O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 38
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. No caso da vidência mediúnica, o
agente do fenômeno é o médium ou o Espírito que é visto?
B. No célebre processo em que Leymarie
foi condenado, em face da má-fé do médium Buguet, os juízes agiram com
imparcialidade?
C. Que observações sobre o caso
Leymarie fez Delanne na obra que estamos estudando?
Texto para leitura
860. Suponhamos que fazemos passar,
através de um prisma, um raio de sol; se recolhermos sobre um écran esse raio
refratado, notaremos que ele forma uma faixa luminosa, composta de sete cores,
que se chamou de espectro solar. Os coloridos extremos são o vermelho e o
violeta; além dessas duas cores o olho não percebe mais sensações luminosas.
Entretanto, colocando-se sais de prata nessa parte obscura, eles são
decompostos, o que prova que, além do violeta, existem radiações particulares
que o olho não é capaz de apanhar, às quais o termômetro é insensível, mas cuja
atividade química é poderosa. Além do vermelho, existem ondulações caloríficas
invisíveis. Chegamos, assim, a esta conclusão necessária, a de que o espectro
completo formado pelas radiações solares se prolonga além do violeta e do
vermelho, e que é só a parte média do espectro total que nossos olhos podem
distinguir.
861. Existe, pois, luz que não vemos,
há vibrações luminosas inapreciáveis à vista, porque a retina, que é o aparelho
receptor, não pode registrar as vibrações luminosas muito rápidas para ela. O
mesmo para com o ouvido e com os outros sentidos, de sorte que o homem é uma
máquina animal dotada de aparelhos receptores, que funcionam entre fraquíssimos
limites, comparados à infinidade da natureza.
862. Essa ideia é capital para a
compreensão dos fenômenos espíritas. Só percebemos a matéria pela vista quando
suas vibrações não ultrapassam 790 trilhões por segundo, mas, como vimos, há
ondulações mais rápidas, que nos escapam. Ora, os fluidos perispirituais são
matéria em estado de rarefação extrema; possuem um movimento vibratório muito
rápido, de sorte que, em estado normal, nosso olho não pode ver os Espíritos.
Mas, se pudéssemos diminuir o número das vibrações perispirituais, se
conseguíssemos trazê-las aos limites compreendidos na visão, veríamos os
Espíritos.
863. Esse resultado pode ser atingido
de duas maneiras:
1º - diminuindo o número das
ondulações luminosas;
2º - aumentando o poder visual dos
olhos.
864. É possível diminuir o movimento
vibratório de um raio de luz? Não hesitamos em afirmá-lo, porque notáveis
experiências feitas ultimamente vieram tornar essa verdade indubitável. Os
raios luminosos ultravioleta, do espectro, invisíveis até então, tornam-se
visíveis quando são projetados em uma espécie particular de vidro, contendo um
silicato de um metal denominado urânio. Esse vidro tem a propriedade de tornar
visíveis os raios que, sem ele, não nos impressionariam os olhos. Se tomarmos
um pedaço desse vidro e o iluminarmos, sucessivamente, à luz elétrica, à de uma
vela, à de uma lâmpada de gás, e se o colocarmos no campo de um espectro
prismático de luz branca, vê-lo-emos brilhar conforme a cor da luz que lhe cair
em cima. Se o iluminarmos com raios ultravioleta, notá-lo-emos com uma cor misteriosa,
que revela a presença de raios até agora invisíveis aos olhos mortais.
865. Examinemos o caso em que a
potência do olho pode ser aumentada; essa operação terá ainda, por fim, fazer
ver os Espíritos. A alma, dissemo-lo muitas vezes, é uma essência indivisível,
imaterial e intangível, que constitui a personalidade de cada indivíduo; ela é
cercada de matéria quintessenciada, que lhe forma o invólucro e pela qual entra
em relação com a natureza exterior. Esse corpo fluídico, em virtude de sua
rarefação, possui um movimento molecular mais rápido que o dos gases e dos
vapores, que já são invisíveis para nós. Logo, também ele não será visível,
porque os olhos não têm, no estado normal, fibra que possa vibrar
harmonicamente com ele.
866. Se um Espírito, porém, quer
manifestar sua presença, entra em relação fluídica com o encarnado, assim como
vimos precedentemente, e, estabelecida a comunicação, acumula pelo magnetismo
espiritual, no nervo ótico, uma quantidade de fluido nervoso maior que de
ordinário; certas fibras se sensibilizam e podem, desde logo, entrar em
vibração correspondente à do invólucro do Espírito. Desde que se produz esse
fenômeno, o ser, assim modificado, vê o Espírito e o verá enquanto a ação
continuar.
867. Pouco a pouco, esta operação se
vai renovando, grande número de vezes; as fibras adquirem maior aptidão
vibratória, as ondas luminosas se propagam no organismo, seguindo a linha a que
Hérbert Spencer deu o nome de linha de menor resistência, de sorte que a onda
caminha, cada vez com mais facilidade, ao longo dessa linha e, por fim, ela
mesma acaba por tomar naturalmente esse movimento vibratório, desde que a
primeira molécula é agitada. O médium, na realidade, tem um sentido novo,
devido à extensão do aparelho visual.
