terça-feira, 22 de julho de 2014

As clareiras de luz


CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Os pés caminhavam sobre as folhas secas do outono dourado. A pequena estrada se iniciava timidamente e avançava, decidida, mata adentro. As mãos descansadas e seguras atrás do corpo era uma forma singela de reverência à sublime natureza.
Desde pequeno, Nicolau caminhava assim. Hoje já era um ancião, no entanto, suas características atravessaram bem mais de meio século e mais reforçadas se mantinham.
Como feixes da mesma cor do outono, os raios de sol cortavam árvores tão altas e centenárias, pois a luz sempre transpassa e ilumina. E assim, com raios dourados na imensidão da mata, transformando em cenário completo e incomparável, o senhor, em mais uma manhã, se regozijava com o passeio desde sua simples casa ao clarão do meio do arvoredo circundado por flores amarelas.
Essa clareira despertava curiosidade, mas o respeito do senhor pela natureza era ainda maior e ele seguia os dias com mais admiração que questionamentos. Por um tempo teve a companheira ao lado, no entanto, sua jornada terrena fora programada para um período mais curto que do esposo, e Nicolau continuou a vida no lugar onde crescera e tanto amava. E sempre apreciava a grandeza natural com mãos estendidas e seguras na parte de trás, na parte baixa, nas costas.
Havia também o Tenório, companheiro de tantos anos, um labrador inteiro preto, um cão amoroso e protetor. Ele seguia a calma dos passos de seu amigo Nicolau.
O homem não compreendia nitidamente, mas era atraído a essa clareira como se existisse um ímã: duas vezes por dia ele se encaminhava, bem de manhãzinha e ao final da tarde. E sentia, naquele espaço, uma felicidade completa, uma restauração em sua alma, no entanto, não sabia como esclarecer o sentimento que o tomava nesses minutos, mas permanecia, quieto e recebedor da luz contínua que jorrava do alto; nem todas as pessoas eram capazes de observar e entender o que sucedia.
E assim, nessas décadas, esse era o ritual diário mas sem esforço, pois lhe era muito reconfortante e com tanta plenitude.
Quando Nicolau completara oitenta anos, bem numa terça-feira ainda do mês de outono, encaminhou-se à clareira, circundada de flores amarelas, na companhia ainda de seu Tenório já envelhecido, mas ainda, sim, tão próximo companheiro... seu amigo, e os dois se sentaram, na clareira, canto direito, como de costume. Nicolau, devagar, sentou-se numa pedra e o cão deitou-se ao seu lado.
Era manhã e as flores amarelas estavam tão vivas e brilhosas com o orvalho que a noite deixara.
Os dois, tão em paz com a vida pelo compromisso de viver, realizado, começaram a sentir o desligamento da energia terrena; seus corpos começaram a desfalecer e, lentamente, Nicolau foi pendendo para o mesmo lado onde seu companheiro estava. E de uma forma singela, o homem se deitou bem ao lado do amigo. O cão ainda observou Nicolau se ajeitar ao seu lado, inconsciente, e ali ficou. Sem compreender, mas aceitando o calor restante do corpo do amigo, o animalzinho se aconchegou e também seus olhos vagarosamente se fecharam e estavam, em seu último brilho, calmos e felizes. Os dois seguiram a natural viagem. Homem e animal, seres distintos, porém com o sentimento fraterno e leal do companheirismo.
Talvez, desde o início, buscassem a ampla clareira como lugar de bem-estar, supostamente, estruturada pela natureza, só isso. No entanto, a energia era intensa, acima da média que se encontra em matas primitivas. E havia naquele momento a luz em forma de cone abrangendo um pouco mais da extensão do espaço delimitado pelas flores amarelas.
E essa luz é desde o início da criação dessa natureza, mas sua intensidade realmente, incomparável.
Os olhos espirituais podiam ver a rápida rotação de sua energia e ainda podiam conferir que era um dos canais mais intensos ligando o plano terreno ao campo etéreo. Esses campos existem em todos os espaços do universo, são ligações constituídas por pensamentos e sentimentos elevados que se amparam no amor comum e no bem coletivo.
E Nicolau, em toda a sua existência contemporânea, mesmo mais isolado no espaço da natureza amiga, se completava mais e mais quando ao amanhecer e ao final da tarde, buscava a clareira escolhida por ele, lugar simples que, no entanto, transformara-se em pura referência da benéfica radiação. E o ímã da luz benfazeja tanto se fortalecia durante os anos... a mesma energia é atraída e muito se fortalece.
Sem a consciência exata de seu ato, mas o coração radiante de amor, junto com tantos outros bons espíritos arraigados para a ajuda da regeneração do Planeta, Nicolau contribuiu para o surgimento dos chamados cordões de equilíbrio, onde surgem as clareiras tão maravilhosas e restauradoras de fé e amor; em todos os lugares esse brilho intenso pode se apresentar, onde houver um coração amoroso, humilde e bondoso, de fato haverá a luz que liga aos céus.
O homem e seu amigo cumpriram o tempo programado, mas ainda melhor, foram trabalhadores incansáveis com o propósito no bem, luz que dissipa a escuridão da dor e das limitações. Continuarão o trabalho e exemplo.
A responsabilidade dos atos tem, no mínimo, três ramificações: o resultado direto, o aprendizado para o observador e a relação para o todo comum.
E por meio desse cordão iluminado, os dois amigos seguiram passagem para o lar de verdade, a morada do espírito, e a fé, o amor, a bondade partiram junto com os donos dessa energia, comprovando, assim, mais uma vez, que somos o reflexo de todos os nossos atos e sentimentos.
Que as clareiras da luz amorosa sejam um número sempre à frente das devastadoras energias contrárias.

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