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sexta-feira, 31 de março de 2017

Iniciação aos clássicos espíritas




Por que creio na imortalidade da alma

Sir Oliver Lodge

Parte 9

Damos prosseguimento ao estudo metódico e sequencial do livro Por que creio na imortalidade da alma, de autoria de Sir Oliver Lodge, de acordo com a tradução feita por Francisco Klörs Werneck, publicada pela Federação Espírita do Estado de São Paulo em 1989.
Esperamos que este estudo constitua para o leitor uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte compõe-se de: 1) questões preliminares; 2) texto para leitura.
As respostas correspondentes às questões apresentadas encontram-se no final do texto indicado para leitura. 

Questões preliminares

A. A ação telepática pode produzir-se entre dois Espíritos?
B. Como Lodge define os médiuns?
C. Qual é a parte essencial da comunicação espírita?

Texto para leitura

105. Embora a natureza da ação recíproca entre o físico e o psíquico seja desconhecida, o fato em si mesmo é certo e familiar, e de tal modo familiar que não desperta atenção alguma. É considerado um fato normal. Nós mesmos (isto é, o nosso “eu” espiritual e o mental) somos um fato positivo, e o instrumento por meio do qual executamos tais coisas no plano físico é primordialmente o sistema cérebro neuromuscular de nosso corpo. (P. 80)
106. Admitamos que toda pessoa possui uma laringe e uma mão ligadas a um sistema cérebro neuromuscular semelhante ao nosso e que algumas desenvolveram o emprego desses instrumentos da mesma maneira que nós. Seria possível que o mecanismo transmissor de uma outra pessoa não possa jamais ser empregado por nós em lugar do nosso? O fato experimental da telepatia parece sugerir que semelhante coisa é possível. (PP. 81 e 82)
107. A ação telepática comumente produz-se entre dois Espíritos e a passagem do psíquico para o físico pode fazer-se de maneira habitual. A faculdade da telergia parece demonstrar que o aparelho transmissor de um sensitivo ou de uma pessoa dotada pode às vezes ser posto em atividade por outra inteligência. (P. 82)
108. É o que se dá nos fatos da personalidade múltipla, que há muito sugerem a existência do controle de uma inteligência por outras inteligências estranhas, nem sempre benfazejas. Essa faculdade, demonstrada patologicamente e reconhecida sem controle, pode, em certas circunstâncias, ser utilizada para serviços simpáticos. (P. 82)
109. Os médiuns são pessoas que possuem a faculdade de permitir que seus organismos sejam operados por outras inteligências que não as suas. A mediunidade não é, pois, senão a resposta fisiológica a um estímulo de uma outra inteligência. Ela não parece ser uma faculdade rara, embora exista em graus diversos e seja provavelmente suscetível de ser cultivada e melhorada. (P. 82)
110. Muitas pessoas podem obter o que se chama de escrita automática, isto é, permitir que sua mão ou seu braço seja controlado por uma inteligência na aparência estranha, mas benévola, sendo sua inteligência retirada localmente pela intervenção de outra para dar lugar à incorporação e à manifestação. (P. 82)
111. O transe é um afastamento mais pronunciado da atenção consciente. Durante o transe, algumas pessoas podem permitir que seu órgão vocal seja utilizado para a transmissão da palavra e para a expressão de ideias inteiramente fora do seu alcance. (P. 83)
112. O transe difere do sono hipnótico, embora possuam ambos muitos pontos de contato. No estado hipnótico o sensitivo está sob controle da sugestão ou mais ou menos controlado por uma pessoa viva. No estado de transe ou em uma variedade especial desse estado, o organismo pode ser governado por inteligências desencarnadas. (P. 83)
113. A facilidade com que as comunicações se podem estabelecer depende muito da faculdade e habilidade do comunicante e da inteligência da pessoa que as recebe, mas depende também das aptidões e dos hábitos do instrumento fisiológico utilizado. (P. 83)
114. Em cada caso, é preciso considerar que a parte essencial da comunicação é sempre de caráter mental, quer seja ela feita pela palavra articulada, pela escrita ou por uma representação qualquer. (P. 84)
115. Se a harmonia psíquica é estabelecida, a parte física da transmissão pode verificar-se com facilidade. Um gesto pode transmitir muito, sem palavras. A leitura dos lábios é muitas vezes empregada pelos surdos. Linhas negras sobre uma folha de papel constituem o lado físico de um poema. A bizarra faculdade da telepatia prova que, no fim das contas, pode-se mesmo dispensar o menor estímulo físico para estabelecer-se a comunicação. (P. 84)
116. Se os nossos familiares e os nossos amigos existem verdadeiramente, após terem deixado o seu corpo terreno, eles possuem tudo o que é necessário como aparelho psíquico ou mental para estabelecer uma comunicação. O instrumento físico que lhes falta será suprido com a presença de um médium. (PP. 84 e 85)
117. Myers, em seu livro A Personalidade Humana, assevera: “A descoberta da telepatia nos revela a possibilidade de uma comunicação entre todas as formas da vida. E se, como a nossa evidência atual o indica, essas relações telepáticas podem existir entre os Espíritos encarnados e desencarnados, essa lei deve ser o centro mesmo da evolução cósmica”. (P. 87)

