Um caso de suicídio narrado por “Machado”
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Jenecídio era um grande empresário e morava
com a família em condomínio de luxo. Tudo corria bem em sua vida, até o dia em
que sua empresa começou a dar prejuízo. No início, ele não deu muita
importância ao caso. Afinal, em anos anteriores, já ocorrera o mesmo fenômeno.
O El Niño chegava, o calor aumentava
e as pessoas guardavam seus guarda-chuvas.
E Jenecídio fabricava e vendia guarda-chuvas.
Acontece que, na cidade baiana de Senhor do
Bonfim, quase não chovia, embora, à noite, costumasse fazer um friozinho.
Então, Jenecídio optou por também vender roupas de frio.
Foi quando sua mulher foi à igreja local orar
pelo sucesso nos negócios da família.
De volta a casa, inspirada pelo Senhor do
Bonfim e pelo sermão do padre, sugeriu ao esposo a mudança do ramo de negócio.
Afinal, suas filhas de sete e oito anos precisavam manter o padrão elevado de
vida e, na cidade, pouco se usavam roupas de inverno, pois residiam no sertão
nordestino onde o clima era quente e seco.
Sugeriu-lhe, então, Jacina, a esposa, trocar
seu negócio para fábrica de chocolates, pois a produção local de cacau era boa,
o que motivou o apelido da cidade de Suíça do Nordeste.
Em resposta, o marido disse-lhe que tal
comércio já possuía muita concorrência local, e a venda de roupas de frio
dava-lhe um bom retorno financeiro nos meses em que não havia seca. Ademais,
detestava esse negócio de religião.
Nesse ano, porém, a estiagem já durava dez
meses, e nenhuma peça de roupa fora vendida por Jenecídio nos últimos seis
meses. Os dias passavam, as contas chegavam e, quando a reserva financeira da
família acabou, Jenecídio, como tantas pessoas sem esperança, neste mundo e no
outro, tomou uma decisão radical.
No dia seguinte, seu corpo foi encontrado
dentro do poço seco de dez metros de profundidade, depois que a esposa ligou
para o corpo de bombeiros, suplicando desesperada a localização do marido
sumido de casa na noite anterior.
Sobre a cama vazia, um bilhete, escrito por
ele, continha as seguintes palavras:
Senhor do Bonfim, BA, 5 de outubro de 2013.
Querida Jacina,
Antes de mais nada, quero lhe dizer que a amo
muito, tanto quanto nossas meninas.
Quando você acordar e ler esta missiva, já não
mais estarei neste mundo. Mergulho no nada, para sempre.
Há três anos, pensando no seu futuro e no
porvir das nossas filhas, fiz um seguro de vida, no Banco da Bahia, no valor de
X, que resolverá todos os problemas financeiros de nossa loja e ainda
permitir-lhe-á mudar o ramo de negócio para a sua tão sonhada fábrica de
chocolates.
Meu corpo será encontrado no fundo do poço,
como ocorre, atualmente, com nossa economia.
Perdoe-me e adeus!
Tão logo o corpo de Jenecídio fora encontrado,
caiu uma chuva tão intensa, em Senhor do Bonfim, que seu poço transbordou. Três
meses após o funeral do esposo, a viúva, morta de saudades, procurou um famoso
médium baiano, em Salvador, que psicografou e lhe entregou a seguinte carta do
Além:
Querida Jacina,
Como fui estúpido. A vida continua em outra
dimensão e eu desconhecia esta realidade.
Por que não esperei mais um pouco? Com o
retorno das águas, vejo agora que você vendeu todo o estoque de roupas e guarda-chuvas,
pois a nossa loja não tem concorrência no ramo.
O grande erro de minha vida foi nunca ter uma
crença que me desse a certeza da sobrevivência da alma após a morte do corpo
físico. Quando ignoramos a realidade do mundo metafísico, e cometemos o suicídio,
as consequências são terríveis.
Não estamos mais no corpo de carne, porém
nossos sentidos são mais apurados.
Comigo foi assim. A sensação da queda e do
impacto do meu corpo, no fundo do poço, foi terrível e parecia repetir-se
eternamente. Sentia-me caindo, no vão escuro, e a cabeça se dividindo em mil
pedaços... Então, gritava inutilmente
por socorro, pois tão logo chegava ao fim da queda novamente via-me projetando
no vazio. E tudo recomeçava por vezes incontáveis.
Quando os bombeiros içaram meu corpo sem vida,
dez horas após meu tresloucado gesto suicida, graças ao seu apelo desesperado,
parecia-me já estar ali há anos, sempre com a mesma sensação de queda no vazio
e o crânio se estilhaçando ao tocar o fundo, para depois todo esse horror
recomeçar.
Você fez, então, uma sentida e sofrida prece
por mim, e isso foi o que me aliviou. Entretanto, tão logo cheguei ao solo
superior, percebi que seres semelhantes a monstros terríveis, verdadeiros
vampiros, se aproximavam de meu corpo inerte, mas ao qual eu me sentia
prisioneiro.
Eles então riam, pulavam em cima e em volta de
mim e gritavam: — Suicida! Suicida!
Outros completavam: — Suguemos-lhe o sangue
enquanto está quente!
Senti também suas bocas se fecharem sobre
minha garganta e, com suas presas
enormes, sugarem minhas energias. Eu queria gritar, mas não podia. Queria
fugir, mas estava paralisado.
Assim se passaram os dias. Fui transportado
pela malta para um lugar estranho e tenebroso e ali fiquei à mercê de todos
esses Espíritos das trevas, até o dia de hoje, quando fui trazido aqui por uma
corrente luminosa, que me arrebatou das garras de meus algozes. Eram as
energias das preces desse médium extraordinário, aliadas às suas e às das
pessoas bondosas que aqui estão. Obrigado, meu Deus!
Agora, uma senhora belíssima, com hábito de
freira e intensa luz, diz-me que, daqui, serei transportado para um hospital
espiritual, onde ficarei submetido a tratamento de recomposição do perispírito
(corpo espiritual) que eu mesmo afetei, com minha atitude insana.
Ali passarei alguns meses em tratamento,
quando então deverei fazer parte da equipe de suicidas em reabilitação e
cooperação no socorro de outros Espíritos criminosos, que violaram a Lei de
Deus, nosso Criador, o qual nos destinou à perfeição da vida eterna, mas com a
condição de que “a cada um seja dado segundo as suas obras” consoante as
palavras de Jesus Cristo, como vim a saber aqui.
Beije nossas filhas, Carmecita e Concita,
perdoe meu ato insano e ore por mim.
Adeus, sejam felizes!
Amigo leitor, quando a Humanidade estiver
plenamente ciente das consequências do suicídio, cena como esta não mais
ocorrerá, pois a certeza de que não há morte e de que nossos mínimos atos nos
trazem consequências boas ou más, segundo a direção que lhes damos, fará com
que escolhamos sempre a vida, nunca a morte, seja ela a nossa ou de outrem.
Abraço do amigo “Machado de Assis”.
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