Revista Espírita de 1866
Allan Kardec
Parte 5
Prosseguimos nesta
edição o estudo metódico e sequencial da Revista
Espírita do ano de 1866, periódico editado
e dirigido por Allan Kardec. O estudo baseia-se na tradução feita por Júlio
Abreu Filho publicada pela EDICEL.
A coleção do
ano de 1866 pertence a uma série iniciada em janeiro de 1858 por Allan Kardec,
que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando desencarnou.
Cada parte do
estudo, que é apresentado às quartas-feiras, compõe-se de:
a) questões
preliminares;
b) texto para
leitura.
As respostas às
questões propostas encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Quem são os
homens de gênio?
B. Quais,
segundo Kardec, foram os dois grandes reveladores que surgiram em nosso mundo?
C. Que disse
Kardec a respeito do movimento simbolizado na frase Nada de comunicações dos
Espíritos?
Texto para leitura
53. A impressão
agradável ou penosa que por vezes se sente à vista de alguém, o pressentimento
da aproximação de uma pessoa, a transmissão e a penetração do pensamento são,
segundo Kardec, outros tantos efeitos devidos à mesma causa e que constituem
uma espécie de mediunidade, que se pode dizer universal. (Pág. 88.)
54. Levado o
assunto a discussão na Sociedade Espírita de Paris, quatro Espíritos se
manifestaram e transmitiram, entre outras informações, os ensinamentos que se
seguem:
I – É possível
desenvolver o sentido espiritual por um trabalho constante. Aliás, constante é
também a comunicação do mundo incorpóreo com os sentidos humanos; ela se dá a
cada hora, a cada minuto, pela lei das relações espirituais.
II – Os
Espíritos se veem e se visitam uns aos outros durante o sono e também durante a
vigília. Eles não têm noite e constantemente estão ao nosso lado, vigiando,
inspirando, guiando e suscitando pensamentos.
III – Esse
gênero de comunicação espiritual é, assim, uma mediunidade; é uma espécie de
estado cataléptico, muito agradável para quem o experimenta.
IV – Essa
faculdade existe no estado inconsciente em muitas pessoas, pois há sempre perto
de nós um amigo sincero, pronto a sustentar e encorajar aquele cuja direção lhe
é confiada pelo Criador.
V – Seu apoio
jamais falta aos homens; cabe-lhes apenas distinguir as boas inspirações entre
todas as que se chocam no labirinto de suas consciências.
VI – A
mediunidade mental (como a designou Kardec) está bem chamada. É o primeiro
degrau da mediunidade vidente e falante. O médium mental, se for bem formado,
pode dirigir perguntas e receber respostas mais facilmente que o médium
intuitivo, porque seu Espírito, estando mais desprendido, é um intérprete mais
fiel. Para isto é necessário um ardente desejo de ser útil e trabalhar com um
sentimento puro, isento de todo pensamento de amor próprio e de interesse.
VII – De todas
as faculdades mediúnicas, ela é a mais sutil e a mais delicada, e o menor sopro
impuro basta para manchá-la.
VIII – A
mediunidade que consiste em conversar com os Espíritos, como se conversa com os
encarnados, desenvolver-se-á mais, à medida que o desprendimento do Espírito se
efetuar com mais facilidade, pelo hábito do recolhimento. Quanto mais avançados
moralmente forem os Espíritos encarnados, maior será a facilidade de
comunicação.
IX – O
recolhimento e a prece são os dois elementos da vida espiritual; são eles que
derramam na alma esse orvalho celeste que ajuda o desenvolvimento das
faculdades que aí estão em estado latente. Infelizes os que dizem que a prece é
inútil porque não modifica os desígnios de Deus!
X – Todos se
revoltam quando se pensa nos vícios da sociedade pagã, ao tempo em que o Cristo
veio trazer a boa-nova, mas em nossos dias os vícios não existem menos.
XI – Não é,
pois, sem razão que os Espíritos vieram lembrar os ensinamentos dados nos
tempos apostólicos. Todos os que forem chamados a cooperar nessa obra de
redenção do mundo devem agradecer por isso ao Senhor, e que o seu desinteresse
e a sua caridade jamais enfraqueçam, porque é nisto que se conhecerão, entre os
homens, os verdadeiros espíritas. (Págs. 89 a 92.)
