CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Era numa das cidades áridas e
quentes de verão atuante e ainda com fogo cruzado, sem a permissão do
esquecimento de uma guerra incompreendida pelo coração, este que na verdade só
almeja a paz, que a menina Bahareh morava com seus pais e o irmão caçula Ahmad.
A casa era pequena, ou melhor,
era mais uma porta no cortiço repleto de escadas, com panos estendidos servindo
de cortinas delimitando as fronteiras entre as muitas famílias. No entanto, a
atmosfera de pobreza e das inúmeras dificuldades recendia no cenário comum para
todos os moradores daquele lugar.
Naquela parte do Oriente, até
mesmo a participação e a frequência em uma escola não eram casos simples devido
aos muitos obstáculos ocasionados desde tempo remoto que ainda perduravam. Na
verdade, a vida era bem difícil em muitos aspectos; a miserabilidade
predominava.
Bahareh já completara seus doze
anos e o seu sonho era tornar-se professora para doar conhecimento, libertar
seres humanos da gaiola da ignorância, mas com amor e não por meio de um gesto
mecânico e indiferente de aprendizagem.
Era uma aluna muito aplicada,
embora as condições desfavoráveis somavam um número bem maior. Não faltava às
aulas, mesmo, às vezes, sem ir com nenhuma refeição nem levar um lanchinho
sequer. Havia escassez de comida no lugar. Entretanto, sempre há alguém
observando e todos acabam sendo observados.
Realmente foi o que aconteceu a
Bahareh. Na escola onde estudava, havia uma senhora canadense que fazia
pesquisas sobre a qualidade dos estudos naquela parte do Oriente. A senhora,
chamada Margot, trabalhava para uma renomada instituição, preocupada,
principalmente, com a educação e, em consequência, com a melhoria de países
pobres e ainda em
guerra. Margot observava o comportamento dos muitos alunos e,
certo dia, passou a atentar-se mais a uma menina com o nome Bahareh e a se
interessar por sua disciplina e amabilidade com os colegas e professores. E a
cada novo dia, a senhora Margot gostava mais da franzina menina.
O irmão Ahmad também frequentava
a série inicial na escola; no entanto, os olhos da pesquisadora se encantaram
por Bahareh.
A senhora Margot buscava mais
informações sobre a menina, por meio dos professores, e com novas descobertas,
diariamente, a apreciava mais. Até que surgiu uma ocasião e puderam, as duas,
conversar um pouco. A menina, em sua tão plena simplicidade, não compreendera
muito bem o objetivo daquelas palavras, mas simpatizou com a senhora canadense.
Então, esta escreveu um bilhete pedindo a seus pais que viessem à escola para
explicar-lhes sobre a eminente oportunidade, se é que, assim, eles a
compreenderiam.
Bahareh voltou para casa com o
irmão. Logo, ao chegar, entregou o bilhete à mãe, pois o pai estava fazendo
algum biscate, ele havia sido dispensado recentemente de um trabalho formal. A
mãe lera sem bem compreender, até ficou brava com a filha imaginando alguma
má-criação na escola.
– Mamãe, não fiz nada de errado.
A senhora Margot, uma pesquisadora canadense, quer muito lhe falar... com o
papai também... se ele puder - a menina, com medo, tentou explicar à mãe.
No dia seguinte, a família
compareceu à escola. As crianças foram direto à sala de aula e os pais, com
muita vergonha e medo por algum problema, dirigiram-se até a coordenação, pois
o bilhete assim lhes pedia.
Aproximaram-se da porta e em
segundos a senhora veio recebê-los.
– Bom dia, vocês são os pais de
Bahareh, não é mesmo? - ela perguntou afirmando.
– Sim... ela fez alguma coisa
errada? - o pai perguntou.
– Não, por favor! Bahareh é uma
ótima aluna... muito aplicada, gentil e inteligente.
Os pais respiraram com mais
alívio. A mãe mal olhava para a senhora.
