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terça-feira, 1 de abril de 2014

Na aridez, Bahareh e senhora Margot encontraram a paz


CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Era numa das cidades áridas e quentes de verão atuante e ainda com fogo cruzado, sem a permissão do esquecimento de uma guerra incompreendida pelo coração, este que na verdade só almeja a paz, que a menina Bahareh morava com seus pais e o irmão caçula Ahmad.
A casa era pequena, ou melhor, era mais uma porta no cortiço repleto de escadas, com panos estendidos servindo de cortinas delimitando as fronteiras entre as muitas famílias. No entanto, a atmosfera de pobreza e das inúmeras dificuldades recendia no cenário comum para todos os moradores daquele lugar.
Naquela parte do Oriente, até mesmo a participação e a frequência em uma escola não eram casos simples devido aos muitos obstáculos ocasionados desde tempo remoto que ainda perduravam. Na verdade, a vida era bem difícil em muitos aspectos; a miserabilidade predominava.
Bahareh já completara seus doze anos e o seu sonho era tornar-se professora para doar conhecimento, libertar seres humanos da gaiola da ignorância, mas com amor e não por meio de um gesto mecânico e indiferente de aprendizagem.
Era uma aluna muito aplicada, embora as condições desfavoráveis somavam um número bem maior. Não faltava às aulas, mesmo, às vezes, sem ir com nenhuma refeição nem levar um lanchinho sequer. Havia escassez de comida no lugar. Entretanto, sempre há alguém observando e todos acabam sendo observados.
Realmente foi o que aconteceu a Bahareh. Na escola onde estudava, havia uma senhora canadense que fazia pesquisas sobre a qualidade dos estudos naquela parte do Oriente. A senhora, chamada Margot, trabalhava para uma renomada instituição, preocupada, principalmente, com a educação e, em consequência, com a melhoria de países pobres e ainda em guerra. Margot observava o comportamento dos muitos alunos e, certo dia, passou a atentar-se mais a uma menina com o nome Bahareh e a se interessar por sua disciplina e amabilidade com os colegas e professores. E a cada novo dia, a senhora Margot gostava mais da franzina menina.
O irmão Ahmad também frequentava a série inicial na escola; no entanto, os olhos da pesquisadora se encantaram por Bahareh.
A senhora Margot buscava mais informações sobre a menina, por meio dos professores, e com novas descobertas, diariamente, a apreciava mais. Até que surgiu uma ocasião e puderam, as duas, conversar um pouco. A menina, em sua tão plena simplicidade, não compreendera muito bem o objetivo daquelas palavras, mas simpatizou com a senhora canadense. Então, esta escreveu um bilhete pedindo a seus pais que viessem à escola para explicar-lhes sobre a eminente oportunidade, se é que, assim, eles a compreenderiam.
Bahareh voltou para casa com o irmão. Logo, ao chegar, entregou o bilhete à mãe, pois o pai estava fazendo algum biscate, ele havia sido dispensado recentemente de um trabalho formal. A mãe lera sem bem compreender, até ficou brava com a filha imaginando alguma má-criação na escola.
– Mamãe, não fiz nada de errado. A senhora Margot, uma pesquisadora canadense, quer muito lhe falar... com o papai também... se ele puder - a menina, com medo, tentou explicar à mãe.
No dia seguinte, a família compareceu à escola. As crianças foram direto à sala de aula e os pais, com muita vergonha e medo por algum problema, dirigiram-se até a coordenação, pois o bilhete assim lhes pedia.
Aproximaram-se da porta e em segundos a senhora veio recebê-los.
– Bom dia, vocês são os pais de Bahareh, não é mesmo? - ela perguntou afirmando.
– Sim... ela fez alguma coisa errada? - o pai perguntou.
– Não, por favor! Bahareh é uma ótima aluna... muito aplicada, gentil e inteligente.
Os pais respiraram com mais alívio. A mãe mal olhava para a senhora.
– Por favor, queiram entrar e se sentem.
O casal entrou e sentou-se de frente para a senhora canadense.
– Aceitam café ou água?
– Não, obrigado - o homem respondeu também pela esposa. - Desculpe-me, senhora, mas estamos preocupados com o que deseja conosco - o homem falou, apreensivo.
– Sim, senhor Mohamed, vou lhes explicar.
Então, a senhora esclareceu sobre o trabalho que realizava, de onde era e o porquê do interesse em Bahareh.
