Fé
Hilário Silva
Martim Gouveia, moço ainda, afeiçoara-se a pilhar
residências incautas, subtraindo o que pudesse, sem nunca ter caído nas mãos
das autoridades.
Naquela noite namorara atentamente uma casa fechada qual
se ninguém residisse ali.
Pé-ante-pé galgou o muro do quintal e forçou a porta dos
fundos. Abriu-a com habilidade, penetrando na moradia. Passou pela cozinha e
ganhou o interior. Procurou um dos quartos onde esperava encontrar valores
maiores e empurrou de leve a porta.
Nisso, contudo, ouviu respiração estertorosa. Julgando
ser alguém que dormia ressonando, avançou mais ainda. Admirado, vê então um
vulto que se esparrama num leito.
O intruso leva a mão ao punhal. Mas ouve a voz fraca e
entrecortada de um homem deitado que o vislumbra no lusco-fusco.
O desconhecido alonga os braços e fala sob forte emoção.
– Oh! Graças a Deus! Você escutou os meus gemidos, meu
filho? Foram os Espíritos! Você é um enviado dos Mensageiros Divinos!...
Martim Gouveia, surpreso, abandona a ideia da arma. Adianta-se
para o velhinho que pode agora distinguir sob a luz mortiça do luar através da
vidraça.
O ancião repete maravilhado:
– Oh! Graças a Deus! Meu filho, preciso muito de você...
Sou paralítico e sem ninguém... Não tenho forças para gritar... Há muito tempo
não recebo visitas. Você me ouviu!...
Depois de pequena pausa continuou...
– Busque um remédio... Sinto muita falta de ar... Leia
algo que me conforte... Para não morrer sozinho... Você é um enviado dos
Espíritos...
E porque o enfermo lhe estendesse um livro, Martim
Gouveia, condoído, acendeu a luz e dispôs-se a ler, emocionado...
Era um exemplar de O
Evangelho segundo o Espiritismo, ensebado de suor e de lágrimas.
O hóspede imprevisto leu e releu, até alta madrugada e,
desde aquele instante, desistiu de assaltos e de furtos, cuidando do velhinho,
administrando-lhe remédios, prestando-lhe assistência e lendo com ele os Livros
Espíritas da sua predileção.
Após cinco meses, o doente desencarnou em clima de paz,
deixando-lhe como herança a casa e os bens e sua alma renovada pelo exemplo de
fé nos Bons Espíritos.
Do livro Ideal
Espírita, obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
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