Revista Espírita de 1866
Allan Kardec
Parte 4
Prosseguimos nesta edição o estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1866, periódico editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo baseia-se na tradução feita por Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.
A coleção do
ano de 1866 pertence a uma série iniciada em janeiro de 1858 por Allan Kardec,
que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando desencarnou.
Cada parte do
estudo, que é apresentado às quartas-feiras, compõe-se de:
a) questões
preliminares;
b) texto para
leitura.
As respostas às
questões propostas encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Por que os
exorcismos são impotentes?
B. Há diferença
entre alma e Espírito?
C. Pode o
exercício da mediunidade constituir um ofício?
Texto para leitura
40. Kardec
aproveita a oportunidade para mostrar a incoerência dos exorcistas no caso.
Ora, se eles entendiam que na alma do falecido poderia estar a causa dos
fenômenos, por que o exorcismo? É preciso ser coerente. Duas causas – lembra
Kardec – explicam a impotência dos exorcismos: 1ª – Eles são dirigidos aos
demônios; contudo os obsessores e perturbadores não são demônios, mas seres
humanos. 2ª – O exorcismo não é uma prece, mas um anátema, uma ameaça, que
irrita o agente invisível e não concorre para o conduzir ao bem. (Pág. 57.)
41. Os
adversários do Espiritismo não perderam tempo e exploraram ao máximo as
peloticas dos irmãos Davenport, os dois jovens americanos que foram pegos
fraudando em Paris. Os críticos imaginavam, talvez, que Kardec fosse defender
os irmãos, mas se enganaram inteiramente porque o Codificador deixou claro que
as exibições teatrais e a exploração da mediunidade nada têm a ver com o
verdadeiro espírito da doutrina. “Que a crítica bata quanto queira nestes
abusos; desmascare os truques e os cordões dos charlatães, e o Espiritismo, que
não usa qualquer processo secreto e cuja doutrina é toda moral, não poderá
senão ganhar em ser desembaraçado dos parasitas que dele fazem um degrau e dos
que lhe desnaturam o caráter.” (Págs. 59 a 61.)
42. Notícia
publicada na França diz que os irmãos Davenport, de volta a Nova York, foram
publicamente desmentidos por um antigo comparsa, o Sr. Fay, na presença de
numerosa assistência. O Sr. Fay teria desvendado tudo, todas as charlatanices,
o segredo das cordas e o dos nós, que haviam tornado famosos os irmãos. Kardec,
embora reiterando sua condenação às exibições dos Davenport, contestou a
notícia, informando que ambos ainda se encontravam na Inglaterra. William Fay,
o cunhado dos Davenport, que os acompanhava, era outra pessoa. O autor dos
fatos divulgados pelos jornais era um tal H. Melleville Fay, seu concorrente e
não amigo. (Págs. 61 a 63.)
43. A crítica –
observa Kardec – desceu o braço sobre os Davenport, julgando que assim estaria
matando o Espiritismo. Ora, o que ela matou foi precisamente o que o
Espiritismo condena e desaprova: a exploração, as exibições públicas, o
charlatanismo, as manobras fraudulentas, as imitações grosseiras de fenômenos
naturais, o abuso de um nome que representa uma doutrina toda moral, de amor e
de caridade. (Pág. 64.)
44. Um longo
estudo sobre os fluidos espirituais abre a Revista de março de 1866. Eis, de
forma resumida, os ensinamentos que nele se contêm: I – Os fluidos espirituais
representam um importante papel em todos os fenômenos espíritas, ou melhor, são
o princípio mesmo desses fenômenos. II – Não existe uma única ciência que seja,
em todas as suas peças, obra de um só homem. Assim se dá com a ciência
espírita, que requer para se constituir o esforço dos Espíritos e dos
encarnados. III – Os corpos formam na obra da criação uma cadeia ininterrupta,
de tal sorte que os três reinos não subsistem, na realidade, senão por seus
caracteres gerais mais marcantes, visto que nos seus limites eles se confundem.
