A prece da
cachorrinha
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Amiga leitora, ouvi dizer que Tancredo Neves dizia o seguinte: “Quando
algum político precisa explicar, depois de dito, algo que repercutiu mal
perante a nação, melhor teria sido não ter dito nada antes”. A clareza é
qualidade fundamental na comunicação. Sem ela, tudo são trevas.
É exatamente assim que ocorre com os textos mal escritos: se o aluno ou
uma pessoa qualquer escreve algo que só está claro para si e não para quem lê,
melhor seria não ter escrito aquilo. A ambiguidade ou duplo sentido pode ser
interessante na literatura, quando o narrador escreve alguma coisa com um
sentido literal e outro metafórico. Era o que eu fazia, quando encarnado pela
última vez, no Rio de Janeiro, após minha encarnação como Laurence Sterne, na
Inglaterra, no século XVIII. Por isso mesmo, lia suas obras e imitava seu
estilo burlesco e satírico. Algo ali era-me familiar...
Houve um tempo em que os animais falavam. Se os cidadãos da atualidade se
inspirassem na sabedoria daqueles seres, por certo, o mundo seria bem mais
prático. Cito um caso.
Acompanhei Joteli e esposa em visita a uma amiga recém-operada do ombro
ontem. Ao adentrarem a casa da convalescente, sua cachorrinha pequinês recebeu
os recém-chegados com estardalhaço, latindo insistentemente. Entretanto, logo
parou de latir quando os anfitriões lhe pediram que se calasse. Chama-se Lis e
é bastante agitada. Acompanhou o dono da casa e seus amigos até a sala e
sentou-se num dos sofás, atenta às suas conversas com os recém-chegados.
De vez em quando, latia, como quando o genro e a filha do Paulo, o
anfitrião, que lá estavam há algum tempo, despediram-se. No entanto, um pouco
mais tarde, fiquei impressionado com sua manifestação de respeito, no momento
em que a esposa de Joteli propôs fazer uma prece de rogativa aos céus em
benefício da melhora da amiga enferma que ali já estava.
Lis fechou seus olhos e manteve-se num silêncio profundo e reverencioso,
assim permanecendo até o fim da prece.
Talvez seja por isso que um ex-ministro afirmou, ao lhe ser perguntado
sobre a razão de seu profundo amor ao seu cãozinho de estimação: — Cachorro
também é gente. O problema não é esse e, sim, o de que muita gente é tratada
pior do que cachorro, mas muito cachorro demonstra ter mais respeito às coisas
divinas do que nós.
Estendemos as mãos, aplicamos um passe na convalescente e em seu esposo.
Lis fechou os olhinhos e nos acompanhou, enquanto orávamos, como se entendesse
tudo. Certamente que não pescava uma só palavra do que dizíamos, mas sentiu as
vibrações positivas e delas também desfrutou. É a alma, em processo de
transformação, como disse o filósofo espírita francês Léon Denis em sua obra
intitulada O problema do ser, do destino
e da dor: “A alma dorme nos minerais, sonha nos vegetais, agita-se nos
animais e desperta no homem”.
Eu diria que, antes, a alma já despertou nos cachorros...
Depois disso, o ser espiritual continua trabalhando os sentimentos,
errando e acertando. Percorre a estrada eterna da lei de evolução, submetido à
lei de ação e reação, até aprender que somente o amor é Lei Divina. Então, após
o seu despertar, passa a se esforçar permanentemente no bem, até alcançar o
objetivo máximo da recomendação do Cristo: “Brilhe a vossa luz!”
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