Um homem célebre
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
—
Ah! o senhor é o Vicente Vítor?
Bem-humorado,
Vicente, moço de 27 anos, disse-lhe que sim, era o próprio.
Estavam
num sarau organizado pela viúva Camargo, em maio de 1884, e quem fizera a
pergunta fora Sinhazinha Mota, menina de dez anos, admiradora de Vítor, pelas
obras clássicas maravilhosas que este compunha.
Vicente
sonhava compor música pop, embora
houvesse herdado de seu pai o gosto pelos grandes clássicos: Bach, Beethoven,
Chopin, Schumann, Mozart... O motivo era simples: as cantigas populares vendiam
milhões de cópias, ao passo que as composições clássicas apenas eram apreciadas
nas altas rodas sociais.
O
produtor musical de suas obras, entretanto, bem como seus amigos e amigas,
gostavam muito das composições de Vicente. Certo dia em que este compôs uma
sonata, intitulou-a Viúva Camargo,
nome da senhora de 28 anos com a qual sonhava casar-se e que era a linda e jovem
mãe de Sinhazinha Mota. O editor, porém, discordou:
—
Vicente, sua composição é sublime demais para que você não lhe dê o título de Ave Maria dos ricos de espírito.
Vicente
Vítor não gostava de contrariar seu editor musical, que já lançara trinta de
suas composições; por isso, sufocou sua paixão e concordou com ele. Somente
impôs uma condição: que fosse gravada no disco uma dedicatória: “À
Excelentíssima Senhora Marina Camargo”. Assim foi feito, e o disco alcançou
enorme sucesso de público e a gratidão da viúva, que aceitou casar-se com
Vítor, por quem também se apaixonou, seis meses depois.
Infelizmente,
porém, a viúva era tísica e, no ano seguinte ao casamento, ou seja, em 1885,
entregou sua alma a Deus.
A
partir desse dia, Vicente Vítor deixou de compor os clássicos e resolveu voltar
ao seu antigo sonho de produzir música pop.
Entretanto, sentava-se ao piano, começava a escrever e... nada de música pop. Somente lhe ocorriam sons de chuva
caindo, árias angelicais, réquiens e sonatas ao luar, entre outros acordes
clássicos. O luto não o deixava, e seu produtor já o procurara, preocupado com
sua falta de inspiração.
Numa
manhã, ao sair de casa totalmente concentrado na ideia de produzir um grande
sucesso musical country, seu mordomo
perguntou-lhe se Vítor não desejaria levar o guarda-chuva, pois a natureza
anunciava temporal.
Ouvindo
isso, o festejado compositor clássico adentrou novamente a casa, sentou-se ao
piano e compôs... mais uma música clássica. A última de sua vida.
Não
me peça as cifras, amigo leitor, mas o título e a letra são estes:
Noite da Rainha
A
tristeza arde no meu coração.
Morta!
e o desespero arde no meu peito.
Morta!
e o desespero arde no meu peito.
Não
mais sentir você.
Marina!
Não
mais ouvir seu sorriso.
Menina!
Não
tem mais jeito.
Dor
e saudade da morta querida.
Dor
e saudade da morta querida.
Nunca
mais ver minha mulher.
Oh,
nunca mais!
Oh,
nunca mais!
Jamais
terei nos braços minha amada,
A
musa inspiradora dos meus versos.
Oh,
não se vá! fique mais um pouco.
Oh, não
se vá! Não me deixe louco.
Não
me abandone para sempre!
Não
me deixe eternamente!
Mas
eis que um vulto se aproxima,
É
Marina! É Marina!
Abre
seus braços e me chama:
Oh,
meu amigo!
Oh,
vem comigo!
Era
noite,
Noite
da rainha!
Foi
um sucesso de venda. Nada menos de quinhentas cópias... Uma delas foi colocada
no túmulo do casal que, conforme seu desejo, fora sepultado junto.
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