IV – O homem pode operar artificialmente as composições e decomposições que se
operam espontaneamente na natureza, mas é impotente para reconstituir o menor
corpo organizado, ainda que seja uma folha morta. V – Ele não pode
reconstituí-la, nem lhe dar vida, o que mostra que seu poder para na matéria
inerte e que o princípio da vida está na mão de Deus. VI – A ciência caminha
para a admissão de que os corpos chamados simples não passam de modificações de
um elemento único, princípio universal, designado sob os nomes de éter, fluido
cósmico ou fluido universal. VII – A química faz-nos penetrar na constituição
íntima dos corpos, mas, experimentalmente, não vai além dos corpos considerados
simples. Ora, entre esse elemento em sua pureza absoluta e o ponto onde param
as investigações da ciência, o intervalo é imenso. VIII – Raciocinando-se por
analogia, chega-se à conclusão de que, entre esses dois pontos extremos, esse
elemento primordial deve sofrer modificações que escapam aos instrumentos e
sentidos materiais. IX – A natureza íntima da alma escapa completamente às
investigações humanas, mas sabemos que ela é revestida de um envoltório ou
corpo fluídico, constituindo, assim, com esse envoltório o ser que chamamos
Espírito. X – Esse envoltório, que chamamos de perispírito, posto que de uma
natureza etérea e sutil, não é menos matéria, e reveste a alma, não só durante
a encarnação, mas também na erraticidade. XI – Sendo o laço que une a alma ao
corpo material, o perispírito não é uma criação imaginária, e sua existência é
um fato comprovado pela observação. XII – Todas as teogonias atribuem aos seres
invisíveis um corpo fluídico e São Paulo o define claramente em sua 1ª Epístola
aos Coríntios (XV:35-50). (Págs. 67 a 74.)
45. Na
sequência do estudo, o Codificador, depois de afirmar que o perispírito é o
traço de união que liga o mundo espiritual ao mundo corporal, acrescenta: I – É
sabido que todos os animais têm como princípios constituintes o oxigênio, o
hidrogênio, o nitrogênio e o carbono, combinados em diferentes proporções. II –
Esses corpos simples derivam, por sua vez, de um princípio único, que é o
fluido cósmico universal, que é também a fonte da formação do corpo fluídico ou
perispírito. III – O perispírito é, segundo os Espíritos, uma condensação do
fluido cósmico em torno do foco de inteligência, ou alma. A transformação
molecular aqui opera-se de modo diferente, comparativamente com a formação dos
corpos peculiares ao mundo físico, porque o fluido perispiritual conserva sua
imponderabilidade e suas qualidades etéreas. IV – O corpo perispiritual e o
corpo humano têm, pois, sua fonte no mesmo fluido, e um e outro são matéria,
embora sob dois estados diferentes. V – No estado normal, o perispírito é
invisível aos nossos olhos e impalpável ao nosso tato, como se dá com uma
infinidade de fluidos e de gases, mas essa invisibilidade e mesmo a
imponderabilidade não são absolutas. VI – Algumas pessoas criticaram a
qualificação de semimaterial dada ao perispírito, dizendo que uma coisa é
matéria ou não o é. Admitindo seja essa expressão imprópria, ainda assim seria
preciso adotá-la, em falta de um termo especial para exprimir esse estado
particular da matéria. Ora, o perispírito é matéria; ninguém o contesta. Mas
não tem as propriedades da matéria tangível e não pode, por isso, ser submetido
à análise química. É por isso que se diz semimaterial, palavra que não é mais
ridícula do que semiduplo e tantas outras. VII – O fluido cósmico oferece dois
estados distintos: o da eterização ou imponderabilidade, que pode ser
considerado seu estado normal primitivo, e o de materialização ou
ponderabilidade, que lhe é consecutivo. VIII – Cada um desses dois estados dá
necessariamente lugar a fenômenos especiais. Ao segundo pertencem os do mundo
visível, e ao primeiro, os do mundo invisível. IX – Uns, chamados fenômenos
materiais, são do campo da ciência propriamente dita; os outros, qualificados
de fenômenos espirituais, são da atribuição do Espiritismo. (Págs. 74 a 77.)
46. Falando
sobre as perseguições que se multiplicavam contra o Espiritismo em diversos
lugares, Kardec diz que a maior parte dessas ocorrências tinha por objeto o
exercício ilegal da medicina, ou acusações de charlatanice, peloticas ou
trapaças. O Espiritismo – adverte o Codificador – não podia, contudo, ser
responsável por indivíduos que indevidamente tomavam a qualidade de médium,
assim como a verdadeira ciência não responde pelos escamoteadores que se dizem
físicos, quando ele próprio condena a exploração da mediunidade e a considera
contrária aos princípios da doutrina. (Págs. 78 a 80.)