Respostas às questões preliminares

A. A ação telepática pode produzir-se entre dois Espíritos?
Sim. A ação telepática produz-se comumente entre dois Espíritos e a passagem do psíquico para o físico pode fazer-se da maneira habitual. (Por que creio na imortalidade da alma, pág. 82.) 
B. Como Lodge define os médiuns?
Os médiuns – diz Lodge – são pessoas que possuem a faculdade de permitir que seus organismos sejam operados por outras inteligências que não as suas. A mediunidade não é senão a resposta fisiológica a um estímulo de uma outra inteligência. (Obra citada, pág. 82.)
C. Qual é a parte essencial da comunicação espírita?
A parte essencial da comunicação é sempre de caráter mental, quer seja ela feita pela palavra articulada, quer seja pela escrita ou por uma representação qualquer. (Obra citada, pág. 84.)


Nota:
Links que remetem aos 5 textos anteriores:




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quinta-feira, 30 de março de 2017

Iniciação ao estudo da doutrina espírita




Finalidade da reencarnação e seu processo

Este é o módulo 21 de uma série que esperamos sirva aos neófitos como iniciação ao estudo da doutrina espírita. Cada módulo compõe-se de duas partes: 1) questões para debate; 2) texto para leitura.
As respostas correspondentes às questões apresentadas encontram-se no final do texto sugerido para leitura. 

Questões para debate

1. Qual é o objetivo da reencarnação?
2. A reencarnação do Espírito é sempre precedida de uma programação feita no Plano Espiritual?
3. Quando se iniciam e se completam os processos reencarnatórios?
4. Qual é o estado da alma durante a gestação?
5. Por que, ao reencarnar, o Espírito não mais se lembra do passado?

Texto para leitura

Finalidade da reencarnação
1. Deus criou os Espíritos simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanto para o mal. O destino de todos é a perfeição espiritual e, para atingi-la, devem passar por experiências e adquirir conhecimentos.
2. A vida na matéria propicia o aperfeiçoamento do Espírito. Ao reencarnar, os Espíritos são submetidos a situações e provas necessárias ao seu adiantamento moral. Quando erram ou não atingem os objetivos propostos, voltam a sofrer as vicissitudes da vida corporal, reencarnando em tarefa expiatória. A vida na matéria possibilita, ainda, a cooperação de cada Espírito com a Obra Divina.
3. A reencarnação está sujeita a leis imutáveis. Os processos de reencarnação, embora obedecendo aos princípios gerais estabelecidos pelas leis divinas, variam de caso para caso, conforme as circunstâncias atenuantes ou agravantes que houver.

