimentou a mãe, Luísa.
– Chegamos, mamãe – falou e abraçou-a.
– Olá, filho – a mãe respondeu disfarçadamente enxugando os olhos e o abraçando também.
A filha observou-a mais uns segundos e, um pouco triste, também se dirigiu à cozinha. O cachorrinho fazia a maior festa com a chegada das crianças.
– Oi, mamãe – Cecília cumprimentou-a com um beijo no rosto e um forte abraço.
– Oi, minha filha. Tudo bem? – a mãe quis saber ainda abraçada.
– Tudo bem, mamãe. E você? – a filha perguntou se soltando lentamente.
– Está tudo bem... sempre com muito trabalho, mas está tudo bem, filha – a mãe respondeu sem muito buscar o olhar da menina e logo voltou-se para o fogão.
Cecília observou um pouco mais a mãe e esta, incomodada, logo pediu para a filha trocar-se de roupa, lavar as mãos e vir para o almoço que a comida já estava pronta; era para trazer também o irmão.
Durante a ausência da menina, Luísa enxugou melhor os olhos e respirou fundo. Mais uns minutinhos e os dois irmãos estavam trocados, de mãos limpas e sentados à mesa para almoçarem.
– Mamãe, o papai não vem de novo para almoçar? – a filha perguntou.
Luísa colocou mais uma colherada de sopa na boca e, com isso, ganhou tempo para criar uma boa resposta.
– O seu pai está trabalhando numa cidade próxima e voltará à tardezinha – ela respondeu.
Um silêncio se instalou no ambiente. Cecília, olhando para o prato de sopa, continuou comendo; a mãe passou, rapidamente, os olhos pela menina.     
Após o almoço, a mãe lhes serviu uma salada de frutas simples, colhidas do quintal; a mãe cuidava de uma horta e de alguns pés de frutas que ela mesma plantara. Em seguida, o filho pediu licença e saiu para brincar. Restaram apenas mãe e filha, criaturas que muito se amavam e se compreendiam.
Um pouco mais de silêncio entre as duas até que Cecília falou:
– Mamãe, quando chegamos... vi, pela janela, que você estava chorando.
A mãe se surpreendeu e demorou para responder.
– Também percebo que você e o papai não se conversam...
– Ora, filha. Estava cortando a cebola... por isso os olhos arderam – a mulher logo falou.
A filha ficou olhando o jeito da mãe e mais se convencia de que havia algum problema.
Então, Luísa também se calou e as lágrimas começaram a descer pela face.
– Mamãe, agora você não está mais cortando cebola.
– Sim, filha. Agora não estou – a mulher falou enxugando o rosto. – Minha querida, há momentos que ficamos mais sensíveis com algumas coisas, alguns pensamentos... só isso – a mãe tentou amenizar a preocupação da filha.
– Mas e o papai... que quase nunca está em casa e nem tem trabalho todo dia? – a menina questionou.
– Meu bem, sei que o seu pai não é o que você queria, mas é o que você tem... e ele é o seu pai – a mãe afirmou com carinho. – Lembro-me de que meu avô dizia que nunca poderemos mudar o outro, no entanto, podemos nos mudar a todo tempo.
– Não entendi, mamãe.
– Podemos fazer coisas melhores, filha, como melhorarmos o nosso sentimento e atitude. E, assim, o que tanto nos incomoda passa a ser suavizado e começamos a dar mais importância àquilo que realmente nos faz bem... e ainda o nosso exemplo pode ser também a grande mudança para a outra pessoa – a mãe falou.
Naquele dia, o pai apareceu para almoçar. As duas, ainda sentadas à mesa, muito se surpreenderam.
– Sente-se, Jorge. Vou lhe servir a comida – a esposa falou já se levantando.
– Oi, papai. Tudo bem? – a filha perguntou.
– Sim, estou... mas não vai se levantar? – o pai perguntou.
– Não, papai. Vou lhe fazer companhia – a filha respondeu com um discreto sorriso.
A mãe observou, muito assustada, pois sabia da aversão que Cecília tinha pelo pai. A filha nunca se aproximava dele, nem brincava ou conversava com ele. Entretanto, a partir daquele momento, com o aprendizado das palavras maternas, a menina começou a muito se melhorar, principalmente, em relação a seu pai que tanto sentiu a modificação e se esforçou também para ser um melhor pai e marido.
Daquele dia em diante, nascera uma nova família. Jorge arrumou emprego regular e Cecília, com amor, passou a enxergar o pai.
Sabe-se que a grande mudança é sempre individual e esta, também um grande exemplo para os companheiros.
Quando lágrimas, a partir daquele dia, escorriam pela face de Luísa, eram somente da alegria em ver sua família mais unida pelo respeito e o nascimento do amor, especialmente, entre pai e filha.
De fato, todo núcleo familiar está arranjado como se deve ser, ou por amor ou pela dor; ambos só trarão o progresso. No entanto, a sabedoria consiste na melhoria individual que acarretará, de forma imprescindível, o melhoramento coletivo.
Torna-se evidente que o ajuste pode ser realizado por meios contrários: ou por uma estrada tranquila ou por uma totalmente atormentada.

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