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sábado, 4 de março de 2017

Contos e crônicas


Farinha do mesmo saco

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

— Joteli, vou contar-lhe uma história interessante. Há algum tempo, uma grande família real estava com um problema difícil de resolver. O rei, alegando problemas de saúde, abdicara em favor da rainha.
Um dia, descobriu-se que o ex-monarca possuía bens não declarados à Receita Federal, os quais sua imensa família considerava ilegais e, então, contratou-se um juiz para julgá-lo e encarcerá-lo.
— E qual foi o resultado da ação judicial familiar, meu caro Bruxo?
— Sobrou para a rainha, que tentou nomear seu companheiro como ministro da justiça e o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Alegou-se que a monarca cometera uma farsa, a fim de que o marido obtivesse foro judicial privilegiado. A decisão da Corte Maior foi a seguinte: nem o ex-rei poderia ser ministro, nem a rainha deveria permanecer no cargo, embora esta mantivesse seus direitos políticos e patrimônio público, em virtude da interpretação do artigo constitucional ter sido confundida por uma vírgula...
— Mas não havia vírgula no artigo, ó grande guru!
— Se não havia, alguém a colocou lá, para confundir o presidente do Supremo... Depois disso, novo rei assumiu o poder e, como tinha um amigo muito influente ameaçado de ser preso, criou um ministério e o nomeou ministro.
— Já sei o que aconteceu, Machado, ele também foi impedido pelo STF de exercer o cargo, por estar sendo investigado por lavagem de dinheiro etc.
— Negativo, Joteli, retiraram a vírgula do texto constitucional, acrescentada ilegalmente, que possibilitou sua nomeação. Mas vou aproveitar para contar-lhe o que levou esse político a tão elevado conceito. O atual monarca, que diminuíra o número de ministérios do governo, alegando desperdício do erário, viu exagero em sua própria conduta e, desse modo, criou o “Ministério da Agricultura”, para o qual nomeou o amigo...
— Vá lá, chefe, termine logo a história e acabe com minha ansiedade, uma vez que meu nutricionista me passou um regime à base de farináceos...
— Aconteceu que o amigo, agora ministro, vendia farinha, proveniente de sua grande fazenda, aos súditos do rei. Esse produto era comercializado em dois armazéns situados um à esquerda, outro à direita do Paço Imperial. No início, a maioria dos compradores pensava que o produto do armazém da direita fosse melhor que o da esquerda... Um dia, porém, os clientes perceberam que estavam sendo logrados, pois a farinha de ambos os armazéns era da mesma qualidade, embora tivesse preços diferentes. Por isso, o agora “ministro” fora processado, mas, como diz o ditado: “Aos amigos do rei, tudo...”, esse político virou ministro da Fazenda e continua fazendo das suas...
— Sabendo disso, não compro mais farinha provinda desse ministério, meu caro Bruxo, pois é tudo farinha do mesmo saco... Vou propor ao meu nutricionista mudança de regime...
— Não sei não, Joteli... atualmente, mudança de regime só será possível com a troca dos políticos atuais desta república de bananas.
— Agora entendi, Machado, o que você quis dizer em sua crônica de 5 de março de 1867: “[...] eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano, porque esse dia seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o Sol jamais alumiou...”
— Pois é, há exatos 150 anos. Mude seu regime, amigo; mude seu regime com urgência!






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