55. Na seção de
livros, a Revista destaca três obras: “Espírita”, romance agora
publicado em forma de livro, por Théophile Gautier; “A Mulher do Espírita”, de
Ange de Kéraniou, e “Forças Naturais Desconhecidas”, de Hermès. A imprensa
laica, diz Kardec, foi parcimoniosa com relação ao romance de Gautier. Ninguém
sabia se devia louvá-lo ou censurá-lo. O romance, traduzido para o português
com o nome de “O Ignorado Amor”, foi considerado por Kardec a primeira obra de
destaque escrita por um grande escritor onde a ideia espírita aparece
seguramente afirmada. Segundo os jornais da época, a obra do Sr. Gautier obteve
grande repercussão em toda a Europa.
(Págs. 92 a 98.)
56. O número de
abril de 1866 é aberto com um longo artigo de Kardec sobre a revelação e seus
requisitos, o qual foi posteriormente aproveitado pelo Codificador na feitura
do cap. I de “A Gênese”. Eis, de forma resumida, as principais informações que
nele se contêm:
I – Revelar é
dar a conhecer uma coisa desconhecida, é ensinar a alguém aquilo que não sabe.
O papel do professor perante seus alunos é o de um revelador, mas ele só ensina
o que aprendeu: é um revelador de segunda ordem.
II – O homem de
gênio ensina o que ele próprio achou: é o revelador primitivo.
III – O homem
de gênio é um Espírito que viveu mais tempo e tem, por isso, progredido mais
que os indivíduos menos adiantados. O que ele sabe é fruto de um trabalho
anterior e não o resultado de um privilégio.
IV – Os homens
progridem por si mesmos, mas esse progresso torna-se muito lento, se não forem
ajudados por homens mais adiantados. Eis por que todos os povos têm tido os
seus homens de gênio, que vieram em diversas épocas dar-lhes um impulso e tirá-los
da inércia.
V – As coisas
novas que eles ensinam, seja na ordem física, seja na ordem moral, são
revelações.
VI – No sentido
especial da fé religiosa, os reveladores são geralmente designados sob os nomes
de profetas ou messias.
VII - Todas as
religiões têm tido, assim, os seus reveladores, conquanto muitos falsos
profetas tenham surgido no seio delas e explorado a credulidade dos fiéis, em
proveito de seu orgulho, de sua cupidez, ou de sua preguiça. (Págs. 99 a 101.)
57. Na
sequência, depois de afirmar que a religião cristã não esteve ao abrigo desses
parasitas, Kardec adverte: “Apenas constatamos as duas grandes revelações sobre
as quais se apoia o cristianismo: a de Moisés e a de Jesus, porque tiveram uma
influência decisiva na humanidade”. “O islamismo pode ser considerado como um
derivado de concepção humana do mosaísmo e do cristianismo. Para acreditar a
religião que queria fundar, Maomé teve que se apoiar sobre uma suposta
revelação divina.” (Págs. 101 e 102.)
58. Deus pode
revelar-se diretamente aos homens? Kardec não diz que sim nem que não, embora
reconheça que o fato não é radicalmente impossível. Diz mais o Codificador:
I – Os
reveladores encarnados, conforme a ordem hierárquica a que pertençam e o grau
de seu saber pessoal, podem colher suas instruções em seus próprios
conhecimentos ou recebê-los de Espíritos mais elevados, até mesmo de
mensageiros diretos de Deus.
II – Estes,
quando falam em nome de Deus, podem ter sido, por vezes, tomados pelo próprio
Deus.
III – As
instruções podem ser transmitidas aos homens por diversos meios: pela
inspiração pura e simples, pela audição, pela visão, quer no sonho, quer no
estado de vigília. É, assim, rigorosamente exato dizer que a maior parte dos
reveladores são médiuns inspirados, auditivos ou videntes.
IV – Pode haver
revelações sérias e verdadeiras, como as há apócrifas e mentirosas. O caráter
essencial da revelação divina é o da eterna verdade.
V – A lei do
Decálogo possui todos os caracteres de sua origem divina, ao passo que as
outras leis mosaicas, essencialmente transitórias e por vezes em contradição
com a lei do Sinai, são obra pessoal e política do legislador hebreu.
VI – O Cristo e
Moisés são os dois grandes reveladores que mudaram a face do mundo. Eis aí a
prova de sua missão divina, porquanto uma obra puramente humana não teria tal
poder.
VII – Uma nova
e importante revelação se realiza na época presente. É a que nos mostra a
possibilidade de comunicação com os seres do mundo espiritual. Deus quis que
esse ensino fosse dado pelos próprios Espíritos, e não pelos encarnados, a fim
de convencer a todos quanto à sua existência.