868. Quando o Espírito se quer tornar
visível a muitas pessoas, é sempre obrigado a tomar ao médium fluido nervoso,
mas a modificação se opera nele e não mais nos olhos dos assistentes. Vimos que
a simples alteração no movimento molecular de um corpo pode fazê-lo passar do
estado transparente à opacidade. Da mesma forma, um vapor que se condensa, isto
é, cujo movimento vibratório diminui, torna-se muito rapidamente visível, sob a
forma de nevoeiro; enfim, que o vidro de urânio permite ver os raios do
espectro, os quais, sem ele, seriam invisíveis.
869. O Espírito pode, portanto, agir
de maneira análoga. Esse fenômeno pinta-nos fielmente o que se passa no caso da
fotografia dos Espíritos. Estudemos esse novo gênero de manifestação.
870. A fotografia espírita é um
fenômeno que suscitou muitas discussões e deu lugar a um processo célebre em
1875. Os jornais, que se apresentam, em geral, como adversários dos fatos
espíritas, não deixam de aproveitar a oportunidade de ridicularizar nossa
doutrina e seus defensores. A despeito das alegações de mais de 140
testemunhas, que afirmaram, sob palavra de honra, haver reconhecido personagens
mortas de sua família, e obtido suas fotografias, aproveitaram a má-fé do
médium Buguet para fazer acreditar ao público que nessas produções só havia, de
um lado, velhacaria e, do outro, credulidade estúpida.
871. É incontestável que Buguet abusou
da boa-fé das pessoas que confiaram em sua honestidade; os manequins
encontrados em sua casa o provam suficientemente, mas não é menos certo que ele
era médium, de fato, quando começou.
872. Quando se veem pessoas sérias
como Royard, químico, Tremeschini, engenheiro, a condessa de Caithness, o conde
Pomar, o príncipe de Wittgenstein, o duque de Leuchtemberg, o conde de Bullet,
o coronel Devolluet, O. Sullivan, ministro dos Estados Unidos, de Turck,
cônsul, jurarem que reconheceram Espíritos, por serem a reprodução exata da
fisionomia de seus parentes ou amigos mortos, é preciso ser cego para duvidar
da realidade das manifestações. Os juízes, entretanto, não hesitaram em
condenar Leymarie, gerente da sociedade espírita, a um ano de prisão e 500
francos de multa, porque esperavam atingir nele o Espiritismo, doutrina que
toca tão de perto o clero que não se pode deixar de sentir sua ação na
penalidade infligida àquele que representava o Espiritismo francês.
873. Sobre esse assunto, pensamos como
Eugène Nus e diremos com ele:
“Nesta espécie de causas e em muitas
outras, desconfio do Tribunal, tanto quanto do acusado. Se há neste mundo
intrigantes, charlatães, impostores, inimigos da propriedade, da Religião, da
Ciência e da família, há também, nas cadeiras com toga vermelha ou preta,
homens que, com a melhor boa-fé do mundo, prestam serviços, acreditando lavrar
sentenças. Estou convencido de que na França, principalmente, e em alguns
países civilizados, a justiça está em progresso relativamente a épocas
anteriores. Estou perfeitamente convencido de que nossos juízes poriam na porta
da rua, e talvez em Macas, o velhaco que tivesse a ousadia de propor-lhes, não
importa por que preço, uma ordem de soltura em favor de um tratante. Não duvido
um instante que o mais pobre e menos pago de nossos magistrados repelisse, com
indignação, as ofertas de um Artaxerxes, que pleiteasse, para roubar a fortuna
de outrem. Mas, desde que entram em jogo os preconceitos, as paixões políticas,
religiosas e mesmo as científicas, acredito firmemente que já não há juízes,
mesmo em Berlim.”
874. Se tivemos que experimentar uma
condenação contra nós, foi porque nos desviamos da rota traçada por Allan
Kardec. Este inovador era contrário à retribuição dos médiuns e tinha para isso
boas razões. Em sua época, os irmãos Davenport muito fizeram falar de si, mas
como ganhavam dinheiro com suas habilidades, Allan Kardec afastou-se deles,
prudentemente. E foi bom que assim o fizesse, porque, depois do escândalo que
obrigou esses industriais a sair da França, ele pôde continuar a ensinar o
Espiritismo sem ser atingido pelo descrédito desses americanos fantasistas.
875. Eis o que Kardec escreveu, a
propósito do assunto, em O Livro dos Médiuns:
“Como tudo pode tornar-se objeto de
exploração, nada de surpreendente haveria em que também quisessem explorar os
Espíritos. Resta saber como receberiam eles a coisa, dado que tal especulação
viesse a ser tentada. Diremos desde logo que nada se prestaria melhor ao
charlatanismo e à trapaça do que semelhante ofício. Muito mais numerosos do que
os falsos sonâmbulos, que já se conhecem, seriam os falsos médiuns e este
simples fato constituiria fundado motivo de desconfiança. O desinteresse, ao
contrário, é a mais peremptória resposta que se pode dar aos que nos fenômenos
só veem trampolinices. Não há charlatanismo desinteressado. Qual, pois, o fim
que objetivariam os que usassem de embuste sem proveito, sobretudo quando a
honorabilidade os colocasse acima de toda suspeita? Se for de constituir motivo
de suspeição o ganho que um médium possa tirar da sua faculdade, jamais essa
circunstância constituirá uma prova de que tal suspeição seja fundada. Quem
quer, pois, que seja poderia ter real aptidão e agir de muito boa-fé,
fazendo-se retribuir. Vejamos se, neste caso, é razoavelmente possível
esperar-se algum resultado satisfatório.”