União da alma ao corpo
4. A união da alma ao corpo é planejada previamente, tendo como principal determinante no nosso orbe as provas ou expiações pelas quais o Espírito deverá passar. O reencarnante poderá cooperar ou trabalhar ativamente nesse planejamento.
5. De acordo com o grau evolutivo em que se encontre, o Espírito poderá facilitar ou dificultar o processo de renascimento.
6. Os que se detêm no desamor e no desequilíbrio reclamam maior cooperação dos benfeitores que se encarregam do renascimento. Os Espíritos rebeldes ou indiferentes têm sua reencarnação completamente a cargo dos trabalhadores espirituais, que escolhem as condições e as experiências a que deverão se submeter.
7. A maioria dos que retornam ao globo é magnetizada pelos benfeitores espirituais, que lhe organizam novas tarefas redentoras. Muitos reencarnam em estado de inconsciência.
8. Os processos de reencarnação são operações graduais: a união da alma com o corpo começa na concepção, mas só se completa com o nascimento. Essa união efetua-se por meio do perispírito, envoltório fluídico que serve de ligação entre a alma e a matéria. Em processo extremamente variado e complexo, o perispírito é reduzido, condensado e, na sequência, se assimila às moléculas materiais.
9. O perispírito torna-se um molde fluídico que age sobre o corpo em formação, juntamente com as condicionantes hereditárias, a influência mental materna e a atuação dos benfeitores que colaboram no processo reencarnatório.
10. A modelagem fetal e o desenvolvimento do embrião obedecem a leis físicas naturais, qual ocorre na organização das formas em outros reinos da Natureza. Pelas necessidades de expiação ou de provas, o corpo em formação poderá apresentar deficiências ou qualidades que se constituirão em oportunidades de redenção ou reequilíbrio.

Estado da alma durante a gestação
11. No período que se estende da concepção ao nascimento, o estado do reencarnante assemelha-se ao do Espírito encarnado durante o sono. Os Espíritos mais evoluídos gozam de maior liberdade, mas desde o momento da concepção o Espírito sente as consequências de sua nova condição e começa a sentir-se perturbado.
12. Uma espécie de torpor, agonia e abatimento o envolvem gradualmente, intensificando-se até o término da vida intrauterina. Suas faculdades vão-se velando uma após a outra, a memória desaparece, a consciência fica adormecida, e o Espírito como que é sepultado em opressiva crisálida. Esse fenômeno se deve à constrição do perispírito e à sua limitação pelo corpo, que fazem com que a existência no Plano Espiritual e a consciência das vidas pregressas volvam ao inconsciente.
13. O esquecimento do passado não é, contudo, absoluto. Durante o sono, liberado parcialmente dos laços corporais, o Espírito pode ter a consciência do passado, que se manifesta, em muitas pessoas, sob a forma de impressões e em algumas poucas sob a forma de recordações, umas nítidas, outras vagas e imprecisas. As reminiscências do passado podem manifestar-se com tendências instintivas, simpatias inexplicáveis e súbitas, ideias inatas etc. Isso ocorre porque o movimento vibratório perispiritual, amortecido pela matéria no decurso da vida atual, é excessivamente fraco para que o grau de intensidade e a duração necessária à renovação dessas recordações possam ser obtidas durante a vigília.

