CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Os pés
caminhavam sobre as folhas secas do outono dourado. A pequena estrada se
iniciava timidamente e avançava, decidida, mata adentro. As mãos descansadas e
seguras atrás do corpo era uma forma singela de reverência à sublime natureza.
Desde
pequeno, Nicolau caminhava assim. Hoje já era um ancião, no entanto, suas
características atravessaram bem mais de meio século e mais reforçadas se
mantinham.
Como feixes
da mesma cor do outono, os raios de sol cortavam árvores tão altas e
centenárias, pois a luz sempre transpassa e ilumina. E assim, com raios
dourados na imensidão da mata, transformando em cenário completo e
incomparável, o senhor, em mais uma manhã, se regozijava com o passeio desde
sua simples casa ao clarão do meio do arvoredo circundado por flores amarelas.
Essa clareira
despertava curiosidade, mas o respeito do senhor pela natureza era ainda maior
e ele seguia os dias com mais admiração que questionamentos. Por um tempo teve
a companheira ao lado, no entanto, sua jornada terrena fora programada para um
período mais curto que do esposo, e Nicolau continuou a vida no lugar onde
crescera e tanto amava. E sempre apreciava a grandeza natural com mãos
estendidas e seguras na parte de trás, na parte baixa, nas costas.
Havia também
o Tenório, companheiro de tantos anos, um labrador inteiro preto, um cão
amoroso e protetor. Ele seguia a calma dos passos de seu amigo Nicolau.
O homem não
compreendia nitidamente, mas era atraído a essa clareira como se existisse um
ímã: duas vezes por dia ele se encaminhava, bem de manhãzinha e ao final da
tarde. E sentia, naquele espaço, uma felicidade completa, uma restauração em
sua alma, no entanto, não sabia como esclarecer o sentimento que o tomava
nesses minutos, mas permanecia, quieto e recebedor da luz contínua que jorrava
do alto; nem todas as pessoas eram capazes de observar e entender o que
sucedia.
E assim,
nessas décadas, esse era o ritual diário mas sem esforço, pois lhe era muito
reconfortante e com tanta plenitude.
Quando
Nicolau completara oitenta anos, bem numa terça-feira ainda do mês de outono,
encaminhou-se à clareira, circundada de flores amarelas, na companhia ainda de
seu Tenório já envelhecido, mas ainda, sim, tão próximo companheiro... seu amigo,
e os dois se sentaram, na clareira, canto direito, como de costume. Nicolau,
devagar, sentou-se numa pedra e o cão deitou-se ao seu lado.
Era manhã e
as flores amarelas estavam tão vivas e brilhosas com o orvalho que a noite
deixara.
Os dois, tão
em paz com a vida pelo compromisso de viver, realizado, começaram a sentir o
desligamento da energia terrena; seus corpos começaram a desfalecer e,
lentamente, Nicolau foi pendendo para o mesmo lado onde seu companheiro estava.
E de uma forma singela, o homem se deitou bem ao lado do amigo. O cão ainda
observou Nicolau se ajeitar ao seu lado, inconsciente, e ali ficou. Sem
compreender, mas aceitando o calor restante do corpo do amigo, o animalzinho se
aconchegou e também seus olhos vagarosamente se fecharam e estavam, em seu
último brilho, calmos e felizes. Os dois seguiram a natural viagem. Homem e
animal, seres distintos, porém com o sentimento fraterno e leal do
companheirismo.
Talvez, desde
o início, buscassem a ampla clareira como lugar de bem-estar, supostamente,
estruturada pela natureza, só isso. No entanto, a energia era intensa, acima da
média que se encontra em matas primitivas. E havia naquele momento a luz em
forma de cone abrangendo um pouco mais da extensão do espaço delimitado pelas
flores amarelas.
E essa luz é
desde o início da criação dessa natureza, mas sua intensidade realmente,
incomparável.
Os olhos
espirituais podiam ver a rápida rotação de sua energia e ainda podiam conferir
que era um dos canais mais intensos ligando o plano terreno ao campo etéreo.
Esses campos existem em todos os espaços do universo, são ligações constituídas
por pensamentos e sentimentos elevados que se amparam no amor comum e no bem
coletivo.
E Nicolau, em
toda a sua existência contemporânea, mesmo mais isolado no espaço da natureza
amiga, se completava mais e mais quando ao amanhecer e ao final da tarde,
buscava a clareira escolhida por ele, lugar simples que, no entanto,
transformara-se em pura referência da benéfica radiação. E o ímã da luz
benfazeja tanto se fortalecia durante os anos... a mesma energia é atraída e
muito se fortalece.
Sem a
consciência exata de seu ato, mas o coração radiante de amor, junto com tantos
outros bons espíritos arraigados para a ajuda da regeneração do Planeta,
Nicolau contribuiu para o surgimento dos chamados cordões de equilíbrio, onde
surgem as clareiras tão maravilhosas e restauradoras de fé e amor; em todos os
lugares esse brilho intenso pode se apresentar, onde houver um coração amoroso,
humilde e bondoso, de fato haverá a luz que liga aos céus.
O homem e seu
amigo cumpriram o tempo programado, mas ainda melhor, foram trabalhadores
incansáveis com o propósito no bem, luz que dissipa a escuridão da dor e das
limitações. Continuarão o trabalho e exemplo.
A
responsabilidade dos atos tem, no mínimo, três ramificações: o resultado
direto, o aprendizado para o observador e a relação para o todo comum.
E por meio
desse cordão iluminado, os dois amigos seguiram passagem para o lar de verdade,
a morada do espírito, e a fé, o amor, a bondade partiram junto com os donos
dessa energia, comprovando, assim, mais uma vez, que somos o reflexo de todos
os nossos atos e sentimentos.
Que as
clareiras da luz amorosa sejam um número sempre à frente das devastadoras
energias contrárias.
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