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sábado, 28 de outubro de 2017

Contos e crônicas





Causos da caserna


JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Amigo leitor, acabo de ler uma piada de caserna na Seleções Reader’s Digest de outubro, narrada por Nélson Goud. Segundo ele, certo dia em que praticava tiro com fuzil, ao ser colocado a duzentos metros do alvo, errou a pontaria, embora todos os seus tiros houvessem passado rente ao alvo. Ainda assim, o sargento instrutor do treinamento o aprovou e justificou desse modo sua aprovação: “Você sufocaria qualquer um com toda a poeira que levantou”.
Em minha época de militar do Exército, em Realengo, RJ, certo dia, realizávamos treinamento de tiro em alvos colocados acima de um morro. Chegada minha vez, após disparar seis tiros de fuzil e errar todos, ouvi do oficial responsável pelo treinamento o seguinte: “Você errou todos os tiros, mas, se houvesse alguém atrás do morro, agora estaria morto”.
Sou dessas pessoas que, por vezes, trocam o dia pela noite, e isso causou-me uma série de embaraços na vida militar. Um dia em que nossa companhia acampou, fazia muito calor. Logo após o almoço, vi um dos caminhões da companhia estacionado um pouco afastado da tropa e, por estar com muito sono, subi em sua carroçaria, deitei-me e adormeci. Quando acordei, sacudi uma cobra morta que, por brincadeira, alguém colocou sobre minhas pernas.
Se a intenção fora assustar-me, o tiro saiu pela culatra, pois logo vi que o ofídio estava morto e, calmamente, desci do caminhão e retornei às minhas atividades. Até hoje, desconheço o autor do “trote”... Os militares são muito brincalhões.
Eu, porém, embora tenha feito o primeiro curso, no Exército, na área de comunicações e conhecesse muito bem os regulamentos militares, resolvi mudar de qualificação militar (QM) original para a de saúde, que naquele ano oferecia essa possibilidade, por excesso de vagas nesta última QM.
Ao ser transferido para o 19º Batalhão de Caçadores, em Salvador, BA, percebi, insatisfeito, que os militares de saúde dessa unidade concorriam à escala de serviço de guarda. No primeiro dia em que fui escalado para comandar a guarda, o capitão comandante de minha companhia entrava pelo portão do quartel, e eu não perdi tempo, com a guarda em forma, dei-lhe ordem de apresentar arma para o capitão.
A partir desse dia, todos os militares da área de saúde do quartel passaram a concorrer à escala exclusiva do serviço de saúde. O motivo foi simplesmente que meu comando não deveria ter sido de “apresentar armas” e sim de “ombro armas”, pois só se apresenta armas, nos quartéis, para coronéis ou superiores hierárquicos destes.
Percebi que nesta encarnação não nasci para “ser militar”, mas para “estar militar”, em virtude de meu código genético não ser compatível com o despertar de madrugada, sem que passasse o dia inteiro sonolento. Nos últimos doze anos de caserna, meu ritmo biológico ainda ficara mais comprometido, durante o dia. Acontece que, ao chegar do quartel, tomava banho, jantava e ia dar aula de português em alguns colégios de Brasília, o que fiz durante vinte e dois anos, até que problemas auditivos me impedissem de continuar esse trabalho.
Então, deixo aqui minha sugestão aos militares: verifiquem o ritmo biológico de seus soldados, antes de julgarem que estes são indisciplinados, pois há muitas pessoas que produzem melhor à noite, ou após uma soneca. Era o meu caso.
De qualquer forma, permitir a um ser humano sonolento que durma um pouco, caso precise, para melhor desempenhar suas tarefas profissionais, é sábia atitude das empresas modernas.






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