Esquecimento do passado
14. A oclusão da memória espiritual não é definitiva. Com a desencarnação, liberto das contingências materiais, o Espírito poderá retomar a consciência de seu passado.
15. Esse mecanismo, que faz com que o homem esqueça suas experiências anteriores ao nascimento, é prova irrefutável da Sabedoria Divina, visto que o conhecimento total da vida passada, seja no plano físico como no Plano Espiritual, apresentaria grandes inconvenientes para a reeducação dos indivíduos e o progresso da Humanidade, implicaria maiores dificuldades ao Espírito na tarefa de transformação de sua herança mental e, talvez, o prolongamento através dos séculos de ideias falsas, de teorias errôneas e dos preconceitos.
16. Na sua vida de relações o homem teria de conviver com antigos adversários, com o objetivo da reconciliação. Se os reconhecesse, encontraria dificuldades para estabelecer vínculos afetivos necessários ao atendimento mútuo. Na qualidade de ofensor poderia sentir-se humilhado e, na qualidade de ofendido, magoado ou irado. O conhecimento de um passado faustoso poderia avivar o orgulho humano, enquanto que um passado de miséria ou de erros terríveis poderia causar desnecessária humilhação e, talvez, o remorso viesse a paralisar as iniciativas no bem.
17. Para que o homem progrida espiritualmente e cumpra o programa assumido no plano físico, não é preciso lembrar-se das experiências anteriores.
18. As tendências instintivas e, em alguns casos, o tipo de vicissitudes e provas que sofre também podem esclarecê-lo sobre o seu passado e sobre a natureza dos esforços que tem que fazer para a sua evolução. A observação de suas más inclinações e das dificuldades por que passa permitirá que saiba o que foi, o que fez e o que necessita fazer para se corrigir.

Respostas às questões propostas

1. Qual é o objetivo da reencarnação?
Deus criou os Espíritos simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanto para o mal. O destino de todos é a perfeição espiritual e, para atingi-la, devem passar por experiências e adquirir conhecimentos. A vida na matéria propicia o aperfeiçoamento do Espírito. Ao reencarnar, os Espíritos são submetidos a situações e provas necessárias ao seu adiantamento moral. Quando erram ou não atingem os objetivos propostos, voltam a sofrer as vicissitudes da vida corporal, reencarnando em tarefa expiatória. A vida na matéria possibilita, ainda, a cooperação de cada Espírito com a Obra Divina.
2. A reencarnação do Espírito é sempre precedida de uma programação feita no Plano Espiritual?
Sim. A união da alma ao corpo é planejada previamente, tendo como principal determinante no nosso orbe as provas ou expiações pelas quais o Espírito deverá passar. O reencarnante poderá cooperar ou trabalhar ativamente nesse planejamento e, de acordo com o grau evolutivo em que se encontre, poderá facilitar ou dificultar o processo de renascimento. Os que se detêm no desamor e no desequilíbrio reclamam maior cooperação dos benfeitores que se encarregam do renascimento. Os Espíritos rebeldes ou indiferentes têm sua reencarnação completamente a cargo dos trabalhadores espirituais, que escolhem as condições e as experiências a que deverão se submeter. A maioria dos que retornam ao globo é magnetizada pelos benfeitores espirituais, que lhe organizam novas tarefas redentoras. Muitos reencarnam em estado de inconsciência.
3. Quando se iniciam e se completam os processos reencarnatórios?
Os processos de reencarnação são operações graduais: iniciam-se na concepção e se completam no nascimento. A união da alma com o corpo começa na concepção. Essa união efetua-se por meio do perispírito, envoltório fluídico que serve de ligação entre a alma e a matéria.
4. Qual é o estado da alma durante a gestação?
No período que se estende da concepção ao nascimento, o estado do reencarnante assemelha-se ao do indivíduo encarnado durante o sono. Os Espíritos mais evoluídos gozam de maior liberdade, mas desde o momento da concepção o Espírito sente as consequências de sua nova condição e começa a sentir-se perturbado. Uma espécie de torpor, agonia e abatimento o envolvem gradualmente, intensificando-se até o término da vida intrauterina.
5. Por que, ao reencarnar, o Espírito não mais se lembra do passado?
O esquecimento do passado decorre do fato de que, durante a gestação, as faculdades do Espírito vão-se velando uma após a outra, a memória desaparece, a consciência fica adormecida, e ele como que é sepultado em opressiva crisálida. O fenômeno se deve à constrição do perispírito e à sua limitação pelo corpo, que fazem com que a existência no Plano Espiritual e a consciência das vidas pregressas volvam ao inconsciente. O esquecimento do passado não é, contudo, absoluto. Durante o sono, liberado parcialmente dos laços corporais, o Espírito pode ter a consciência do passado, que se manifesta, em muitas pessoas, sob a forma de impressões e em algumas poucas sob a forma de recordações, umas nítidas, outras vagas e imprecisas.