– Senhor Mohamed, é uma grande oportunidade de melhor educação para sua filha. Vocês têm todas as garantias e acompanharão o seu desenvolvimento. A instituição na qual trabalho viabiliza meios para que crianças esforçadas e inteligentes, como Bahareh, possam ter formação, fato que aqui, na realidade atual, dificilmente aconteceria, aliás, é quase impossível - a senhora confirmou.
Os pais observavam, desconfiados, mas ao mesmo tempo, pela primeira vez, visualizavam um possível futuro mais feliz para a sua menina.
– Ela terá casa, estudo e tudo o que for necessário para o seu bom desenvolvimento – a senhora observou o casal. – Não fiquem preocupados, ela será cuidada como uma filha - a senhora Margot falou sinceramente.
Naquela manhã, o céu estava bem azul; há muito não se via uma cor bonita em meio à fumaça da guerra rotineira.
Os pais, cobertos da pura simplicidade, se olharam buscando a resposta que, de certa forma, era única, pelo amor à filha.
– Eu e minha esposa concordamos com plena confiança em suas palavras, senhora. A mais nobre atitude é poder confiar em quem é confiável de verdade, pois é conquista assumida ao longo dos bons atos - o senhor Mohamed silenciou e olhou para os olhos da senhora Margot e continuou. - Somos família muito pobre, mas amor não falta entre nós. Peço que a senhora olhe nossa filha como se fosse a sua própria. Por amor, libertamos nossa menina, se ela quiser, para melhor oportunidade com completa confiança em suas palavras, senhora - o senhor falou com a voz embargada do amor imensurável.
Os olhos dos pais estavam rasos da lágrima sentida, no entanto, esperançosa.
– Sim, senhor Mohamed e senhora Naheed. Vou buscar Bahareh para que possamos ouvir sua opinião e resposta. Por favor, aguardem. Logo estarei de volta - a senhora foi buscar a aluna aplicada e amorosa.
– Por favor, preciso de um instante com Bahareh, professora Dara - a senhora Margot pediu com toda delicadeza e bondade, essas já eram seus atributos conhecidos.
Bahareh recebeu permissão e, um pouco ansiosa pelo assunto, andou lado a lado com a senhora canadense, que nada comentou, até chegarem à sala onde os pais estavam.
– Querida Bahareh, por favor, sente-se nesta cadeira – a senhora puxou o lugar ao seu lado e de frente para seus pais.
A menina, muda e mais apreensiva pelos olhares dos pais, sentiu o coração bater forte e rápido. Respirava fundo, instintivamente, querendo se acalmar.
Quatro seres em busca de algo melhor; entretanto, as grandes mudanças sempre são acompanhadas de um temor talvez por serem desconhecidos os seus resultados, mas são das mudanças que se conquistam progresso e crescimento.
E durante a conversa explicativa, a senhora Margot esclarecia todas as etapas à pequena Bahareh, explanações essas, aproveitadas, mais uma vez, pelos pais.
Os olhos da menina brilhavam o brilho da surpresa, da alegria, da dor de, por enquanto, separar-se de sua família... de seu pequenino e amado irmãozinho.
Após a explicação, a senhora percebeu que os quatro participantes do momento estavam emocionados, felizes, muito esperançosos e os três sentiam o pesar da breve separação... Ah, como é doído ausentar-se de quem se ama! Mas o “amor” é o exímio professor da “liberdade”, duas características iluminadas para a alma de agora, espírito eterno.
A menina veio para o aconchego dos braços paternos e quanto abraçaram-na. E quantos beijos a filha recebeu de seus pais. Esses gestos selaram o consentimento e a decisão para um novo caminho na vida da pequena e querida Bahareh.
Com a resolução tomada, os papéis assinados e só alguns documentos por ainda apresentar, a senhora Margot abraçou a mãe e também deu um abraço um tanto distante no pai, ainda assim, o senhor Mohamed, mesmo que formalmente, deixou-se abraçar; costumes do Oriente Médio. Com tanta singeleza e agradecimento, Bahareh abraçou a senhora; olhos castanhos, com a ternura profunda, olharam os olhos azuis da canadense descendente de franceses, e como reconheceram, de alguma forma, o carinho, talvez, de outro tempo... com o sentimento mais profundo.
Os três se retiraram da sala e não havia maneira, ou seja, condições, de Bahareh voltar à aula; fora um grande acontecimento. Então, os pais pediram permissão para também levarem o pequeno Ahmad, assim, não precisariam retornar somente para buscá-lo.
A família, com passos dispersos pela ocasião, retornara, em silêncio surpreso, para o simplesmente rústico lar, privado, quase por inteiro, das tão necessárias mínimas coisas; mas amor... quão importante, isso possuía, mesmo com a demonstração mais discreta.
