A bolsinha da peruana
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
— Amigo Joteli, como você sabe, gosto muito
de esporte, principalmente de corrida no parque. Tanto é assim que, no último
sábado, estive ali para fazer minha corrida de praxe, o que costuma ocorrer
(Percebeu, ignaro, o trocadilho?) duas ou três vezes por semana.
Atrelei meu tílburi junto de outros poucos
e observei que o público local, dessa vez, era pouco. Tampouco importei-me com
isso, como também me importo nada com a observação de qualquer dos meus trinta
leitores sobre a presença de trocadilhos e quaisquer outros quintilhões de
figuras de linguagem utilizados por mim em minhas cônicas crônicas crocantes
(Detesto essa última palavra, mas não sei por quê. Afinal, crocante rima com croissant que c’est très bon).
Pois bem, como dizia, parei meu tílburi num
dos estacionamentos apropriados e, por incrível que pareça, não vi nenhum
cuidador de cavalo, modernamente chamado “flanelinha”, nas proximidades. Então,
pensei: “Ainda bem, pois não tenho moedinha qualquer para fingir que pago ao
“flanelinha”, que finge que vigia meu veículo de tração animal”.
Assim refletindo, dirigi-me à linha de
partida e parti na corrida desabalada, tal como Hermes, o mensageiro dos
deuses, e concluí 6 km em 32 minutos; fora os 32 km, em seis minutos, da
corrida anterior, que deixou meu equino exausto.
Ao retornar ao local do veículo, observei
uma baixinha sexagenária com uma bolsinha(1) na mão, que
arrancava um pouco de capim e dava de comer a Pégaso. Então, perguntei-lhe:
— Por que alimentais meu cavalo?
Ela sorriu, com os dentes inferiores
totalmente “podres”, e respondeu-me, meio sem jeito:
—
Usted no tiene una moneda para una peruana muy deseosa?
Lembrei-me de que só tinha no bolso uma
nota de dez réis e pensei com meus
botões: “Se lhe der dois réis já é
muito, pois ela nem aqui estava quando cá cheguei”. E agora, cá chegando...
Desse modo, julgando, também, que sua bolsa
a tiracolo estava repleta de generosas moedas de outros cidadãos que ali também
amarravam seus burros, propus-lhe generosamente:
— Se a senhora tiver oito réis de troco para dez, eu lhe dou
dois...
Ela balançou a cabeça, negativamente, e
perguntou-me se eu me satisfaria com quatro réis...
Não acreditei em sua resposta e lhe pedi
para colocar, numa de minhas mãos, as moedas que ganhara. Ao todo, contamos
$2,80 (dois réis e oitenta centavos)
em moedas e mais $4,00 (quatro réis),
em duas cédulas, que estavam em sua bolsa. Visto isso, e olhando para seu
sorriso, perguntei-lhe, comovido:
— Mas é só isso que lhe deram até agora?
(Não se esqueça, Jó, que ela aparecera apenas naquela hora, mas naquela hora
meu dó foi grande).
Ela respondeu-me: — Sí, no más. Las
personas casi no los dan nada.
Um pensamento, porém, não me saía da
cabeça, Joteli. E era que se eu trocasse os meus dez réis pelos seis réis e
oitenta centavos dela, a peruana ficaria com $3,20 a mais e eu ainda manteria
no bolso $6,80 para atender aos demais guardadores de burros, tílburis e afins.
Então, não pensei duas vezes, peguei seu troco e deixei em suas mãos minha nota
de dez.
— Essa história lembra-me a do almocreve,
amigo Machado, não sei por quê.
— Pois o espírito é o mesmo, meu caro
amigo. Se o leitor não conhece a história do almocreve, anote esse nome no
google, acrescido de “conto de Machado de Assis”, ou então leia o capítulo XXI
de Memórias Póstumas de Brás Cubas e
compare. Qualquer semelhança é mera mimese.
(1) Tendo em vista que o nome antigo de “bolsinha”
tornou-se chulo, atualizei-o para o vocábulo atual, pois meu secretário é
extremamente pudico.
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Uma das mais criativas crônicas de "Machado" indubitavelmente.
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