– Por favor, queiram entrar e se
sentem.
O casal entrou e sentou-se de
frente para a senhora canadense.
– Aceitam café ou água?
– Não, obrigado - o homem
respondeu também pela esposa. - Desculpe-me, senhora, mas estamos preocupados
com o que deseja conosco - o homem falou, apreensivo.
– Sim, senhor Mohamed, vou lhes
explicar.
Então, a senhora esclareceu
sobre o trabalho que realizava, de onde era e o porquê do interesse em Bahareh.
– Senhor Mohamed, é uma grande
oportunidade de melhor educação para sua filha. Vocês têm todas as garantias e
acompanharão o seu desenvolvimento. A instituição na qual trabalho viabiliza
meios para que crianças esforçadas e inteligentes, como Bahareh, possam ter
formação, fato que aqui, na realidade atual, dificilmente aconteceria, aliás, é
quase impossível - a senhora confirmou.
Os pais observavam,
desconfiados, mas ao mesmo tempo, pela primeira vez, visualizavam um possível
futuro mais feliz para a sua menina.
– Ela terá casa, estudo e tudo o
que for necessário para o seu bom desenvolvimento – a senhora observou o casal.
– Não fiquem preocupados, ela será cuidada como uma filha - a senhora Margot
falou sinceramente.
Naquela manhã, o céu estava bem
azul; há muito não se via uma cor bonita em meio à fumaça da guerra rotineira.
Os pais, cobertos da pura
simplicidade, se olharam buscando a resposta que, de certa forma, era única,
pelo amor à filha.
– Eu e minha esposa concordamos
com plena confiança em suas palavras, senhora. A mais nobre atitude é poder
confiar em quem é confiável de verdade, pois é conquista assumida ao longo dos
bons atos - o senhor Mohamed silenciou e olhou para os olhos da senhora Margot
e continuou. - Somos família muito pobre, mas amor não falta entre nós. Peço
que a senhora olhe nossa filha como se fosse a sua própria. Por amor,
libertamos nossa menina, se ela quiser, para melhor oportunidade com completa
confiança em suas palavras, senhora - o senhor falou com a voz embargada do
amor imensurável.
Os olhos dos pais estavam rasos
da lágrima sentida, no entanto, esperançosa.
– Sim, senhor Mohamed e senhora
Naheed. Vou buscar Bahareh para que possamos ouvir sua opinião e resposta. Por
favor, aguardem. Logo estarei de volta - a senhora foi buscar a aluna aplicada
e amorosa.
– Por favor, preciso de um
instante com Bahareh, professora Dara - a senhora Margot pediu com toda
delicadeza e bondade, essas já eram seus atributos conhecidos.
Bahareh recebeu permissão e, um
pouco ansiosa pelo assunto, andou lado a lado com a senhora canadense, que nada
comentou, até chegarem à sala onde os pais estavam.
– Querida Bahareh, por favor,
sente-se nesta cadeira – a senhora puxou o lugar ao seu lado e de frente para
seus pais.
A menina, muda e mais apreensiva
pelos olhares dos pais, sentiu o coração bater forte e rápido. Respirava fundo,
instintivamente, querendo se acalmar.
Quatro seres em busca de algo
melhor; entretanto, as grandes mudanças sempre são acompanhadas de um temor
talvez por serem desconhecidos os seus resultados, mas são das mudanças que se
conquistam progresso e crescimento.
E durante a conversa
explicativa, a senhora Margot esclarecia todas as etapas à pequena Bahareh,
explanações essas, aproveitadas, mais uma vez, pelos pais.
Os olhos da menina brilhavam o
brilho da surpresa, da alegria, da dor de, por enquanto, separar-se de sua
família... de seu pequenino e amado irmãozinho.
Após a explicação, a senhora
percebeu que os quatro participantes do momento estavam emocionados, felizes,
muito esperançosos e os três sentiam o pesar da breve separação... Ah, como é
doído ausentar-se de quem se ama! Mas o “amor” é o exímio professor da
“liberdade”, duas características iluminadas para a alma de agora, espírito
eterno.
