Sempre
entendemos que a discussão em torno da obra Os
Quatro Evangelhos, dada a lume pelo advogado J.-B. Roustaing, devia – e
ainda deve – cingir-se exclusivamente aos seus aspectos doutrinários, ou seja,
primeiro é preciso conhecer a obra para depois criticar ou defendê-la. Eis o
motivo pelo qual, durante muito tempo, jamais tratamos do assunto, seja aqui,
seja na tribuna.
Alguém,
porém, nos pergunta que problemas há na referida obra e – caso existam – por
que a editora da Federação Espírita Brasileira (FEB) a divulga e tantos nomes
ilustres em nosso meio a defendem.
Os
adeptos do chamado roustainguismo
formam, de fato, um contingente numeroso. Pelo menos é o que informa Luciano
dos Anjos em seu livro Os Adeptos de
Roustaing, publicado em agosto de 1993 pela Associação Espírita Estudantes
da Verdade, de Volta Redonda (RJ).
Respondendo
à indagação inicial, diremos que é fácil perceber na obra de Roustaing a
existência de quatro pontos que a tornam incompatível com a doutrina espírita
exposta nas obras de Allan Kardec, Léon Denis, Gabriel Delanne, André Luiz e
Emmanuel. Claro que, excetuados esses problemas, apresenta ela coisas
atraentes, especialmente no que se refere à apresentação primorosa que a FEB
lhe deu, um cuidado que jamais a editora teve com quaisquer outras obras.
Os
quatro pontos a que nos referimos são estes:
I.
A tese de que a encarnação não é obrigatória, nem mesmo necessária, e só se dá
em caso de queda do Espírito. A evolução da criatura humana, após a passagem do
princípio inteligente pelos reinos inferiores da criação, ocorreria, segundo Roustaing,
em cidades espirituais nas quais o Espírito revestiria tão somente um corpo
fluídico – o perispírito. Se o indivíduo apresentar nessa condição algum
defeito a ser corrigido (vaidade, inveja etc.), aí sim, por castigo, terá de
encarnar. A reencarnação seria uma consequência dessa primeira encarnação. O
assunto é tratado no volume 1, pp. 317 e 321, no volume 3, p. 91, e no volume
4, p. 292, da 8a edição, de agosto de 1994, publicada pela FEB.
II.
Ao ter de encarnar, o Espírito é conduzido a um mundo primitivo, encarnando-se
aí num corpo rudimentar que viveria, como os animais, do que encontrasse no
solo. “Não poderíamos compará-los melhor do que a criptógamos carnudos”, diz o
livro em seu volume 1, p. 313. Um exemplo conhecido de criptógamo carnudo são
as nossas lesmas. O livro de Roustaing está informando, portanto, que uma alma
humana, depois de viver numa cidade espiritual, encarnará em uma forma animal
que nem mesmo chegou ao nível dos vertebrados, um ensinamento que reedita a
doutrina da metempsicose, rejeitada formalmente pela Doutrina Espírita. O
assunto é tratado ainda nas pp. 299 e 312 do volume citado.
III.
A encarnação, que não é obrigatória, só ocorrerá em caso de queda do Espírito,
uma alusão à retrogradação da alma, que o Espiritismo não admite. Os motivos,
diz a obra de Roustaing, são diversos e seus resultados, terríveis. “Qualquer
que seja a causa da queda, orgulho, inveja ou ateísmo, os que caem, tornando-se
por isso Espíritos de trevas, são precipitados nos tenebrosos lugares da
encarnação humana, conforme ao grau de culpabilidade, nas condições impostas
pela necessidade de expiar e progredir”, eis a lição transmitida na obra em seu
volume 1, p. 311.
IV.
Segundo a obra de Roustaing, Jesus não encarnou para vir à Terra trazer-nos a
Boa Nova. Seu corpo teria sido fluídico. Ele teria sido, assim, um agênere, um
Espírito materializado. Desse modo se explicariam seu desaparecimento dos 12
aos 30 anos, período do qual ninguém fala, e o sumiço do corpo material nos
dias seguintes à crucificação. O assunto é tratado nos quatro volumes da obra,
constituindo um dos aspectos mais conhecidos da doutrina roustainguista e, por
isso mesmo, o mais criticado.
