O desejo do menino Davi
CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR
Entre tantas pessoas que também desejam, Davi só queria conversar,
pois, assim, conseguiria atenção. Mas seus pais eram muito ocupados com o
trabalho, as reuniões, os prazos a serem cumpridos.
“Filho, qual presente você quer esta semana?”
Essa era a pergunta que a mãe toda semana fazia para o filho.
“Não...”
A mãe já havia saído de perto para resolver alguma pendência
profissional pelo telefone quando a resposta do filho seria dada.
“Não quero presente... quero conversar com você, mamãe...”
E o menino respondia para si.
Davi tinha todas as novidades tecnológicas e convencionais que as
crianças de onze anos desejam e passava quase todo o seu tempo, além da escola,
sozinho, sem conversar em casa, e caso conversasse eram apenas diálogos
virtuais e escritos com algum colega ou respondia, com sim ou não, às recomendações
maternas.
Essa rotina já se estendia há uns anos, porém, o menino ultimamente
estava sentindo mais. Havia tantas perguntas a serem respondidas, tantos
abraços a serem dados, tantos sorrisos a nascerem, tanto a ser vivido. E há
algum tempo, Davi, sempre sozinho, acostumou-se a descansar um pouquinho após o
almoço. Deitava em sua cama e até dormia um soninho.
Naquela tarde, no momento do descanso, antes de dormir o soninho,
sentou-se à escrivaninha e começou a escrever numa folha uma carta para seus pais:
Papai e mamãe,
Tenho muitas coisas para
repartir com vocês.
Na escola, o professor José
nos deu um texto sobre a real essência da vida ‒ procurei no dicionário o que
significa a palavra essência ‒, a família, os amigos, o meio ambiente, os
animais, as boas ações como amar as pessoas e que elas são muito, muito
importantes. O professor nos explicou que não teria nenhuma graça se no Planeta
não existissem pessoas e mesmo com tanta tecnologia nada é capaz de substituir
o relacionamento humano ‒ procurei outras palavras no dicionário. O professor
nos falou que a simplicidade é como a estrela no céu sempre brilha e todos
querem ver, que o carinho é massagem no coração, que a atenção é como o
calorzinho do sol numa manhã fria, que conversas em família são tão necessárias
quanto um prato de comida no almoço.
Os outros professores
também nos explicaram muitas coisas importantes de verdade. Várias não entendi
muito bem porque deveriam ser discutidas em família ‒ não consegui sozinho.
Hoje tenho uma atividade para fazer em família de novo, não sei se vou
conseguir sozinho. É para responder às perguntas: do que mais sinto falta e o
que desejo em minha vida. Pensei muito para responder... pensei durante horas e
percebi que a resposta é parecida para as duas perguntas: do que sinto falta é
de minha família e o que desejo é viver com uma família de verdade; que meus
pais conversem comigo e me deem amor e atenção e não presentes toda semana;
quero passear em parques onde o piquenique seja obrigatório; que meu pai brinque
comigo e minha mãe cuide de mim como mãe e não como... profissional,
empresária; que meus pais me contem o que faziam quando eram crianças... e que
eles cheguem mais cedo do trabalho para me ajudarem com as atividades e a
participarem da minha vida. O que eu mais quero é viver como uma família de
verdade.
Com amor,
seu filho Davi, que está
com muita saudade de vocês.
Os pais chegavam mais ou menos às 22h como era de costume e passavam no
quarto do filho para dar-lhe só um beijinho. O menino, a essa hora, já havia
ido para a cama e dormia, no entanto, a folha escrita ficou em cima da
escrivaninha.
Naquela noite, a rotina se rompeu com as palavras escritas pelo coração
de uma criança que deseja apenas viver como ser que necessita de amor, carinho,
atenção, respeito, calor humano e não só de efemeridades compradas em lojas
físicas ou virtuais.
Davi dormia quietinho enquanto os pais, sentados à beira da cama,
despertavam com choro para a verdadeira vida que afaga o coração.
Mas o sol brilhará na manhã seguinte.
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