A menina veio para o aconchego
dos braços paternos e quanto abraçaram-na. E quantos beijos a filha recebeu de
seus pais. Esses gestos selaram o consentimento e a decisão para um novo
caminho na vida da pequena e querida Bahareh.
Com a resolução tomada, os
papéis assinados e só alguns documentos por ainda apresentar, a senhora Margot
abraçou a mãe e também deu um abraço um tanto distante no pai, ainda assim, o
senhor Mohamed, mesmo que formalmente, deixou-se abraçar; costumes do Oriente
Médio. Com tanta singeleza e agradecimento, Bahareh abraçou a senhora; olhos
castanhos, com a ternura profunda, olharam os olhos azuis da canadense
descendente de franceses, e como reconheceram, de alguma forma, o carinho,
talvez, de outro tempo... com o sentimento mais profundo.
Os três se retiraram da sala e
não havia maneira, ou seja, condições, de Bahareh voltar à aula; fora um grande
acontecimento. Então, os pais pediram permissão para também levarem o pequeno
Ahmad, assim, não precisariam retornar somente para buscá-lo.
A família, com passos dispersos
pela ocasião, retornara, em silêncio surpreso, para o simplesmente rústico lar,
privado, quase por inteiro, das tão necessárias mínimas coisas; mas amor...
quão importante, isso possuía, mesmo com a demonstração mais discreta.
Esse silêncio era interrompido,
quando o menino Ahmad questionava o motivo da volta antecipada para casa.
– Ninguém responde – reclamava o
pequeno. – Mas ter menos aula é legal! – ele comentava um pouco baixo com medo
da censura dos pais.
Criança é sempre o mesmo encanto
em todos os lugares.
A família chegara ao cortiço e
logo estava à frente da porta de sua casa.
Os pais e Bahareh estavam
aparentemente contentes, no entanto a preocupação pelos iminentes
acontecimentos e ainda mais a separação eram fatores inquietantes para a
família que se amava.
Os olhos da mãe estavam rasos da
lágrima doída. E Bahareh percebendo falou-lhe:
– Mamãe, se não quiser eu não
vou - sempre com um jeito doce, a menina se expressava.
– Não, minha filha. É uma
oportunidade de vida melhor para você. Aqui, meu amor, será assim ou pior com
os anos - a mãe sentou-se e trouxe a filha para perto. – A mamãe está muito
feliz por isso... – a mãe chorou com sentimento profundo. – Mas sofro pela
separação, se você será cuidada... por tanto amor, minha querida filha Bahareh.
O pai ouvia sem se intrometer,
ele fingia arrumar algo por perto. Também estava com um incômodo, se se pode
dizer, no coração, uma sensação de que algo poderia modificar muito o andamento
de suas vidas. Entretanto, era uma ocasião muito favorável e não podiam negar à
filha. Quantos beijos nas faces, quantos abraços prolongados, mãe e filha se
deram.
O pequeno Ahmad, sem
compreender, mas curioso, perguntou, brincando com um caminhãozinho sem rodas:
– Mamãe, o que está acontecendo?
A senhora olhou para o filho e
buscou a forma mais apropriada para explicar-lhe a situação. Após o
esclarecimento, mais lágrimas desceram do rosto terno do menino.
– Bahareh, você vai nos deixar? –
com o pranto na face e na alma, o irmãozinho não se conteve e chorou como
verdadeira criança que era, por tanto sentimento, por tanto amor.
A irmã não encontrara as
palavras certas e imediatas, então, abraçou-o com a brandura fraterna que lhe
era própria.
