O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 13
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Onde podemos encontrar a gênese da
corrente materialista surgida no século 18?
B. Há duas fases distintas na história
do Espiritismo. Quais são elas?
C. Em que data ocorreram os fatos que
tornaram a família Fox e Hydesville conhecidos em todo o mundo?
Texto para leitura
326. Braid pretendera estabelecer, por
suas experiências, que o sonambulismo magnético não era determinado pela ação
fluídica do operador sobre o paciente. Ele empregava irritantes físicos para
produzir o sono, mas só tinha visto um lado da questão.
327. Cremos, por nossa vez, bem
estabelecido que os diferentes estados do corpo humano conhecidos pelos nomes
de sonambulismo natural, sonambulismo magnético, hipnotismo e estado anestésico
são devidos, simplesmente, à ação de irritantes de diversas naturezas do
sistema nervoso sensitivo.
328. A fascinação é o primeiro grau da
ação modificadora, a letargia é um estado mais acentuado do fenômeno, o
sonambulismo é a ação integral do irritante sobre o sistema nervoso e, enfim, a
catalepsia é o exagero da ação irritante, o começo dos estados mórbidos.
329. Este é o lado puramente material
de tais fenômenos. Os aspectos psíquicos, que se têm querido atribuir a uma
superexcitação dos sentidos, são devidos ao desprendimento da alma. Enquanto
não se nos tiver demonstrado que estamos em erro por outros argumentos que não
os que se têm apresentado até agora, temos o direito de afirmar que a
existência da alma está experimentalmente provada pelos fatos do magnetismo, do
hipnotismo e da anestesia.
330. À pergunta – existe a alma? – a
ciência responde talvez, os fenômenos do magnetismo, do hipnotismo e da
anestesia dizem que sim, e nisso confirmam todas as deduções da filosofia e as
afirmações da consciência.
331. Constrangidos, pela evidência dos
fatos, a admitir uma força diretriz no homem, grande número de materialistas se
refugiam em uma última negativa, sustentando que essa energia se extingue com o
corpo, de que ela não era senão uma emanação. Como todas as forças físicas e
químicas, dizem eles, a alma, essa resultante vital, cessa com a causa que a
produz; morto o homem, está aniquilada a alma.
332. Será possível? Não seremos mais
que um simples conglomerado vulgar de moléculas sem solidariedade umas com as
outras? Deve desaparecer para sempre nossa individualidade cheia de amor e, do
que foi um homem, não restará verdadeiramente senão um cadáver destinado a
desagregar-se, lentamente, na fria noite do túmulo?
333. Temos, contudo, provas seguras da
existência da alma após a morte; podemos estabelecer irrefutavelmente que
estamos com a verdade, e isto com o auxílio de experiências simples, práticas,
ao alcance de todos, e para cuja explicação não se faz mister um gênio
transcendente. O ignorante pode, como o sábio, ter uma convicção, e esse
resultado é devido a uma ciência nova – o Espiritismo.
334. A fé cega, imposta pelos padres,
produziu erros e crimes sem número, contra os quais se revoltou o espírito
humano, livre dos preconceitos. Ninguém encara, sem horror, as matanças dos
valdenses, dos albigenses, dos camisardos. Os fanáticos que condenaram Galileu
nada conheciam das maravilhas do Universo; a fé estreita e intolerante que
possuíam só podia gerar a ignorância e a credulidade.
335. Os cristãos da idade média faziam
mesquinha ideia de nosso Mundo, que só conheciam em parte. Consideravam-no como
a base do Universo; não viam no Céu senão a morada de Deus e nas estrelas mais
que pontos luminosos. Tinham, assim, estabelecido uma hierarquia grosseira,
colocando o inferno no centro da Terra e o paraíso acima do Sol, de sorte que
éramos o eixo de toda a criação, e fora do nosso mundículo nada existia.
336. A Astronomia, porém, veio
destruir essa fabulosa concepção. Ampliaram-se os nossos conhecimentos e aos
nossos olhos, enlevados, o infinito descobriu os seus espaços. As estrelas não
são mais pontos brilhantes disseminados pela mão do Criador, para iluminar as
noites, porém mundos imensos que rolam no vazio, sóis radiantes, que arrastam
em sua corrida, através do infinito, um cortejo de planetas. A imensidade nos
apareceu com suas profundezas insondáveis; sabemos que nossa Terra é parte
ínfima dessa poeira de mundos que turbilhonam no éter, de sorte que as crenças
baseadas em nosso orgulho apagaram-se ao sopro da realidade.
