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terça-feira, 31 de outubro de 2017

Contos e crônicas







O desejo do menino Davi

CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR

Entre tantas pessoas que também desejam, Davi só queria conversar, pois, assim, conseguiria atenção. Mas seus pais eram muito ocupados com o trabalho, as reuniões, os prazos a serem cumpridos.
“Filho, qual presente você quer esta semana?”
Essa era a pergunta que a mãe toda semana fazia para o filho.
“Não...”
A mãe já havia saído de perto para resolver alguma pendência profissional pelo telefone quando a resposta do filho seria dada.
“Não quero presente... quero conversar com você, mamãe...”
E o menino respondia para si.
Davi tinha todas as novidades tecnológicas e convencionais que as crianças de onze anos desejam e passava quase todo o seu tempo, além da escola, sozinho, sem conversar em casa, e caso conversasse eram apenas diálogos virtuais e escritos com algum colega ou respondia, com sim ou não, às recomendações maternas.
Essa rotina já se estendia há uns anos, porém, o menino ultimamente estava sentindo mais. Havia tantas perguntas a serem respondidas, tantos abraços a serem dados, tantos sorrisos a nascerem, tanto a ser vivido. E há algum tempo, Davi, sempre sozinho, acostumou-se a descansar um pouquinho após o almoço. Deitava em sua cama e até dormia um soninho.
Naquela tarde, no momento do descanso, antes de dormir o soninho, sentou-se à escrivaninha e começou a escrever numa folha uma carta para seus pais:

Papai e mamãe,
Tenho muitas coisas para repartir com vocês.
Na escola, o professor José nos deu um texto sobre a real essência da vida ‒ procurei no dicionário o que significa a palavra essência ‒, a família, os amigos, o meio ambiente, os animais, as boas ações como amar as pessoas e que elas são muito, muito importantes. O professor nos explicou que não teria nenhuma graça se no Planeta não existissem pessoas e mesmo com tanta tecnologia nada é capaz de substituir o relacionamento humano ‒ procurei outras palavras no dicionário. O professor nos falou que a simplicidade é como a estrela no céu sempre brilha e todos querem ver, que o carinho é massagem no coração, que a atenção é como o calorzinho do sol numa manhã fria, que conversas em família são tão necessárias quanto um prato de comida no almoço.
Os outros professores também nos explicaram muitas coisas importantes de verdade. Várias não entendi muito bem porque deveriam ser discutidas em família ‒ não consegui sozinho. Hoje tenho uma atividade para fazer em família de novo, não sei se vou conseguir sozinho. É para responder às perguntas: do que mais sinto falta e o que desejo em minha vida. Pensei muito para responder... pensei durante horas e percebi que a resposta é parecida para as duas perguntas: do que sinto falta é de minha família e o que desejo é viver com uma família de verdade; que meus pais conversem comigo e me deem amor e atenção e não presentes toda semana; quero passear em parques onde o piquenique seja obrigatório; que meu pai brinque comigo e minha mãe cuide de mim como mãe e não como... profissional, empresária; que meus pais me contem o que faziam quando eram crianças... e que eles cheguem mais cedo do trabalho para me ajudarem com as atividades e a participarem da minha vida. O que eu mais quero é viver como uma família de verdade.
Com amor,
seu filho Davi, que está com muita saudade de vocês.

Os pais chegavam mais ou menos às 22h como era de costume e passavam no quarto do filho para dar-lhe só um beijinho. O menino, a essa hora, já havia ido para a cama e dormia, no entanto, a folha escrita ficou em cima da escrivaninha.
Naquela noite, a rotina se rompeu com as palavras escritas pelo coração de uma criança que deseja apenas viver como ser que necessita de amor, carinho, atenção, respeito, calor humano e não só de efemeridades compradas em lojas físicas ou virtuais.
Davi dormia quietinho enquanto os pais, sentados à beira da cama, despertavam com choro para a verdadeira vida que afaga o coração.
Mas o sol brilhará na manhã seguinte.

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