Esse silêncio era interrompido, quando o menino Ahmad questionava o motivo da volta antecipada para casa.
– Ninguém responde – reclamava o pequeno. – Mas ter menos aula é legal! – ele comentava um pouco baixo com medo da censura dos pais.
Criança é sempre o mesmo encanto em todos os lugares.
A família chegara ao cortiço e logo estava à frente da porta de sua casa.
Os pais e Bahareh estavam aparentemente contentes, no entanto a preocupação pelos iminentes acontecimentos e ainda mais a separação eram fatores inquietantes para a família que se amava.
Os olhos da mãe estavam rasos da lágrima doída. E Bahareh percebendo falou-lhe:
– Mamãe, se não quiser eu não vou - sempre com um jeito doce, a menina se expressava.
– Não, minha filha. É uma oportunidade de vida melhor para você. Aqui, meu amor, será assim ou pior com os anos - a mãe sentou-se e trouxe a filha para perto. – A mamãe está muito feliz por isso... – a mãe chorou com sentimento profundo. – Mas sofro pela separação, se você será cuidada... por tanto amor, minha querida filha Bahareh.
O pai ouvia sem se intrometer, ele fingia arrumar algo por perto. Também estava com um incômodo, se se pode dizer, no coração, uma sensação de que algo poderia modificar muito o andamento de suas vidas. Entretanto, era uma ocasião muito favorável e não podiam negar à filha. Quantos beijos nas faces, quantos abraços prolongados, mãe e filha se deram.
O pequeno Ahmad, sem compreender, mas curioso, perguntou, brincando com um caminhãozinho sem rodas:
– Mamãe, o que está acontecendo?
A senhora olhou para o filho e buscou a forma mais apropriada para explicar-lhe a situação. Após o esclarecimento, mais lágrimas desceram do rosto terno do menino.
– Bahareh, você vai nos deixar? – com o pranto na face e na alma, o irmãozinho não se conteve e chorou como verdadeira criança que era, por tanto sentimento, por tanto amor.
A irmã não encontrara as palavras certas e imediatas, então, abraçou-o com a brandura fraterna que lhe era própria.
– Ah... Ahmad! Não fique assim, meu lindo. Eu te amo tanto. Olhe para mim! - a menina levantou, pelo queixo, o rosto do pequeno. - É um grande presente recebido dos Céus. Preste atenção, meu irmão. Vou ficar um tempo fora para estudar, aprender coisas novas e quando estiver pronta retornarei para ajudá-lo a viver de maneira mais proveitosa e feliz. Não fique triste, meu lindo. Eu te amo tanto - Bahareh abraçou o pequeno e ficou assim até ele se acalmar e parar de soluçar.
Não havia muito tempo para organizar o que era preciso, pois Bahareh deixaria seu país em poucos dias rumo ao Canadá, na companhia da senhora Margot.
Os dias seguintes chegaram e terminaram rápido e quando se percebeu o dia da partida, então, amanhecera. O mês era julho, metade do mês já havia passado.
A família foi até a escola, pois de lá partiriam ao aeroporto. A mala, que continha as coisas da menina, era pequena e simplesmente simples, podia ser carregada por sua dona sem nenhum esforço.
Foram, então, ao aeroporto.
A senhora Margot, de fato, estava muito feliz. Seu semblante, quando olhava a menina, era do amor puro materno.
Os três ficaram com saudade, com a ausência, mas com a esperança de receberem, futuramente, uma Bahareh preparada para ser feliz e também promover a felicidade a tantos infelizes do momento, no país onde o mais comum eram a cor e o ruído da guerra.
O avião desapareceu no céu. A família, acompanhada do motorista que trouxera, voltou ao lar... lar, a partir de agora, por enquanto, sem Bahareh. Os três, na verdade, entendiam a grande oportunidade e, dessa forma, se acalmaram e iniciaram a nova fase.
A menina, durante a viagem, foi muito bem cuidada pela senhora Margot e esqueceu-se, um pouco, do momento dolorido da separação. E tantas coisas a senhora contava, explicava para a menina que sorria lançando o brilho por seus olhos cheios de esperança e bondosos.
Quando chegaram ao país de destino, já era tarde e a instituição onde a menina ficaria, certamente, não estaria aberta. Bahareh estava muito cansada. A senhora Margot, observando a pequena e toda a situação, não teve dúvida e se encaminhou a seu apartamento com a bagagem e a jovenzinha.