Nota:
Eis os links que remetem aos 5 últimos  textos:




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quarta-feira, 29 de março de 2017

Pílulas gramaticais (250)




Observe esta frase: “Democracia sem tolerância e respeito pelo outro é um oximoro”. Qual é o seu significado?
O autor da frase quer dizer que não pode haver democracia sem tolerância e respeito pelo outro. Se tal situação existir em algum lugar, estaremos diante de um contrassenso, de um paradoxo.
Oximoro é, como vemos, uma figura de linguagem que tem como característica reunir, em um texto, palavras ou ideias contraditórias, paradoxais. É o mesmo que paradoxismo.
Embora considerado uma figura da retórica clássica, um oximoro, dependendo do contexto, pode ser considerado um vício de linguagem.
Diante de um texto qualquer em que esteja presente essa figura de linguagem, o leitor é, assim, forçado a buscar o sentido metafórico da frase, providência necessária, muitas vezes, quando lemos crônicas ou poemas, como vemos neste texto de Carlos Drummond de Andrade:

“A explosiva descoberta
Ainda me atordoa.
Estou cego e vejo.
Arranco os olhos e vejo.”

Eis alguns exemplos clássicos de oximoro:

silêncio ensurdecedor
inocente culpa
gelo fervente
declaração tácita
guerra pacífica
doce veneno
gênio ignorante
tristemente alegre
inimigo amistoso
estudioso sem-noção
mentiroso honesto
valentia covarde
amor violento
silêncio eloquente.

No tocante à pronúncia, oximoro é uma palavra paroxítona que, segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, deve ser lida assim: oc-si-mô-ro.
Ocorre que inúmeros dicionários admitem também a forma oxímoro, proparoxítona. Entre eles citamos o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, o Dicionário de usos do português do Brasil, de Francisco Borba, o Dicionário Aulete e o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.



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terça-feira, 28 de março de 2017

