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sábado, 2 de novembro de 2019




Vivendo como porcos

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Disse Jesus: — “Não deiteis as coisas santas aos cães, nem atireis vossas pérolas aos porcos”. (Mateus, 7:6.)
Os evangelhos citam diversas frases de Jesus que nos demonstram o Amor Divino pelos vegetais e animais, como aquela em que Ele recomenda-nos não nos preocupar com o dia de amanhã, pois até as aves do céu e os lírios do campo são objeto da previdência e providência do Pai.
Em seguida, ressalta que o zelo de Deus é muito maior conosco, seus filhos, do que com os demais seres da criação.
Os Espíritos já haviam informado a Kardec sobre a questão da evolução do ser, da inércia aparente à condição moral. No reino mineral, a matéria é “inerte”; no reino vegetal, surge a sensibilidade e a vitalidade, junto da “matéria inerte”; no animal, estão presentes a “matéria inerte”, a “vitalidade” e “uma espécie de inteligência instintiva, limitada, e a consciência de sua existência e de sua individualidade”. Por fim, o ser individualizado adquire “consciência do seu futuro, percepção das coisas extramateriais e o conhecimento de Deus” (questão 585 d’O Livro dos Espíritos). É este o ser humano.
Ou seja, as plantas não “têm consciência de sua existência”, pois “só têm a vida orgânica” (op. cit., q. 586). Alguns animais são dotados pela natureza de capacidade física superior à dos homens, mas agem predominantemente por instinto, embora muitos já demonstrem “vontade determinada” e “inteligência limitada” às suas necessidades materiais (id., q. 593). Seu “desenvolvimento intelectual”, entretanto, “sempre bastante limitado, é devido à ação do homem sobre uma natureza maleável, pois não há nenhum progresso que lhe seja próprio” (id, ibid.), ao contrário do que ocorre com os seres humanos.
Algo muito louvável em nosso tempo é o respeito e os cuidados que a Sociedade Protetora dos Animais tem empreendido na defesa da vida e do bem-estar de nossos irmãos inferiores, em especial, cães e gatos. O Brasil é o segundo país do mundo em número de animais de estimação. Dentre 74 milhões destes, 70% são cães e 30% são gatos.
Já disse aqui, certa vez, que me entristeci com o que ouvi de pessoa  possuidora de considerável teoria espiritual, mas que pôs o direito canino acima da justiça humana: “— Se me deparasse com um cachorrinho se afogando e com uma criança na mesma situação, e tivesse de escolher quem salvar, optaria por salvar o cachorro, pois a criança pode estar passando por uma expiação, e o animal, não”. Conhecimento incompleto sobre a Justiça Divina, que, se nos põe ante tal situação, é para que salvemos a criança em primeiro lugar.
Fiz pesquisa, também, sobre o número de órfãos que aguardam adoção em nosso país: 47.000 crianças e adolescentes.
A fila de pretensos adotantes é grande. O problema é que eles procuram crianças inexistentes em adoção: desejam crianças brancas, de até quatro anos, sem doença e sem irmãos. Com isso, milhares de crianças e adolescentes ficam em abrigos e casas de acolhimento até os dezoito anos de idade.
Agora, vou narrar cena chocante que vi há poucos dias. Ao sair do comércio, com minha esposa, caminhávamos em direção ao carro, estacionado próximo do local, quando ela me disse ter avistado, do outro lado da rua, uma mulher idosa colocar dentro de contêiner, destinado a restos de alimentos e lixo, um menino com cerca de três anos de idade. Sua intenção era a de que a criança, raquítica, recolhesse, no fundo da lixeira, algum alimento em condição de ser reutilizado ou mesmo saciasse sua fome com isso.
O bicho, poema de Carlos Drummond de Andrade, perdeu espaço para o novo animal, pois aquele era um homem e este, quase um bebê.
No princípio, não acreditei, pois apenas avistei a distância dois grandes contêineres. Ao lado destes, três senhoras. Segundos depois, entretanto, vi quando, levantada pelos braços da idosa, emergia, do fundo da lixeira, aquela criança negra, extremamente magra e sem camisa. Talvez tenha comido restos de alimentos podres!
Em resposta à pergunta de Kardec se a alma dos animais é semelhante à dos homens, ele é informado  de que “Entre a alma do animal e a do homem há tanta distância quanto a que existe entre a alma do homem e Deus” (op. cit., q. 597a). Entretanto, o que vemos é seres humanos vivendo em situação mais degradante do que a de muitos animais. E isso desde os primeiros anos de sua atual existência!
Tal absurdo, ainda em nossos dias, faz-nos refletir sobre a resposta anterior dos Espíritos a Allan Kardec na questão 592:

— Se compararmos o homem e os animais em relação à inteligência, parece difícil estabelecer uma linha de demarcação, porque alguns animais têm, sob esse aspecto, notória superioridade sobre certos homens. Essa linha de demarcação pode ser estabelecida de maneira precisa?
— Quanto a esse ponto, os vossos filósofos não estão de acordo em quase nada. Uns querem que o homem seja um animal, e outros que o animal seja um homem. Todos estão errados. O homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas vezes ou que pode elevar-se muito alto [...]. Pobres homens, que vos situais abaixo dos brutos! Não sabeis distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pela faculdade de pensar em Deus.

Essa consciência plena de nossos atos segue conosco, ao contrário do que ocorre com os animais, cujo livre-arbítrio é limitado à sua vida orgânica.
No ser humano, o amplo exercício do livre-arbítrio acarreta consequências morais que se estendem além da vida física. Cientes disso, percebemos que não podemos violar as Leis Divinas, como  nos diz o Espírito Antero de Quental no poema intitulado Deus:

Largos anos passei, aí no mundo,
A pensar, meditando na existência
De Deus — o Ser de paz e de clemência,
Fonte de todo o amor puro e fecundo.

Eu fiz, na sua busca, estudo fundo
Através toda a humana consciência,
E dos ínvios caminhos da Ciência
Pela Terra, no Mar, no Céu profundo.

Bem desejava achá-lo, amá-lo e vê-lo,
E servi-lo, adorá-lo e conhecê-lo,
Em doce crença inalterável, viva.

Mas não o vi jamais, porque, mesquinho,
Enveredei aí por mau caminho:
— O trilho da ciência positiva.

                      II

Eu devia buscá-lo onde Ele mora:
Na suma perfeição da Natureza,
E no esplêndido encanto e na beleza,
Do Céu, do Mar, da Lua, da Fauna, e Flora.

Eu podia encontrá-lo em cada hora
Nessa vida: — no amor, e na Pureza,
Na Paz e no Perdão, e na Tristeza,
E até na própria Dor depuradora.

Mas eu andava cego e nada via;
E a Vaidade escolheu para meu guia
A Ciência falaz, enganadora!

Se o guia fosse a Fé ou a Bondade,
Vê-lo-ia daí na Imensidade
Como, em verdade, O vejo em tudo agora.

(In: LACERDA, F. de. Do País da Luz. FEB, v. 3)







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