Já em casa, a senhora conduziu Bahareh ao banho enquanto preparava algo para comerem. O apartamento era cuidado por funcionário da instituição, por isso sempre estava limpo e com mantimentos, pois a senhora Margot não tinha dia definido para retornar, podia ser a qualquer momento.
Após o banho, Bahareh apareceu na cozinha com pijaminha e cabelinho penteado, chegou bem silenciosa, devagar e muito acanhada.
– Oi, Bahareh! Já está limpinha? – a senhora comentou.
– Sim, senhora Margot! – a menina respondeu tão timidamente.
– Estou preparando uma sopa de legumes para comermos antes do descanso. Está quase pronta. Sente-se à mesa! – a senhora falou com carinho.
A menina delicadamente sentou-se. Era muita novidade. Nem podia acreditar, mas também era tudo estranho... desconhecido.
Muitos pensamentos passaram por Bahareh até ser trazida à sua realidade com as palavras da senhora:
– Pronto, Bahareh. A sopa está pronta e podemos comer. Deixe-me servi-la e esfrie um pouco antes, está muito quente.
Senhora e menina compartilharam uma ocasião tão simples e eterna; este momento ficaria em suas memórias.
Comeram em silêncio.
A senhora Margot, com discrição, observava a menina e sentia em seu peito cada vez mais carinho e ternura por aquela criatura tão dependente... tão meiga... tão cheia de luz.
Após a refeição, ficaram mais alguns minutos conversando sobre a viagem, nada de importante. No entanto, os olhinhos de Bahareh queriam se fechar pelo cansaço de todos os acontecimentos.
Então, a senhora ajudou a pequena até o banheiro e em seguida com a cama limpa e arrumada. Bahareh deitou-se e, assim que descansou a cabeça no travesseiro de fronha branca e bordada, já estava adormecida.
A senhora cobriu-a e sentiu uma emoção profunda, como se algo a revisitasse.
Olhou, mais uma vez, a menina e deixou, tão pensativa, o quarto. Que amoroso sentimento viveu.
Na manhã seguinte, senhora Margot foi chamar Bahareh. Quando entrou no quarto, deparou-se com a menina trocada de roupa e sentadinha na cama, arrumada, impecavelmente.
– Bom dia, Bahareh! Já está pronta, minha querida?
– Sim, senhora Margot – respondeu a menina.
– Percebo que está um pouco encabulada, constrangida. Meu bem, você veio para cá por seus méritos, por suas qualidades. Não fique, em nenhum momento, envergonhada. Você é muito especial e capaz. Olhe para mim! – a senhora, com ternura, levantou o rosto tão singelo da pequena.
Bahareh, com os olhinhos mais felizes, deu um sorriso discreto, mas já era sinal da tranquilidade e segurança que precisava sentir.
Após o café da manhã, seguiram para o colégio onde a menina estudaria. Tudo era tão diferente. A começar pelos ônibus, ruas, casas, carros, jardins, tudo era tão bonito, limpo, novo; o contrário de onde vivia, na terra natal.
Quando chegou ao colégio, o encantamento foi certo. Os passos da menina tornaram-se mais lentos quando se adentraram no pátio do colégio.
– Senhora Margot, é tão lindo! - ela estava com pura magia em seus olhos por  tanta beleza.
– Você estudará aqui, Bahareh. Poderá compartilhar de uma instituição renomada e de todos os seus benefícios. Bem-vinda, querida! - a senhora estava realmente muito feliz.
Esse dia foi o primeiro dos inúmeros que se transformaram nos anos que precederam à sua formatura.
Sim, passado todo esse tempo, Bahareh se formara, era uma professora de língua inglesa e francesa e de suas respectivas literaturas. Sua formação era apta ao ensino superior, mas seu desejo era poder ajudar as crianças de sua cidade, de seu país. Durante todo esse período, havia único objetivo e parte de seu sonho estava conquistada e agora seguiria a outra.
A disciplina de Bahareh aliada às notas, em sua maioria, máximas, renderam-lhe o título de honra como a melhor aluna que passara pela universidade de Toronto até o momento. E no dia de sua formatura, a moça, agora, com as palavras mais carinhosas, reconheceu, com plena gratidão, todo amparo, amor, confiança e amizade doados pelo generoso coração da senhora Margot que via em Bahareh a filha que não tivera na existência corrente.
O sentimento e a atitude empenhados pela senhora canadense eram realmente valiosos e dignos de nobre exemplo para quem desejasse amparar e direcionar alguém para uma estrada iluminada, produtiva e feliz para ambas as partes. Respeito, amor, cuidado, direção, confiança... tópicos imprescindíveis para o progresso e todos esses foram existentes entre Bahareh e senhora Margot.