876. Ainda a respeito dos médiuns
interesseiros, Kardec fez as seguintes ponderações na obra acima mencionada:
“Quem haja compreendido bem o que
dissemos das condições necessárias para que uma pessoa sirva de intérprete dos
bons Espíritos, das múltiplas causas que os podem afastar, das circunstâncias
que, independentemente da vontade deles, lhes sejam obstáculos à vinda, enfim,
de todas as condições morais capazes de exercer influências sobre a natureza
das comunicações, como poderia supor que um Espírito, por menos elevado que
fosse, estivesse, a todas as horas do dia, às ordens de um empresário de sessão
e submisso às suas exigências, para satisfazer à curiosidade do primeiro que
aparecesse? Sabe-se que aversão infunde aos Espíritos tudo que cheira a cobiça
e a egoísmo, o pouco caso que fazem das coisas materiais; como, então,
admitir-se que se prestem a ajudar quem queira traficar com a presença deles?
Repugna pensar isso e seria preciso conhecer muito pouco a natureza do mundo
espírita, para acreditar-se que tal coisa seja possível. Mas, como os Espíritos
levianos são mais escrupulosos e só procuram ocasião de se divertirem à nossa
custa, segue-se que, quando não se seja mistificado por um falso médium, tem-se
toda a probabilidade de o ser por alguns de tais Espíritos. Estas sós reflexões
dão a ver o grau de confiança que se deve dispensar às comunicações desse
gênero. Ao demais, para que serviriam hoje médiuns pagos, desde que qualquer
pessoa, se não possui faculdade mediúnica, pode tê-la nalgum membro da sua
família, entre seus amigos, ou no círculo de suas relações?
“Médiuns interesseiros não são apenas
os que porventura exijam uma retribuição fixa; o interesse nem sempre se traduz
pela esperança de um ganho material, mas também pelas ambições de toda sorte,
sobre as quais se fundem esperanças pessoais. É esse um dos defeitos de que os
Espíritos zombeteiros sabem muito bem tirar partido e de que se aproveitam com
uma habilidade, uma astúcia verdadeiramente notáveis, embalando com falaciosas
ilusões os que desse modo se lhes colocam sob a dependência. Em resumo, a
mediunidade é uma faculdade concedida para o bem e os bons Espíritos se afastam
de quem pretenda fazer dela um degrau para chegar ao que quer que seja, que não
corresponda às vistas da Providência. O egoísmo é a chaga da sociedade; os bons
Espíritos a combatem; a ninguém, portanto, assiste o direito de supor que eles
o venham servir. Isto é tão racional, que inútil fora insistir mais sobre este
ponto.”
Respostas às questões preliminares
A. No caso da vidência mediúnica, o agente do fenômeno é o
médium ou o Espírito que é visto?
O agente é o Espírito. Quando este
quer manifestar sua presença a um médium, entra em relação fluídica com o
encarnado e, estabelecida a comunicação, acumula pelo magnetismo espiritual, no
nervo ótico, uma quantidade de fluido nervoso maior que de ordinário; certas
fibras se sensibilizam e podem, desde logo, entrar em vibração correspondente à
do invólucro do Espírito. A ação parte, pois, do Espírito e não do médium. (O Espiritismo perante a ciência, Quinta
Parte, Cap. III – Médiuns videntes e médiuns auditivos.)
B. No célebre processo em que Leymarie foi condenado, em
face da má-fé do médium Buguet, os juízes agiram com imparcialidade?
Não. Em verdade, como escreveu Eugène
Nus, viu-se na decisão judicial que entraram no jogo o preconceito e a paixão
religiosa, pois – à vista dos autos e das provas – as pessoas investidas na
função de julgar buscaram atingir, com a sentença, o próprio Espiritismo, uma
doutrina que toca tão de perto o clero que não se pode deixar de sentir sua
ação na penalidade infligida ao Sr. Leymarie. (Obra citada, Quinta Parte, Cap.
III – Médiuns videntes e médiuns auditivos.)
C. Que observações sobre o caso Leymarie fez Delanne na
obra que estamos estudando?
Além da parcialidade dos juízes,
Delanne diz que o fato que deu origem ao processo ocorreu porque os espíritas
daquela época se haviam desviado da rota traçada por Kardec, que sempre foi
contrário à retribuição dos médiuns e posicionou-se de modo claro contra a
exploração da mediunidade e os chamados médiuns interesseiros. (Obra citada,
Quinta Parte, Cap. III – Médiuns videntes e médiuns auditivos.)
Observação:
Para acessar a parte 37 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/11/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_27.html
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