– Ah... Ahmad! Não fique assim,
meu lindo. Eu te amo tanto. Olhe para mim! - a menina levantou, pelo queixo, o
rosto do pequeno. - É um grande presente recebido dos Céus. Preste atenção, meu
irmão. Vou ficar um tempo fora para estudar, aprender coisas novas e quando
estiver pronta retornarei para ajudá-lo a viver de maneira mais proveitosa e
feliz. Não fique triste, meu lindo. Eu te amo tanto - Bahareh abraçou o pequeno
e ficou assim até ele se acalmar e parar de soluçar.
Não havia muito tempo para
organizar o que era preciso, pois Bahareh deixaria seu país em poucos dias rumo
ao Canadá, na companhia da senhora Margot.
Os dias seguintes chegaram e
terminaram rápido e quando se percebeu o dia da partida, então, amanhecera. O
mês era julho, metade do mês já havia passado.
A família foi até a escola, pois
de lá partiriam ao aeroporto. A mala, que continha as coisas da menina, era
pequena e simplesmente simples, podia ser carregada por sua dona sem nenhum
esforço.
Foram, então, ao aeroporto.
A senhora Margot, de fato,
estava muito feliz. Seu semblante, quando olhava a menina, era do amor puro
materno.
Os três ficaram com saudade, com
a ausência, mas com a esperança de receberem, futuramente, uma Bahareh
preparada para ser feliz e também promover a felicidade a tantos infelizes do
momento, no país onde o mais comum eram a cor e o ruído da guerra.
O avião desapareceu no céu. A
família, acompanhada do motorista que trouxera, voltou ao lar... lar, a partir
de agora, por enquanto, sem Bahareh. Os três, na verdade, entendiam a grande
oportunidade e, dessa forma, se acalmaram e iniciaram a nova fase.
A menina, durante a viagem, foi
muito bem cuidada pela senhora Margot e esqueceu-se, um pouco, do momento
dolorido da separação. E tantas coisas a senhora contava, explicava para a
menina que sorria lançando o brilho por seus olhos cheios de esperança e
bondosos.
Quando chegaram ao país de
destino, já era tarde e a instituição onde a menina ficaria, certamente, não
estaria aberta. Bahareh estava muito cansada. A senhora Margot, observando a
pequena e toda a situação, não teve dúvida e se encaminhou a seu apartamento
com a bagagem e a jovenzinha.
Já em casa, a senhora conduziu
Bahareh ao banho enquanto preparava algo para comerem. O apartamento era
cuidado por funcionário da instituição, por isso sempre estava limpo e com
mantimentos, pois a senhora Margot não tinha dia definido para retornar, podia
ser a qualquer momento.
Após o banho, Bahareh apareceu
na cozinha com pijaminha e cabelinho penteado, chegou bem silenciosa, devagar e
muito acanhada.
– Oi, Bahareh! Já está limpinha?
– a senhora comentou.
– Sim, senhora Margot! – a
menina respondeu tão timidamente.
– Estou preparando uma sopa de
legumes para comermos antes do descanso. Está quase pronta. Sente-se à mesa! – a
senhora falou com carinho.
A menina delicadamente
sentou-se. Era muita novidade. Nem podia acreditar, mas também era tudo
estranho... desconhecido.
Muitos pensamentos passaram por
Bahareh até ser trazida à sua realidade com as palavras da senhora:
– Pronto, Bahareh. A sopa está
pronta e podemos comer. Deixe-me servi-la e esfrie um pouco antes, está muito
quente.
Senhora e menina compartilharam
uma ocasião tão simples e eterna; este momento ficaria em suas memórias.
Comeram em silêncio.
A senhora Margot, com discrição,
observava a menina e sentia em seu peito cada vez mais carinho e ternura por
aquela criatura tão dependente... tão meiga... tão cheia de luz.
Após a refeição, ficaram mais
alguns minutos conversando sobre a viagem, nada de importante. No entanto, os
olhinhos de Bahareh queriam se fechar pelo cansaço de todos os acontecimentos.