337. O Universo inteiro ostentou
diante de nós os esplendores de sua harmonia eterna, a simetria inalterável de
suas transformações, sua imutabilidade, sua imensidade! Diante de tão novos
espetáculos, reconheceram os homens a inanidade de suas crenças primitivas,
queimaram o que haviam adorado e, levando o desdém do passado aos últimos
limites, repeliram a noção de Deus e a da alma, como de entidades vetustas, sem
nenhum valor objetivo. Assim se estabeleceu a corrente materialista nascida no
18º século, da luta contra os abusos.
338. O homem de nossa época não quer
mais crer, desconfia mesmo da razão e se refugia na experiência sensível como a
única que lhe pode trazer a verdade; eis por que exige provas positivas dos
fenômenos que eram, até então, do domínio da filosofia, o que explica o pouco
êxito de escritores eminentes como Ballanche, Constant Savy, Esquiros, Charles
Bonnet e Jean Reynaud, que pregaram a imortalidade da alma.
339. Em nossos dias, um filósofo e
sábio, Camille Flammarion, segue a rota gloriosa desses grandes homens. Este
vulgarizador de gênio semeia a mancheias as ideias da palingenesia humana, e os
resultados correspondem a seus nobres esforços; ele deve, porém, a fama que
alcançou, mais à beleza do estilo que às ideias que emite. O espírito humano,
agitado há séculos entre os mais diversos sistemas, está cansado das
especulações metafísicas e se aferra à observação material como a uma tábua de
salvação. Daí o grande crédito dos homens de ciência no momento atual. Eles
formam uns corpos sagrados, cujos julgamentos não têm apelação. Possuem a
soberba dos antigos colégios sacerdotais, sem lhes partilhar as raras virtudes,
e em ambas as partes a intolerância é a mesma.
340. A maioria do povo, que só percebe
o exterior das coisas, vendo os conhecimentos antigos destruídos pelos
descobrimentos modernos, crê cegamente em seus novos condutores e se lança,
após eles, no materialismo absoluto. Não mais se raciocina; vai-se de cabeça
baixa às últimas consequências, e, porque está provado que o cérebro é a sede
do pensamento, já não existe a alma; porque não se acredita mais em Jeová a
pairar sobre as nuvens, Deus não passa de fabuloso mito.
341. Contra essas tendências é que o
Espiritismo vem reagir. Sendo o nosso século o da demonstração material, ele
apresenta ao observador imparcial fatos bem verificados, deixa de parte as
teorias nebulosas, desprende-se dos dogmas e das superstições e vai apoiar-se
na base inabalável da observação científica.
342. Há 50 anos que essa doutrina
reapareceu no Mundo, foi submetida a críticas apaixonadas, a ataques muitas
vezes desleais. Seus adeptos foram escarnecidos, ridicularizados,
anatematizados; quis-se fazer deles os últimos representantes da feitiçaria;
entretanto, apesar das perseguições, acham-se na hora atual mais numerosos e
mais poderosos do que nunca; encontram-se, não entre os ignorantes, mas entre
os esclarecidos, os escritores, os artistas, os sábios. A que é devida essa progressão
formidável? Tão-só à simplicidade dos ensinos espiritistas, baseados na justiça
de Deus, e, sobretudo, aos meios práticos que essa nova ciência emprega para
convencer a todos da imortalidade da alma.
343. Há duas fases distintas na
história do Espiritismo, que é útil assinalar. A primeira compreende o período
que vai do ano de 1846, data de sua aparição, até o ano de 1869, que foi o da
morte de um escritor célebre, Allan Kardec. Durante esse tempo, estudou-se em
toda parte o fenômeno espírita, as experiências se multiplicaram e os
observadores sérios descobriram que os fatos novos eram produzidos por
inteligências que viviam uma existência diferente da nossa. Dessa certeza
nasceu o desejo de estudar tão curiosas manifestações, e, com documentos recolhidos
em toda parte, Allan Kardec, compôs O Livro dos Espíritos e, mais tarde, O
Livro dos Médiuns, que são o indispensável às pessoas desejosas de se iniciarem
nessas novas práticas.
344. O segundo período, que se estende
de 1869 até os nossos dias, é caracterizado pelo movimento científico, que se
voltou para as manifestações dos Espíritos. A Inglaterra, a Alemanha, a América
parecem caminhar de acordo nessas pesquisas. Já os mais autorizados sábios
desses países proclamam alto a realidade dos fenômenos espiritistas.