VIII – Os
Espíritos não vêm libertar o homem do trabalho, do estudo e das pesquisas. Eles
se abstêm de nos dar o que podemos adquirir pelo trabalho, e há coisas que não
lhes é permitido revelar, porque nosso grau de adiantamento não o comporta.
IX – As
manifestações espíritas serviram para nos dar a conhecer o mundo invisível que
nos rodeia e de que não suspeitávamos. Só esse conhecimento seria de capital
importância, ainda que nada nos pudessem ensinar.
X – As
manifestações nada têm, portanto, de extra-humano. É a humanidade espiritual
que vem conversar com a humanidade corporal e lhe dizer que os Espíritos
existem, que a vida terrena não é tudo e que a fraternidade e a caridade se
assentam numa lei da natureza.
XI – A revelação espírita tem, assim, como
objetivo pôr o homem na posse de certas verdades que ele não podia adquirir por
si mesmo, visando desse modo ativar o progresso. Essas verdades limitam-se, em
geral, a princípios fundamentais; são as balizas que lhe mostram o objetivo.
Cabe ao homem a tarefa de as estudar e deduzir-lhes as aplicações. (Págs. 102 a
106.)
59. Dois
movimentos surgidos no meio espírita são destacados por Kardec. O primeiro,
tendo por bandeira A negação da prece, repelido pelos homens e pelos
Espíritos, nem chegou a prosperar. Seguiu-se-lhe outro tendo por divisa: Nada
de comunicações dos Espíritos. O ponto central dessa proposta é que caberia
ao homem sondar os grandes mistérios da natureza e decidir os princípios que
devem ser aceitos ou rejeitados, sem recorrer ao assentimento dos Espíritos.
(Pág. 107.)
60. O que nisso
se propõe, adverte Kardec, é a separação do Espiritismo do ensino dos
Espíritos, sob o argumento de que as instruções destes últimos estariam abaixo
do que pode a inteligência dos homens. O Codificador opõe-lhe, no entanto, as
seguintes observações:
I – Sem os
Espíritos, ainda estaríamos – nós, os homens, – na crença de que os anjos são
criaturas privilegiadas e os demônios, indivíduos predestinados ao mal.
II – Sendo o
Espiritismo o resultado do ensinamento dos Espíritos, sem as comunicações
destes não haveria Espiritismo.
III – Se a
doutrina espírita fosse uma simples teoria nascida no cérebro de um homem, não
teria senão o valor de uma opinião pessoal; saída da universalidade do ensino
dos Espíritos, tem o valor de uma obra coletiva e essa é a razão de haver-se
propagado rapidamente por toda a Terra.
IV – Não se
nega que existam comunicações espíritas boas e más. Façamos, então, o que se
faz com as obras em geral: aproveitemos o que há de bom e rejeitemos o que é
mau.
V – O
Espiritismo tende para a reforma da humanidade pela via da caridade. É por isso
que os Espíritos pregam sem cessar a prática dessa virtude fundamental e a
pregarão por muito tempo ainda, enquanto não se houver desgarrado o egoísmo do
coração humano.
VI – Repelir as
comunicações dos Espíritos depois de as haver aclamado é querer sapar o
Espiritismo pela base, é tirar-lhe o alicerce e tal não pode ser o pensamento
dos espíritas sérios e devotados. (Págs. 107 a 112.)
61. Concluindo
o artigo, Kardec adverte: “Se o Espiritismo deve ganhar em influência, é
aumentando a soma de satisfação moral que proporciona. Que os que o acham
insuficiente tal qual é se esforcem por dar mais que ele; mas não será dando
menos, tirando o que faz o seu encanto, a força e a popularidade que o
suplantarão”. (Pág. 112.)
62. No artigo
seguinte, Kardec examina o tema “Espiritismo independente”, ideia que,
evidentemente, era o corolário da proposta Espiritismo sem Espíritos.
“Espiritismo independente” seria, segundo uma carta recebida por Kardec, o
Espiritismo liberto não só da tutela dos Espíritos, mas de toda direção ou
supremacia pessoal, de toda subordinação às instruções de um chefe. (Págs. 112
e 113.)
