O tempo
do Senhor
Irmão X (autor espiritual)
No lar dos apóstolos em Jerusalém, era Tiago, filho de
Alfeu, o mais intransigente cultor dos princípios de Moisés, entre os
seguidores da Boa Nova.
Passo a passo, referia-se à alegação do Cristo: "Eu
não vim destruir a Lei..." e encastelava-se em severa defesa do mosaísmo,
embora sustentasse fervorosa lealdade à prática do Evangelho.
Não vacilava em estender braços generosos aos irmãos
infelizes que lhe recorressem aos préstimos; contudo, reclamava estrita
obediência à pureza dos alimentos, às posturas do hábito, às festas
tradicionais e à circuncisão. Mas, de todos os preceitos, detinha-se
particularmente na consagração do chamado "Dia do Senhor".
Para isso, compelia todos os companheiros ao estudo e à
meditação, à prece e ao silêncio, cada vez que o sábado nascesse, conquanto
fossem adiados importantes serviços de assistência e socorro aos necessitados e
enfermos que lhes batiam à porta.
Dominado de zelo, o apóstolo notara a ausência de
Zorobatan ben Assef das orações do culto, com manifesto pesar.
Zorobatan, o vendedor de lentilhas, fora-lhe colega de
infância na Galileia, no entanto desde muito vivia nos arredores da grande
cidade, viúvo e sem filhos, prestando desinteressado auxílio ao movimento
apostólico.
Amanhava pequeno campo e negociava os produtos colhidos,
depondo a maior parte dos lucros na bolsa de Simão Pedro, para as garantias da
casa; entretanto, se vinha à instituição, suarento e cansado nas horas de
trabalho exaustivo, era ele, nos instantes da prece, o faltoso renitente.
Varias vezes Tiago mandara portadores adverti-lo, mas
porque a situação se mostrasse inalterada por mais de seis meses, deliberou ele
próprio repreendê-lo, em pessoa, no ambiente rural.
Sobraçando grande rolo com apontamentos do Pentateuco,
junto de André, o fiel defensor da Lei, na ensolarada manhã de um sábado de
estio, varava trilhas secas e poeirentas, em animada conversação.
A certo trecho, falou-lhe o companheiro, sensato:
– Consideras, então, que um crente sincero, qual
Zorobatan, seja passível de reprimenda simplesmente porque não nos partilhe as
assembleias?
– Não tanto por isso – volveu Tiago, dando ênfase aos
conceitos. – Ele não apenas nos esquece o refúgio, mas também foge de respeitar
o terceiro mandamento. Empregados e vizinhos do seu campo avisam-lhe, cada
semana, que ele passa os sábados inteiros em atividade intensiva, recebendo
auxiliares adventícios, que lhe revolvem os celeiros e as terras.
E o diálogo continuou:
– Não se trata, porém, de abnegado amigo das boas obras?
– Sem dúvida. E creio igualmente que a fé sem obras é
morta em si mesma; contudo, a Lei determina que seja santificado o tempo do
Senhor.
– E o próprio Jesus? Não curou nos dias de sábado?
– Não podemos discutir os desígnios do Mestre, de vez que
a nós cabe reverenciá-los tão somente... Se ele mesmo lia os Sagrados Escritos
nas sinagogas, nos dias de repouso, ensinando-nos a orar, não vejo como
desmerecer as veneráveis prescrições.
André solicitou alguns instantes e voltou a observar:
– Se uma de nossas crianças caísse no poço, em dia de
sábado, não deveríamos salvá-la?
– Sim – concordou Tiago – mas nos sábados subsequentes,
ser-nos-ia obrigação prender todas as crianças em recinto adequado, para que a
impropriedade não se repetisse.
– E se fosse um animal de trabalho, um burro prestimoso,
por exemplo, que viesse a tombar em cisterna profunda? Seria lícito deixá-lo
morrer à míngua de todo amparo, porque o desastre ocorresse num dia determinado
para o descanso?
– Não hesitaria em socorrer o burro – disse o
interlocutor, solene – mas vendê-lo-ia, de imediato, para que não voltasse a
ocasionar transtorno semelhante.
Nesse ponto do entendimento, a pequena casa de Zorobatan
surgiu à vista. No átrio limpo e singelo, erguia-se mesa tosca e, junto à mesa,
magras mulheres lavavam pratos de madeira. Velhos doentes arrastavam-se em
torno, enquanto meninos esquálidos traziam frutos, do depósito de provisões. Apesar
da pobreza em derredor, todos os semblantes irradiavam alegria.
A curta distância, Tiago viu Zorobatan que vinha do
interior, carregando enorme vasilha fumegante. Surpreendido, escutou-lhe a
palavra, chamando os presentes para a sopa que oferecia gratuita, ao mesmo
tempo em que tornava à cozinha para buscar nova remessa.
Sentaram-se todos os circunstantes, nos quais o apóstolo
anotou a presença de aleijados e enfermos, viúvas e órfãos, que ele próprio já
conhecia desde muito.
Aproximou-se, no entanto, da porta e esperava que o amigo
regressasse ao pátio, de modo a exprimir-lhe a desaprovação que lhe rugia
nalma, quando viu Zorobatan sair da intimidade doméstica, arfando de fadiga, ao
peso de recipiente maior. Desta vez, porém, um homem de olhar brando vinha,
junto dele, apoiando-lhe as mãos calosas, para que o precioso conteúdo não se
perdesse.
O visitante, irritado, dispunha-se a levantar a voz,
quando reconheceu no ajudante desconhecido o próprio Cristo que ele, só ele
Tiago, conseguiu ver...
– Mestre!... – exclamou entre perplexo e constrangido.
– Sim, Tiago – respondeu Jesus sem se alterar –, agradeço
as preces com que me honram, mas devo estar pessoalmente com todos aqueles que
auxiliam os nossos irmãos por amor de meu nome...
Com grande assombro para André, o velho apóstolo, em
pranto mudo, largou o rolo da Lei sobre um montão de calhaus superpostos,
segurou também a panela e começou a servir.
Do livro Senda para
Deus, obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
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