345. Passou o tempo em que se podia, a
priori, repelir as nossas ideias sem lhes dar a honra de as discutir; hoje, o
Espiritismo se impõe à atenção pública. É preciso que os absurdos preconceitos
que o acolheram no berço desapareçam diante da realidade. É necessário saber
que, longe de serem visionários, de possuírem cérebro oco, os espiritistas são
observadores frios e metódicos, que só relatam os fatos bem observados.
346. A nova ciência que ensinamos não
consiste, somente, no movimento de uma mesa, porque tão grande é a distância
que vai destes modestos ensaios às suas consequências quão a maçã de Newton à
gravitação universal. O Espiritismo repele o milagre com todas as forças. Faz
de Deus o ideal da justiça e da ciência; diz que o Criador do Mundo, tendo
estabelecido leis que exprimem seu pensamento, não pode derrogá-las, pois que
elas são a obra da razão suprema e é impossível qualquer infração a essas leis.
A parte espiritual do homem foi desprezada pelos sábios; seus trabalhos versavam
tão-só sobre o corpo e eis que os Espíritos invadem a Ciência que os havia
desdenhado.
347. Narremos sucintamente como se
produziram os fatos. Pancadas, de que não se podia adivinhar a causa, se
fizeram ouvir pela primeira vez em 1848, na casa de um tal Veckmann, numa
pequena aldeia chamada Hydesville, não longe da Arcádia, no Estado de Nova
York. Nada foi desprezado para descobrir-se o autor dos ruídos misteriosos; mas
tudo resultou inútil. Uma vez, também, durante a noite, a família acordou com os
gritos da mais jovem das filhas, de oito anos de idade, que assegurou ter
sentido qualquer coisa como uma mão que tivesse percorrido o leito e, enfim,
passado sobre o seu rosto, o que se dera em muitos outros lugares em que as
pancadas se fizeram ouvir.
348. Desde esse momento nada mais se
manifestou, durante seis meses, quando a família deixou a casa, que passou a
ser habitada por um metodista, John Fox, e sua família, composta de mulher e
duas filhas. Durante três meses a família aí viveu tranquilamente; depois as
pancadas recomeçaram com maior intensidade.
349. A princípio eram ruídos ligeiros,
como se alguém batesse no assoalho de um dos quartos de dormir, que vibrava a
cada ruído; as pessoas deitadas percebiam a vibração e a comparavam à ação
produzida pela descarga de uma bateria elétrica. As pancadas se faziam ouvir
sem interrupção e não era possível dormir na casa; durante toda a noite esses
ruídos leves, vibrantes, manifestavam-se suavemente, mas sem cessar.
350. Fatigada, inquieta, sempre à espreita,
a família decidiu-se, enfim, a chamar os vizinhos para auxiliá-la a descobrir a
chave do enigma. Desde então, as pancadas misteriosas detiveram a atenção de
todos. Colocavam na casa grupos de seis ou oito indivíduos, ou então saíam
todos, e o agente invisível batia sempre. A 31 de março de 1848, não tendo
podido a Senhora Fox e suas filhas dormir na noite precedente, já exaustas,
deitaram-se, cedo, no mesmo quarto, esperando, assim, escapar às manifestações
que se produziam, ordinariamente, alta noite. O Senhor Fox estava ausente. Mas
as pancadas recomeçaram logo e as duas moças, despertadas pelo ruído,
puseram-se a imitá-lo, fazendo estalar os dedos. Viram, com grande espanto, que
as pancadas respondiam a cada estalo; então, a mais jovem, miss Kate, quis
verificar este fato surpreendente: ela deu um estalo, ouviu-se uma pancada,
dois, três... e o ser ou agente invisível respondia sempre com o mesmo número
de pancadas. A irmã, gracejando, disse: – Agora, faça como eu, conte um, dois,
três, quatro... – e batia na mão o número indicado. As pancadas se seguiram com
a mesma precisão, mas, como a mais moça das meninas se alarmasse com este sinal
de inteligência, ela cessou logo a experiência.