Restara agora a partida.
A jovem seguiria para a segunda etapa tão valiosa para o seu coração que era amparar quem tanto necessitava e quem era o futuro de uma família e de uma nação: as crianças fragilizadas de sua cidade.
Então, no dia de seu retorno, Bahareh pôde dizer tudo o que sentia a tão estimada senhora canadense; sentadas no sofá, a jovem pegou a mão com os traços da experiência de vida e assim começou:
– Senhora Margot, quero muito lhe agradecer o presente abençoado que me concedeu – os olhos de ambas começaram a ficar brilhosos com a lágrimas da emoção. – Com tanto amor, cuidou de mim, fez o que muitas mães não fariam pelos próprios filhos. Ensinou-me, com tanta ternura, as palavras para o meu aprimoramento e crescimento - tornava-se um momento eterno. – Cada gesto, ação, olhar, carinho doados a mim, transformaram-se em flores e foram tantos que minha vida agora se constitui de antes e depois do encontro com a senhora.
– Oh, minha querida! Você trouxe luz e felicidade para o meu dia... quanto amor e carinho por você. Meu coração a reconhece como filha amada e eterna. Em cada amanhecer quando a via se aprontando para o colégio... minha alma pulsava com alegria animadora de vida; quando a via retornar, depois de um dia pleno de atividade, ficava em paz e completa – senhora Margot passou a mão na própria face, tentando secar as lágrimas incontidas da emoção. – Estarei aqui... sempre a amando maternalmente. Você estará sempre comigo, minha querida.
Em momentos tão grandiosos assim, a energia amorosa e benéfica se irradia para todos os lados com um raio de grande extensão auxiliadora; os atos bondosos são luz para tantos.
O abraço se demorou, pois a separação, mesmo que momentânea ou tardia, infelicita um pouco o coração também amoroso e, naturalmente, uma reconstituição dos acontecimentos é vivenciada.
E Bahareh, muito emocionada, falou à senhora, olhando em seus olhos:
– Senhora Margot, também meu coração a sente como mãe amada e eterna.
Olhos que se olhavam e deixavam as lágrimas mais sentidas e sentimentais descerem pela face, propagação da alma.
O interfone anunciou que o táxi aguardava Bahareh; o voo sairia em poucas horas.
Normalmente, até que o espírito não se torne completo pelo progresso pode se sentir incompleto pela ausência das pessoas amadas, mas há aquelas que o coração nunca esquece e sofre, sim, a impermanência e distância. No entanto, a bondade suprema reconcilia a felicidade no coração oportunizando reencontros e aproximações, mesmo que ainda breves.
No caminho para o aeroporto, Bahareh sentira a mais profunda dor na existência em questão, não esquecia a imagem da senhora Margot acenando pela janela. Como poderia ser feliz deixando quem tanto a ama e a ajudou, principalmente, no tempo tão delicado da idade mais avançada, momento no qual se encontrava a senhora.
Então, a jovem mulher pediu ao motorista que retornasse à origem. E chegando à frente do prédio, a senhora Margot ainda estava atrás do vidro, olhando, talvez, para o horizonte incerto de alegria, mas ainda assim com belas realizações e lembranças.
Bahareh desceu rapidamente do carro e subiu as escadas até o primeiro andar e abriu a porta, encostada como deixara.
– Também minha querida mãe, não posso deixá-la... é parte de mim... de minha vida. Ficarei com a senhora até quando neste plano estiver.
Bahareh abraçou tanto a senhora Margot, com amor puro e fortalecido pelo tempo.
Nesta hora, enquanto viviam o mais eternizante sentimento e abraço, na dimensão paralela, algumas cenas marcadas por outras existências puderam ser vistas. Na primeira, que desencadeou todo o processo, a senhora Margot abandonara a filha pequena; em outro momento, a filha, adulta, deixara de lado a mãe adoentada e idosa, seguira irresponsavelmente seu caminho; sucessivas vezes ocorreram o processo. Quando no tempo atual vieram em núcleos familiares diferentes e já com um fardo extenso de sofrimento pelas reincidências dos mesmos atos inadequados, e com a vontade de se melhorarem inconscientemente, na essência da alma, casa do espírito, venceram o obstáculo e o ranço da atitude desfavorável se desfez dando espaço ao magnânimo amor, edificante e mais nobre energia que cura os debilitados, traz luz aos olhos espirituais que só viam a escuridão.
E a completude entre mãe e filha se deu num anoitecer do primeiro mês do ano, quando a neve, fresca, completava o cenário branco... a mesma cor da paz.

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