Então, a senhora ajudou a
pequena até o banheiro e em seguida com a cama limpa e arrumada. Bahareh
deitou-se e, assim que descansou a cabeça no travesseiro de fronha branca e
bordada, já estava adormecida.
A senhora cobriu-a e sentiu uma
emoção profunda, como se algo a revisitasse.
Olhou, mais uma vez, a menina e
deixou, tão pensativa, o quarto. Que amoroso sentimento viveu.
Na manhã seguinte, senhora
Margot foi chamar Bahareh. Quando entrou no quarto, deparou-se com a menina
trocada de roupa e sentadinha na cama, arrumada, impecavelmente.
– Bom dia, Bahareh! Já está
pronta, minha querida?
– Sim, senhora Margot – respondeu
a menina.
– Percebo que está um pouco
encabulada, constrangida. Meu bem, você veio para cá por seus méritos, por suas
qualidades. Não fique, em nenhum momento, envergonhada. Você é muito especial e
capaz. Olhe para mim! – a senhora, com ternura, levantou o rosto tão singelo da
pequena.
Bahareh, com os olhinhos mais
felizes, deu um sorriso discreto, mas já era sinal da tranquilidade e segurança
que precisava sentir.
Após o café da manhã, seguiram
para o colégio onde a menina estudaria. Tudo era tão diferente. A começar pelos
ônibus, ruas, casas, carros, jardins, tudo era tão bonito, limpo, novo; o
contrário de onde vivia, na terra natal.
Quando chegou ao colégio, o
encantamento foi certo. Os passos da menina tornaram-se mais lentos quando se
adentraram no pátio do colégio.
– Senhora Margot, é tão lindo! -
ela estava com pura magia em seus olhos por
tanta beleza.
– Você estudará aqui, Bahareh.
Poderá compartilhar de uma instituição renomada e de todos os seus benefícios.
Bem-vinda, querida! - a senhora estava realmente muito feliz.
Esse dia foi o primeiro dos
inúmeros que se transformaram nos anos que precederam à sua formatura.
Sim, passado todo esse tempo,
Bahareh se formara, era uma professora de língua inglesa e francesa e de suas
respectivas literaturas. Sua formação era apta ao ensino superior, mas seu
desejo era poder ajudar as crianças de sua cidade, de seu país. Durante todo
esse período, havia único objetivo e parte de seu sonho estava conquistada e
agora seguiria a outra.
A disciplina de Bahareh aliada
às notas, em sua maioria, máximas, renderam-lhe o título de honra como a melhor
aluna que passara pela universidade de Toronto até o momento. E no dia de sua
formatura, a moça, agora, com as palavras mais carinhosas, reconheceu, com
plena gratidão, todo amparo, amor, confiança e amizade doados pelo generoso
coração da senhora Margot que via em Bahareh a filha que não tivera na
existência corrente.
O sentimento e a atitude
empenhados pela senhora canadense eram realmente valiosos e dignos de nobre
exemplo para quem desejasse amparar e direcionar alguém para uma estrada
iluminada, produtiva e feliz para ambas as partes. Respeito, amor, cuidado,
direção, confiança... tópicos imprescindíveis para o progresso e todos esses
foram existentes entre Bahareh e senhora Margot.
Restara agora a partida.
A jovem seguiria para a segunda
etapa tão valiosa para o seu coração que era amparar quem tanto necessitava e
quem era o futuro de uma família e de uma nação: as crianças fragilizadas de
sua cidade.
Então, no dia de seu retorno,
Bahareh pôde dizer tudo o que sentia a tão estimada senhora canadense; sentadas
no sofá, a jovem pegou a mão com os traços da experiência de vida e assim
começou:
– Senhora Margot, quero muito
lhe agradecer o presente abençoado que me concedeu – os olhos de ambas começaram
a ficar brilhosos com a lágrimas da emoção. – Com tanto amor, cuidou de mim,
fez o que muitas mães não fariam pelos próprios filhos. Ensinou-me, com tanta
ternura, as palavras para o meu aprimoramento e crescimento - tornava-se um
momento eterno. – Cada gesto, ação, olhar, carinho doados a mim,
transformaram-se em flores e foram tantos que minha vida agora se constitui de
antes e depois do encontro com a senhora.