47. Depois de
reafirmar que a mediunidade não pode constituir um ofício, nem ser um meio de
adivinhação ou de descoberta de tesouros, Kardec lembra que a mediunidade
curadora existe, mas se subordina a tantas condições restritivas, que isso
exclui a possibilidade de alguém manter um consultório aberto, sem a suspeita
de charlatanismo. A mediunidade curadora é uma “obra de devotamento e de
sacrifício e não de especulação”. “Exercida com desinteresse, prudência e
discernimento, e contida nos limites traçados pela doutrina, não pode cair sob
os golpes da lei.” (Pág. 80.)
48. O médium,
segundo os desígnios da Providência e sob as vistas do Espiritismo, seja
artífice ou seja príncipe, recebeu um mandato que deve cumprir religiosamente e
com dignidade. Ele não vê na sua faculdade senão um meio de glorificar a Deus e
servir ao próximo, e se faz estimar e respeitar por sua simplicidade, modéstia
e abnegação, o que não se dá com os que fazem da mediunidade um trampolim, um
instrumento, para servir aos seus interesses e satisfazer a sua vaidade. (Págs.
80 e 81.)
49. Na
sequência, Kardec transcreve uma carta datada de 24/11/1865, que lhe foi
enviada pelo Sr. Bonnamy, juiz de instrução, que se tornou espírita tão somente
com a leitura d’ O Livro dos Espíritos. (Págs. 82 a 84.)
50.
Posteriormente, o pai do Sr. Bonnamy manifestou-se na Sociedade Espírita de
Paris, valendo-se da mediunidade do Sr. Desliens, ocasião em que examinou a
progressividade da legislação humana, que, como todas as coisas deste mundo,
está submetida ao progresso, progresso lento, insensível, mas constante (Págs.
85 a 87.)
51. Em sua
comunicação o pai do Sr. Bonnamy faz uma observação muito interessante que, às
vezes, nos escapa. “Por mais admiráveis que sejam, para certas pessoas, as
legislações antigas dos Gregos e dos Romanos – disse ele –, elas são muito
inferiores às que governam as populações adiantadas de vossa época!” A lei
terrena será ainda por muito tempo repressiva e castigará os culpados, mas a
pena de morte desaparecerá no futuro, pela força das coisas. (Págs. 85 a 87.)
52. Um dos
correspondentes da Revista, escrevendo de Milianah, Argélia, refere-se à sua
faculdade de desprendimento espiritual durante a vigília, ocasião em que seu
Espírito viaja longe, visita as pessoas e os lugares de que gosta e depois
retorna sem esforço. Kardec, ao registrar o fato, dá a essa faculdade o nome de
mediunidade mental, afirmando ser considerável o número de pessoas que, em
vigília, sofrem a influência dos Espíritos e recebem a inspiração de
pensamentos que não são seus. (Págs. 87 e 88.)
Respostas às questões propostas
A. Por que os
exorcismos são impotentes?
Duas causas –
lembra Kardec – explicam a impotência dos exorcismos: 1ª – Eles são dirigidos
aos demônios; contudo os obsessores e perturbadores não são demônios, mas seres
humanos. 2ª – O exorcismo não é uma prece, mas um anátema, uma ameaça, que
irrita o agente invisível e não concorre para o conduzir ao bem. (Revista
Espírita de 1866, pág. 57.)
B. Há diferença
entre alma e Espírito?
Sim, uma
diferença sutil. A natureza íntima da alma escapa completamente às
investigações humanas, mas sabemos que ela é revestida de um envoltório ou
corpo fluídico, constituindo, assim, com esse envoltório o ser que chamamos
Espírito. A alma seria, portanto, um ser simples e o Espírito, um ser duplo. O
envoltório que reveste a alma, que chamamos de perispírito, embora de uma
natureza etérea e sutil, não é menos matéria, e a reveste não só durante a
encarnação, mas também na erraticidade. Laço que une a alma ao corpo material,
o perispírito não é uma criação imaginária e sua existência é um fato
comprovado pela observação. Todas as teogonias atribuem aos seres invisíveis um
corpo fluídico e São Paulo o define claramente em sua 1ª Epístola aos Coríntios
(XV:35-50). (Obra citada, pp. 67 a 74.)
C. Pode o exercício da mediunidade constituir um ofício?
Não. A mediunidade não pode constituir um ofício,
nem ser um meio de adivinhação ou de descoberta de tesouros. O médium,
segundo os desígnios da Providência e sob as vistas do Espiritismo, seja
artífice ou seja príncipe, recebeu um mandato que deve cumprir religiosamente e
com dignidade. (Obra citada, pp. 80 e 81.)
Observação:
Para
acessar a 3ª Parte deste estudo, publicada na semana passada, clique
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