Contos e crônicas


O luthier

CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR

Pierre Chantal era um luthier que morava na casa cinza com muitas janelas. (1) Ele era francês. Também havia muitos gatos na casa, eram os seus “chats”, gatos em francês, mas sem pronunciar as duas últimas consoantes, simplesmente [chá]. A língua francesa é muito misteriosa, pois se escrevem todas as letras, mas nem todas são pronunciadas. O senhor Chantal também era misterioso e ainda construía violinos.
Dois dos gatos eram cinza; outros dois, brancos; outros dois, pretos e apenas um, malhado, com fundo branco e pintas amarronzadas, total de sete gatos. E como havia sete grandes janelas, cada gato se exibia, sentado, no parapeito de uma delas, e sabe-se lá como, cada dia um gato ficava numa janela, com rodízio em sentido horário, e durante a semana não se confundiam... gatos são gatos... inteligência, observação e uma certa metidez. E tanto lambiam seus pelos, suas patas. Tomavam, rigorosamente, o sol da manhã, sabiam a hora do almoço; à tarde passeavam pela redondeza e por volta das cinco e meia da tarde, antes de a empregada fechar as janelas e ir embora, os sete gatos retornavam para não mais saírem à noite, só, mesmo, no dia seguinte.
Quanto à empregada, ela se chamava Seraphine e trabalhava para o senhor Chantal há mais de trinta anos.
E o senhor Chantal, muito pouco, saía de casa. Ele transformou uma área bem grande de dentro da casa em sua oficina. As duas salas espaçosas se tornaram seu local de trabalho.
Naquela oficina com sete janelas, muitos violinos foram construídos. Violinos coloridos, grandes, pequenos, alguns que só tocavam músicas russas; outros, apenas músicas italianas; outros ainda, músicas japonesas; ainda outros foram construídos, simplesmente, para tocarem músicas sacras. Alguns violinos foram construídos para crianças; outros, para jovens; outros, ainda para adultos e uma quantidade, para as pessoas mais velhas.
O senhor Chantal amava construir violinos ou talvez isso o ajudava a esquecer algo. Ele construiu violinos durante quase toda a sua vida. Ele não se casou, não formou família, não teve filhos por isso não brincou com esses filhos; ele nem conheceu outros países, nem pessoas; nem quis ver mais vezes o céu, admirar as estrelas e sentir o calor do sol. Ele nunca foi à feira às terças-feiras; Seraphine quem ia, ela pagava as contas, fazia as compras e também cuidada da conta no banco. O senhor Chantal, a maioria das vezes, recebia o pagamento dos violinos por depósito bancário; outras poucas vezes recebia em dinheiro em sua oficina.
E os gatos... eles não foram comprados, nem buscados em algum lugar pelo senhor Chantal. Os gatos foram aparecendo, na verdade, um foi chamando o outro. E, incrivelmente, quando somaram sete, mais nenhum gato apareceu. Sete janelas; sete gatos.
Durante o dia todo, o senhor Chantal ouvia música clássica, calma, em volume baixo; os gatos pareciam gostar, pois ficavam sentados no parapeito da janela com os olhos mais fechados que abertos. Também eram calmos e nem miavam muito, só mesmo quando estavam com fome de leão. Mas a senhora Seraphine não os deixava com tanta fome assim, colocava ração para eles e também água limpa todos os dias pela manhã, se precisasse colocava mais água durante o dia, mas ração era só uma vez, mesmo assim, nunca ficaram com fome de leão.
No vidro de bolachas sempre havia umas bolachinhas de nata que Seraphine fazia; o senhor Chantal gostava de comer umas delas às quatro da tarde com uma xícara de chá e ele deixava algumas no canto de um pequeno tapete na sala para os gatos quando chegassem do passeio vespertino. Eles quase sempre comiam tudo.
Cada gato tinha um nome e todos os bichanos eram educados e mansos e eram sempre chamados pelo nome tanto por Seraphine quanto pelo senhor Chantal, mas o luthier pouco os chamava, ele só queria mesmo construir violinos. Isso não quer dizer que ele não gostava deles, apenas não os chamava, pois os bichanos sempre estavam por perto e estes também gostavam do senhor Chantal e gostavam também de Seraphine. Era na verdade, um relacionamento sem cobranças, só isso.
