Longe de tudo. Perto das estrelas
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Dia destes, conversando com meu mestre
Machado, que agora se recusa tratar-me como seu secretário, e sim como amigo,
ouvi dele a explicação de que, muitas vezes, foi considerado injustamente, pela
crítica, como absenteísta. Repeli veementemente aquela imerecida distinção, mas
tal foi sua insistência que, muito constrangido, disse-lhe o seguinte:
— Machado, sinto-me ainda a anos-luz de tão relevante distinção...
Segundo o Espírito Emmanuel, precisamos de duas asas para irmos a Deus:
Uma chama-se amor; a outra, sabedoria. Pelo
amor, que, acima de tudo, é serviço ao semelhante, a criatura se ilumina e
aformoseia por dentro, emitindo em favor dos outros o reflexo de suas virtudes;
e pela sabedoria, que começa na aquisição do conhecimento, recolhe a influência
dos vanguardeiros do progresso, que lhes comunicam os reflexos da própria
grandeza, impelindo-a ao Alto (XAVIER, 2016, cap. 4).
Em resposta, ouvi do Bruxo a seguinte
reflexão:
— Podemos também simbolizar modernamente, no
avião, o corpo e, no Espírito, o piloto. Essa “ave metálica”, assim como
necessita das asas do amor e da sabedoria,
também requer o motor da vontade e o combustível da humildade para elevar-se
acima dos píncaros. Continue simples, e jamais me afastarei de você.
— É verdade, concluí. Vontade e humildade
impulsionam o amor e a sabedoria. Somente assim, o Espírito terá forças suficientes para superar a horizontalidade da
matéria pela verticalidade do anjo,
quando então estará em condições de “ver Deus”. Mas, responda-me agora: onde
podemos identificar, em sua obra, provas incontestes do seu empenho em favor da
causa abolicionista?
— Cito apenas dois exemplos: em meus
trabalhos nos Ministérios sempre que esteve em pauta o direito de qualquer
negro e sua família, manifestei-me favoravelmente a estes; e, dias após a
chamada Lei Áurea, ironizei em
crônica a hipocrisia do homem branco em relação ao negro alforriado. Releia
minha crônica de 19 de maio de 1988, publicada no jornal Gazeta de Notícias. É, principalmente, nas minhas crônicas que você
encontrará a “fina ironia” deste neto de escravos sobre o tratamento desumano e
humilhante sofrido por minha etnia no Brasil.
— E na política, onde você se fez presente?
— Não somente nos romances, como em
diversas crônicas e em alguns contos... Leia, amigo, leia muito! Afinal, para
que lhe servem mil obras em suas estantes?
Antes de despedir-se com um afetuoso
piparote em minha orelha esquerda, arrematou:
— O amor
precisa transcender o apelo das paixões e fraquezas materiais; a sabedoria precisa exercitar a caridade
sob o impulso do motor da vontade;
mas o sublime combustível que nos permitirá a subida é a humildade, sem
a qual podemos despencar das alturas.
Agradeci-lhe as sábias palavras e
prometi-lhe meu esforço em continuar sendo-lhe fiel servidor.
Ao afastar-se, ele sorriu-me, generoso como
sempre, e lembrou-me, ainda, estes versos do poeta Cruz e Sousa: “[...] as
almas irmãs, almas perfeitas,/ Hão de trocar, nas Regiões eleitas,/ Largos
profundos, imortais abraços!”
E eu ali estupefato e mudo:
— Ainda
plano longe desses laços!
Perto das estrelas. Longe de tudo!
Referências:
XAVIER, Francisco Cândido. Pensamento e vida. Pelo Espírito
Emmanuel. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016, cap. 4, p. 19.
SOUZA, Cruz e. Poema intitulado Longe de tudo.
Obs.: as referências a
Machado de Assis, em todas as nossas crônicas, são puramente fictícias, salvo
quando se trata de fatos notórios.
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