63. Kardec fez
a propósito do assunto inúmeras considerações, culminando por considerar a
proposta uma insensatez, visto que a independência já existia de fato e de
direito e não havia, no movimento espírita, disciplina imposta a quem quer que
fosse. O Espiritismo não estava – observou o Codificador – enfeudado num
indivíduo, nem num círculo de pessoas. A bandeira “Fora da caridade não há
salvação”, por ele posta no frontispício do Espiritismo, não surgiu por ato de
sua autoridade, mas dos ensinos dos Espíritos, que a colheram nas palavras do
Cristo, em que ela se encontra com todas as letras, como pedra angular do
edifício cristão. (Págs. 114 a 116.)
64. Kardec
tornou claro em seu comentário que suas instruções eram aceitas livremente e
sem constrangimento. Nenhum poder lhe fora conferido e nenhum título ele
reivindicava, exceto o de irmão em crença. “Se nos consideram como seu chefe –
explicou –, é por força da posição que nos dão os nossos trabalhos, e não em
virtude de uma decisão qualquer.” Por isso, não havendo poder constituído nem
hierarquia alguma fechando a porta a quem desejasse entrar, não existia razão
nem objeto para semelhantes ideias. (Págs. 115 e 116.)
65. A Revista
transcreveu um relato feito pelo Journal de Chartres em 11 de
março de 1866, segundo o qual dois alunos simularam um debate sobre o
Espiritismo em tertúlia promovida pelo Colégio de Chartres. Um aluno fez o
papel do detrator; o outro se incumbiu de defender a doutrina espírita. Não se
soube que propósito teve o colégio ao patrocinar o debate; certamente não foi
por simpatia que isso se deu. O fato não deixou, porém, de ter importância,
visto que o Espiritismo pôde penetrar de forma oficial, não mais
clandestinamente, o ambiente de um importante colégio. (Págs. 117 a 119.)
Respostas às questões propostas
A. Quem são os
homens de gênio?
Homens de gênio
são Espíritos que viveram mais tempo e, por isso, progrediram mais que os
indivíduos menos adiantados. O que eles sabem é fruto de um trabalho anterior e
não o resultado de um privilégio. Os homens progridem por si mesmos, mas esse
progresso torna-se muito lento, se não forem ajudados por homens mais
adiantados. Eis por que todos os povos têm tido os seus homens de gênio, que
vieram em diversas épocas dar-lhes um impulso e tirá-los da inércia. As coisas
novas que eles ensinam, seja na ordem física, seja na ordem moral, são
revelações. (Revista Espírita de 1866, pp. 99 a 101.)
B. Quais,
segundo Kardec, foram os dois grandes reveladores que surgiram em nosso mundo?
Jesus Cristo e Moisés,
esses foram os dois grandes reveladores que mudaram a face do mundo, fato que
constitui, por si só, a prova de sua missão divina, visto que uma obra
puramente humana não teria tal poder. (Obra citada, pp. 102 a 106.)
C. Que disse
Kardec a respeito do movimento simbolizado na frase Nada de comunicações dos
Espíritos?
O que esse
movimento propunha, disse Kardec, era a separação do Espiritismo do ensino dos
Espíritos, sob o argumento de que as instruções destes últimos estariam abaixo
do que pode a inteligência dos homens. O Codificador opôs-lhe, no entanto, as
seguintes observações: I – Sem os Espíritos, ainda estaríamos – nós, os homens,
– na crença de que os anjos são criaturas privilegiadas e os demônios,
indivíduos predestinados ao mal. II – Sendo o Espiritismo o resultado do
ensinamento dos Espíritos, sem as comunicações destes não haveria Espiritismo.
III – Se a doutrina espírita fosse uma simples teoria nascida no cérebro de um
homem, não teria senão o valor de uma opinião pessoal; saída da universalidade
do ensino dos Espíritos, tem o valor de uma obra coletiva e essa é a razão de
haver-se propagado rapidamente por toda a Terra. IV – Não se nega que existam
comunicações espíritas boas e más. Façamos, então, o que se faz com as obras em
geral: aproveitemos o que há de bom e rejeitemos o que é mau. V – O Espiritismo
tende para a reforma da humanidade pela via da caridade. É por isso que os
Espíritos pregam sem cessar a prática dessa virtude fundamental e a pregarão
por muito tempo ainda, enquanto não se houver desgarrado o egoísmo do coração
humano. VI – Repelir as comunicações dos Espíritos depois de as haver aclamado
é querer sapar o Espiritismo pela base, é tirar-lhe o alicerce e tal não pode
ser o pensamento dos espíritas sérios e devotados. (Obra citada, pp. 107 a
112.)
Observação:
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