– Oh, minha querida! Você trouxe
luz e felicidade para o meu dia... quanto amor e carinho por você. Meu coração
a reconhece como filha amada e eterna. Em cada amanhecer quando a via se
aprontando para o colégio... minha alma pulsava com alegria animadora de vida;
quando a via retornar, depois de um dia pleno de atividade, ficava em paz e
completa – senhora Margot passou a mão na própria face, tentando secar as
lágrimas incontidas da emoção. – Estarei aqui... sempre a amando maternalmente.
Você estará sempre comigo, minha querida.
Em momentos tão grandiosos
assim, a energia amorosa e benéfica se irradia para todos os lados com um raio
de grande extensão auxiliadora; os atos bondosos são luz para tantos.
O abraço se demorou, pois a
separação, mesmo que momentânea ou tardia, infelicita um pouco o coração também
amoroso e, naturalmente, uma reconstituição dos acontecimentos é vivenciada.
E Bahareh, muito emocionada,
falou à senhora, olhando em seus olhos:
– Senhora Margot, também meu
coração a sente como mãe amada e eterna.
Olhos que se olhavam e deixavam
as lágrimas mais sentidas e sentimentais descerem pela face, propagação da
alma.
O interfone anunciou que o táxi
aguardava Bahareh; o voo sairia em poucas horas.
Normalmente, até que o espírito
não se torne completo pelo progresso pode se sentir incompleto pela ausência
das pessoas amadas, mas há aquelas que o coração nunca esquece e sofre, sim, a
impermanência e distância. No entanto, a bondade suprema reconcilia a
felicidade no coração oportunizando reencontros e aproximações, mesmo que ainda
breves.
No caminho para o aeroporto,
Bahareh sentira a mais profunda dor na existência em questão, não esquecia a
imagem da senhora Margot acenando pela janela. Como poderia ser feliz deixando
quem tanto a ama e a ajudou, principalmente, no tempo tão delicado da idade
mais avançada, momento no qual se encontrava a senhora.
Então, a jovem mulher pediu ao
motorista que retornasse à origem. E chegando à frente do prédio, a senhora
Margot ainda estava atrás do vidro, olhando, talvez, para o horizonte incerto
de alegria, mas ainda assim com belas realizações e lembranças.
Bahareh desceu rapidamente do
carro e subiu as escadas até o primeiro andar e abriu a porta, encostada como
deixara.
– Também minha querida mãe, não
posso deixá-la... é parte de mim... de minha vida. Ficarei com a senhora até
quando neste plano estiver.
Bahareh abraçou tanto a senhora
Margot, com amor puro e fortalecido pelo tempo.
Nesta hora, enquanto viviam o
mais eternizante sentimento e abraço, na dimensão paralela, algumas cenas
marcadas por outras existências puderam ser vistas. Na primeira, que desencadeou
todo o processo, a senhora Margot abandonara a filha pequena; em outro momento,
a filha, adulta, deixara de lado a mãe adoentada e idosa, seguira
irresponsavelmente seu caminho; sucessivas vezes ocorreram o processo. Quando
no tempo atual vieram em núcleos familiares diferentes e já com um fardo
extenso de sofrimento pelas reincidências dos mesmos atos inadequados, e com a
vontade de se melhorarem inconscientemente, na essência da alma, casa do
espírito, venceram o obstáculo e o ranço da atitude desfavorável se desfez
dando espaço ao magnânimo amor, edificante e mais nobre energia que cura os
debilitados, traz luz aos olhos espirituais que só viam a escuridão.
E a completude entre mãe e filha
se deu num anoitecer do primeiro mês do ano, quando a neve, fresca, completava
o cenário branco... a mesma cor da paz.
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