Allan
Kardec examinou em suas obras os quatro assuntos focalizados: a encarnação do
Espírito como requisito indispensável à evolução espiritual e ao progresso dos
planetas; a metempsicose, que rejeitou expressamente; o princípio da não retrogradação
da alma e a natureza corpórea do corpo de Jesus, ao qual dedicou os itens 64 a
67 do cap. XV de seu livro A Gênese,
publicado em 1868, ou seja, bem depois do surgimento da obra publicada por
Roustaing.
Sobre
o corpo de Jesus, escreveu Kardec:
“A estada de Jesus
na Terra apresenta dois períodos: o que precedeu e o que se seguiu à sua morte.
No primeiro, desde o momento da concepção até o nascimento, tudo se passa, pelo
que respeita à sua mãe, como nas condições ordinárias da vida. Desde o seu
nascimento até a sua morte, tudo, em seus atos, na sua linguagem e nas diversas
circunstâncias da sua vida, revela os caracteres inequívocos da corporeidade.
São acidentais os fenômenos de ordem psíquica que nele se produzem e nada têm
de anômalos, pois que se explicam pelas propriedades do perispírito e se dão,
em graus diferentes, noutros indivíduos. Depois de sua morte, ao contrário,
tudo nele revela o ser fluídico. É tão marcada a diferença entre os dois
estados, que não podem ser assimilados.” (A
Gênese, cap. XV, item 65.)
A
conclusão que podemos tirar, à vista do exposto, é uma só: os espíritas que
apoiam a obra de Roustaing certamente não a leram ou não a entenderam; pelo
menos é o que deve ter ocorrido com escritores importantes que a elogiaram em
certa época e depois mudaram de ideia, como os saudosos confrades Carlos
Imbassahy e Henrique Rodrigues.
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Hoje, particularmente, temos informações que nos faz ter sérias reservas contra elas. Uma delas, a que mais sobressai, é afirmação de Roustaing que:
ResponderExcluir[…] o apóstolo Mateus, Marcos, discípulo do apóstolo Pedro, Lucas, discípulo do apóstolo Paulo, e o apóstolo João, que se haviam encarnado em missão para esse propósito, já tinham escrito os Evangelhos, sob a influência e inspiração dos Espíritos do Senhor […]. (ROUSTAING, 1999, p. 84, grifo nosso).
Os evangelistas eram, sem o saberem, médiuns historiadores inspirados, […]. (ROUSTAING, 1999, p. 127, grifo nosso.)
Ora, estudiosos e críticos bíblicos da atualidade nos informam que os nomes constantes nos títulos dos Evangelhos – Mateus, Marcos, Lucas e João –, não designam seus autores (1), portanto, não condiz com o que se afirma nas obras de Roustaing.
(1) NETO SOBRINHO, P. S. Os nomes dos títulos dos Evangelhos designam seus autores?, disponível em: http://www.paulosnetos.net/.../405-os-nomes-dos-titulos...
Quando lei essas coisas contidas na obra de Roustaing, que merece tanto destaque é fato, dizendo que foi corpo fluídico (me lembra um artifício para justificar a virgindade de maria) ou queda na escala evolutiva (remete a ideeia de inferno) e que a encarnação não é obrigatória (ressuscita a ideia de evolução em linha reta que remete a uma divindade de Jesus), tão frontais aos conceitos inovadores da Dourina, na Evolução, na reencarnação como um processo de aprendizagem etc, me pergunto por que perdemos tanto tempo com essas incoerências no movimento espírita, que já causou tanto bafafá e desavenças. Ganharíamos mais estudando a DE e buscando aplicá-la. Parabéns, Seu Astolfo, por posicionamento tão lúcido.
ResponderExcluirJ, Herculano Pires, em o livro: "Curso Dinâmico de Espiritismo", fala das grandes mistificações que aconteceram dentro do Espiritismo e o maior de "mistificação", capaz de levar qualquer pessoa à fascinação, é a obra do 4 Evangelhos, de Jean B. Roustang, que a FEB tomou como fundamento de sua orientação até 40 anos atrás, embora estive na ?FEB, em Brasília e vi lá para vender os este livro.. a mistificação é tãoevidednte neste livro que uma pessoa ssimples, mas de bom senso, , logo percebe. Fiquei muito decepcionado com isso,mas que fazer, se foram as escolhas de ditos grandes espíritas do Brasil na época passada que a divulgavam no Reformador e ainda tenho livros e exemplares de assuntos desse teor, como Elucidações Evangélicas de Sião.
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