Senhor Chantal e Seraphine pouco se conversavam, mas muito se entendiam.
Há uma revelação: ele, todo dia 15 de cada mês, saía às oito horas da manhã, com algumas flores colhidas de seu jardim, e retornava entre dez e dez meia.
Senhor Chantal trabalhava com roupas formais, calça com vinco, camisa de manga comprida, normalmente de cor clara, e suspensórios. Vestia-se assim, pois se algum cliente chegasse já estava arrumado para recebê-lo, era isso que um dia explicou para Seraphine. E ele recebia encomendas de vários países, mas essas encomendas ‒ os violinos ‒ eram feitas por telefone. Então, depois de prontos, os violinos eram despachados pelo correio que vinha busca-los na casa do luthier.
Sábados e domingos eram dias comuns, de muito trabalho, apenas o fazedor de violinos encerrava o expediente às quatro da tarde, hora do chá com bolachas, e ia conferir seu belo jardim feito, aos pouquinhos, durante cada sábado e domingo depois das quatro ao longo da vida.
Com as mãos, enlaçadas, para trás das costas, o senhor Chantal observava as flores e sabia detalhes de cada uma. Olhava minuciosamente e também conversava com elas; isso ele havia aprendido quando era bem criança, com seu avô que o criara, este lhe havia ensinado que as plantas tinham sentimento. E esse aprendizado fora muito apreciado por Pierre Chantal.
E observava e fazia um carinho de leve nas folhinhas, mas não em todas, eram muitas. E naquele domingo, depois de o jardim ter sido observado pelo olho clínico do próprio cultivador e também de ter sido regado, pois o senhor Chantal usava um belo regador antigo e afirmava, nas poucas palavras, que a regagem por regador era mais carinhosa, o homem se recolheu quase seis da tarde; as andorinhas buscavam os ninhos, todo mundo quer voltar para casa, para quem ama. O sol estava alaranjado e bem fraquinho sumindo no horizonte. O dia estava acabando para começar a noite.
E para o senhor Chantal, a noite não era tão bem-vinda, era o período que podia ouvir mais os sentimentos, sentir mais saudade... saudade.
Os gatos eram os companheiros, mas eles eram quietinhos e dormiam cedo, logo depois de comerem alguma ração sobrada no potinho ou algum restinho de bolacha no tapete.
Mais uma noite e o senhor estava sozinho, em sua casa, com a saudade e os sentimentos.
Ele gostava de assistir a programas sobre cultura e músicas clássicas, mas, muitas vezes, apenas olhava para a tela da TV sem assistir a nada. E quando algum programa apresentava concertos com peças mais dramáticas, então, seu olhar ainda mais se perdia no espaço e algumas lágrimas escorriam pela face do senhor francês.
E nessa noite, quando a saudade não cabia mais em seu peito, e a tristeza o tomara, senhor Chantal, em desespero, suplicou a paz que há muito não sentia, desde quando começou a construir violinos. Num ato desatinado, encolhendo-se na poltrona, com a face banhada, começou a verbalizar sua dor...
‒ Há quanto amo, há quanto sofro... nada mais me resta. Desde aquele 15 de abril do fatídico ano, não mais pude viver... sobrevivo, pois sou insignificante demais para me tirar o que Deus me concedeu... mas confesso que muito já pensei ‒ falava com voz alta que há muito não se ouvia. ‒ Por quê? Por que com tanto amor não tive tempo de doar... para minha Gabrielle... que me deixou por, equivocadamente, comer uma pequenina fruta venenosa, pensando que fosse uma doce fruta comum no parque onde passeávamos uma semana antes de nosso casamento... Por quê? Ajude-me, Pai!
O senhor Pierre Chantal desfaleceu na poltrona. Certamente, vai melhorar, pois fora a primeira vez que exteriorizou seu sofrimento; a cura, enfim, começara.
Sou o primeiro violino a ser construído pelo grande luthier. Sou o início da fase da construção da alegria para muitos corações por meio da música, já que o do senhor francês vivera até agora na aflição dos dias, entretanto, poderá, a partir de hoje, sentir os acordes com mais leveza, pois se permitiu chorar e revelar a dura dor; o pedido de ajuda estava feito, a bondade divina poderá finalmente operar.
A partir do fatídico dia é que o senhor Chantal começou a construir violinos; “Gabrielle amava o som dos violinos”, o senhor Chantal sempre murmurava.