351. Disse, então, a Sra. Fox: –
“Conte dez” – e imediatamente dez golpes se fizeram ouvir. Ela acrescentou: –
“Quer dizer a idade de minha filha Catarina?” E as pancadas indicaram o número
de anos que tinha essa criança. Perguntou depois a Senhora Fox se era um ser
humano o autor das pancadas. Não houve resposta. Disse ela ainda: – “Se é um
espírito dê duas pancadas.” Imediatamente elas se fizeram sentir. – “Se é um
espírito a quem fizeram mal, responda da mesma forma.” – E as pancadas foram
ouvidas.
352. Tal foi a primeira conversa
estabelecida nos tempos modernos e verificada entre os seres deste e do outro
mundo. Assim chegou a Senhora Fox a saber que o Espírito que lhe respondia fora
o de um homem assassinado, havia muitos anos, na casa que ela habitava; que se
chamara Charles Ryan(1); que era caixeiro viajante e tinha 31 anos
de idade quando a pessoa que o hospedara o assassinou para tirar-lhe o
dinheiro.
353. Os vizinhos chamados não tardaram
a chegar, contando rir à custa da família Fox; mas a exatidão dos pormenores
fornecidos pelas pancadas, em resposta às perguntas dirigidas ao ser invisível,
sobre os negócios particulares de cada um, convenceram os mais incrédulos.
Espalhou-se longe a fama desses fatos e logo vieram de toda parte sacerdotes,
juízes, médicos e uma multidão de pessoas.
(1) Para alguns
autores que escreveram sobre Hydesville, como Arthur Conan Doyle, o nome
mencionado pelo Espírito é Charles B. Rosma, não Charles Ryan. O fato deve ter
como causa o processo adotado na comunicação então obtida, que se fez por meio
de pancadas.
Respostas às questões preliminares
A. Onde podemos encontrar a gênese da corrente materialista
surgida no século 18?
Foi o enfraquecimento das concepções
religiosas em face do avanço das pesquisas astronômicas e das ciências em
geral. A concepção de Universo até então ensinada com o apoio da Igreja ruiu
com os estudos de Copérnico e Galileu. Ampliaram-se os conhecimentos humanos e,
com isso, o infinito descobriu os seus espaços. As estrelas não eram mais
pontos brilhantes disseminados pela mão do Criador, para iluminar as noites,
mas mundos imensos que rolam no vazio, sóis radiantes, que arrastam em sua
corrida, através do infinito, um cortejo de planetas. O Universo inteiro
ostentou diante do homem os esplendores de sua harmonia eterna, a simetria
inalterável de suas transformações, sua imutabilidade, sua imensidade! Diante
de tão novos espetáculos, reconheceram os homens a inanidade de suas crenças
primitivas, queimaram o que haviam adorado e, levando o desdém do passado aos
últimos limites, repeliram a noção de Deus e a da alma, como de entidades
vetustas, sem nenhum valor objetivo. Assim se estabeleceu a corrente
materialista nascida no século 18 da luta contra os abusos. (O Espiritismo perante a Ciência,
Terceira Parte, Cap. I - Provas da imortalidade da alma pela experiência.)
B. Há duas fases distintas na história do Espiritismo.
Quais são elas?
A primeira compreende o período que
vai do ano de 1848, data de sua aparição, até o ano de 1869, que foi o da morte
de Allan Kardec. Durante esse tempo, estudou-se em toda parte o fenômeno espírita,
as experiências se multiplicaram e os observadores sérios descobriram que os
fatos novos eram produzidos por inteligências que viviam uma existência
diferente da nossa. Dessa certeza nasceu o desejo de estudar tão curiosas
manifestações, e, com documentos recolhidos em toda parte, Allan Kardec, compôs
O Livro dos Espíritos e, mais tarde, O Livro dos Médiuns, que são o
indispensável às pessoas desejosas de se iniciarem nessas novas práticas. O
segundo período, que se estende de 1869 até os nossos dias, é caracterizado
pelo movimento científico, que se voltou para as manifestações dos Espíritos.
(Obra citada, Terceira Parte, Cap. I - Provas da imortalidade da alma pela
experiência.)
C. Em que data ocorreram os fatos que tornaram a família
Fox e Hydesville conhecidos em todo o mundo?
Foi no dia 31 de março de 1848 que se
registrou a primeira conversa estabelecida nos tempos modernos entre os seres
deste e do outro mundo, e com isso nascia o chamado Espiritismo moderno. (Obra
citada, Terceira Parte, Cap. I - Provas da imortalidade da alma pela
experiência.)
Observação:
Para acessar a parte 12 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/06/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel.html
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Excelente matéria. Parabéns!
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