(1) Luthier (palavra francesa, de luth, alaúde: leia-se lutiê): artesão que fabrica ou repara instrumentos de corda com caixa-de-ressonância.
   

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segunda-feira, 27 de março de 2017

As mais lindas canções que ouvi (235)


Brilho

Vansan


Existe um brilho em você,
que me atrai e me trai,
fazendo mais e mais a amar,
não sei por quê.

Existe um brilho em seus olhos
que me chama a atenção,
 e põe mais perto minhas mãos
de suas mãos...

Existe luz nesse brilho,
 existe amor nessa luz
e cada vez que eu a vejo
 desejo mais conhecer
 por que essa luz tão intensa?
por que essa chama ainda acesa?
 por que amar tanto assim você?




Você pode ouvir a canção acima, na voz do intérprete abaixo, clicando no link indicado:





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domingo, 26 de março de 2017

Reflexões à luz do Espiritismo


O jovem de hoje, é bom lembrar, foi o idoso de ontem

Devemos ao Espiritismo a importante notícia de que nossas existências fazem parte de um longo processo, em que passado, presente e futuro se apresentam entrelaçados, como elos de uma mesma corrente.
É natural, portanto, que os jovens de hoje revelem um idealismo, uma força de vontade, uma busca de mudanças que as pessoas de idade mais avançada geralmente não mostram, ressalvadas, evidentemente, as compreensíveis exceções.
Esse fato, tão conhecido de todos nós, não é difícil de compreender. É que o jovem de hoje foi o idoso de ontem, de existências que se foram, e por isso sente naturalmente – sem ter lembrança alguma do passado – que tem também responsabilidade pelas nódoas, pelos erros, pelos crimes que fizeram com que a sociedade terrena chegasse à condição em que nos encontramos.
Suas aspirações de mudança são legítimas, mas os desafios e os obstáculos são muitos e complexos.
Como reverter o estado de beligerância que caracteriza a sociedade atual?
Como extinguir a corrupção, as desigualdades, os preconceitos?
Como implantar a paz, a fraternidade, a convivência pacífica entre os povos?
Ante tais problemas é fácil deduzir que não se trata de tarefas para uma única geração, mas para muitas. É preciso, todavia, dar o primeiro passo e nesse sentido o papel da juventude é da maior relevância.
Como diz o jovem Victor Abranches em entrevista publicada recentemente na revista “O Consolador”, a mocidade tem “a missão de transformar o mundo em aspectos mais profundos, e ao mesmo tempo mais sutis, do que as mudanças que vêm ocorrendo devido às últimas gerações”. E tem ainda, segundo ele, “uma outra grandiosa missão: a de preparar a próxima geração para dar continuidade à evolução da Humanidade e, consequentemente,  do planeta”. [Cf. http://www.oconsolador.com.br/ano10/464/entrevista.html ]
Sobre os sonhos da mocidade, muitos dos quais fenecem em pouco tempo, geralmente antes mesmo do seu ingresso na fase da chamada maturidade, é bom lembrar uma importante lição consignada por Emmanuel em sua obra Caminho, Verdade e Vida, psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier:

Quase sempre os que se dirigem à mocidade lhe atribuem tamanhos poderes que os jovens terminam em franca desorientação, enganados e distraídos.
Costuma-se esperar deles a salvaguarda de tudo.
Concordamos com as suas vastas possibilidades, mas não podemos esquecer que essa fase da existência terrestre é a que apresenta maior número de necessidades no capítulo da direção.
O moço poderá e fará muito se o espírito envelhecido na experiência não o desamparar no trabalho.
Nada de novo conseguirá erigir, caso não se valha dos esforços que lhe precederam as atividades. Em tudo, dependerá de seus antecessores.
A juventude pode ser comparada a esperançosa saída de um barco para viagem importante. A infância foi a preparação, a velhice será a chegada ao porto.
Todas as fases requisitam as lições dos marinheiros experientes, aprendendo-se a organizar e a terminar a viagem com o êxito desejável.
É indispensável amparar convenientemente a mentalidade juvenil e que ninguém lhe ofereça perspectivas de domínio ilusório.
Nem sempre os desejos dos mais moços constituem o índice da segurança no futuro.
A mocidade poderá fazer muito, mas que siga, em tudo, “a justiça, a fé, o amor e a paz com os que, de coração puro, invocam o Senhor”. (Caminho, Verdade e Vida, cap. 151.)



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