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terça-feira, 12 de agosto de 2014

Só um sorvete de casquinha


CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR

Nem era domingo à tarde, mas a felicidade da pequena Tina – redução de Santina – era como se fosse; também parecia dia de aniversário, no entanto, não era nem um nem outro, o dia era uma quarta-feira comum.
Após trinta e um dias de internamento, Tina recebera alta e poderia voltar para casa. Seu estado de saúde era muito delicado, entretanto, por esse momento, estava, de certa forma, estável. Ela tinha exatamente oito anos e cinco meses. Essa vez somava a décima oitava internação sofrida pela pequena menina e sempre pelo mesmo motivo.
Sua mãe, de mão dada com a filha, andava devagar a fim de acompanhar as pernas menores e também pela debilidade que a criança se encontrava; finalmente, caminhavam pelo corredor do hospital buscando a saída. Até chegarem à porta delimitada, muitos foram os cumprimentos, despedidas, beijos e abraços entre a pequena Tina e os funcionários do local e, entre estes, desde o ajudante geral até os doutores com cursos no exterior. Sempre se reconhecem a verdadeira simplicidade e o puro sentimento e todos se afeiçoam aos seres com esses quesitos. E os que a abraçavam, emocionados, sentiam, na ocasião, a  doce fragilidade, revestida, pela valentia de querer viver; Tina tanto amava a vida.
Finalmente, mãe e filha passaram a porta que ligava ao mundo comum, pois se sabe que o ambiente de um hospital não é muito agradável, embora o local seja de grande ajuda, ou melhor, imprescindível para o refazimento e auxílio dos inúmeros necessitados do momento, mas não deixa de ser um local em que a reflexão se torna mais acentuada e o sentimento, mais sedento pela vida simples e encantadora do lar, pois os dias em casa eram resultantes de uma vida mais tranquila e, principalmente, sem internações, como era o caso de Tina.
O céu estava azul e o sol bem dourado e quentinho. Quando a pequena voltou ao ambiente da sociedade, da correria, dos compromissos e horários, avistou pessoas andando; alguns cachorrinhos, de rua mesmo, passeando nas calçadas; os carros; os ônibus; o barulho característico de pessoas vivendo o dia a dia... de fato, Tina se alegrou e sentiu seu coraçãozinho com mais vida, ela queria viver, embora, seus pulmões fossem tão sensíveis e de precário funcionamento, mas sentiu-se tão feliz.
Parou um pouquinho, de mão dada com a mãe, para observar os ricos detalhes surpreendentes daquele momento, daquela imagem. E tanto se encantou e tanto desejava aproveitar cada segundo.
De repente viu, nas flores dos canteiros da calçada, um beija-flor colorido e tão cheio de alegria, viu também crianças feito ela, com os pais, tão contentes e soltando a gargalhada pueril e tão singela. E como Tina queria viver, e quanta felicidade sentia, pois havia resistido a mais uma internação, essa oportunidade era novo presente de Deus.
E para o outro lado, quando olhou, percebeu rapidinho um quiosque de sorvete de casquinha. Seus olhinhos brilharam. Ficou encantada e com muita vontade de provar a guloseima gelada e tão apreciada pelas crianças em todos os continentes.
Sua mãe compreendeu o olhar da pequena, mas antes de negar o pedido, já se antecipou:
– Filha, você sabe que não pode.
A menina olhou tão ternamente para a mãe e depois para a direção do sorvete.
– Por favor, filha, vamos pegar um táxi! – decidida, a mãe falou.
– Mamãe, é só um sorvete de casquinha, comerei com tanto gosto... – a pequena, com doçura, falou.
– Meu bem, você sabe de sua fragilidade... estamos saindo do hospital agora, minha querida... – a mãe tentou convencê-la.
A menina tanto olhava para o quiosque de sorvete.
– Por favor, mamãe! Deixo derreter bem na boca antes de engolir e ficará mais morninho.
– Meu amor, cuidamos tanto nesses últimos dias...
A mãe não teve como manter sua opinião. Olhou bem para a filha e lhe falou:
– Tina, compraremos o sorvete; minha razão tenta me impedir, mas meu sentimento me rende e possibilita essa ação.
– Oba, mamãe! Vou derreter bem antes de engolir e vai descer bem quentinho... e ficarei feliz e o doutor me falou que quando sentimos felicidade, o nosso corpo fica bem forte. Obrigada, mamãe! – os olhos da pequena se encheram de alegria.
E mãe e filha se aproximaram do carrinho de sorvete.
– Por favor, senhor, gostaria de um sorvete de chocolate – a menina olhou para a mãe e pediu com tanta alegria; seus olhinhos estavam sorrindo.
– Sim, senhorita! – o vendedor, com a animação que lhe era própria, respondeu.
– Mas não precisa ser muito sorvete, o senhor pode colocar só metade do tamanho normal – a menina sorriu e olhou para a mãe.
A pequena havia compreendido que o compromisso com a mãe era muito importante, pois se a mãe permitira o desejo, era de grande sensibilidade e compreensão que a filha cooperasse com uma atitude sábia e carinhosa.
E o vendedor entregou à pequena uma metade de sorvete de chocolate na casquinha. Tão feliz se sentiu a criança que deixava mais uma internação, que, mais uma vez, deixava o hospital.
No momento em que Tina pegou a casquinha, seus olhinhos viraram estrelinhas radiantes e todo um bálsamo de bem-estar foi solto pelo corpo infantil.
As duas buscaram, com passos calmos, o ponto de táxi. Voltariam para casa. Uma mão materna levaria a malinha de roupas e a outra mão estava dada com a mão esquerda da filha querida, pois a mãozinha direita carregava o delicioso sorvete de casquinha.
Quanta conquista e amor naquele ato.
A menina olhou para a mãe e falou:
– Obrigada, mamãe! Tão importante foi para mim e também tão delicioso está... hummm...
– Minha filha, tanto peço por sua felicidade... que Deus sempre a proteja!
– Ele já me protege, mamãe, pois colocou você como minha mãe, quem tanto me cuida e me ama.
Sorriram amorosamente e entraram no táxi.
– Você é que é o meu anjo, minha princesa querida – a mãe, emocionada, falou.
E as duas, no carro, seguiram para o lar que as esperava. Quase chegando a casa, a filha terminava o sorvete, demorou um pouquinho, pois derretia na boca antes de engolir.
– Que delícia, mamãe!
– Sim, meu bem. Era só um sorvete.
– Não, mamãe, era um sorvete de casquinha que tanto me deixou feliz e animada.
– Sim, filha! – a mãe concordou sorrindo e limpou o cantinho da boca da filha sujinho de sorvete.
O que parece pouco para uns é infinito para outros. Quando se analisa a real situação deve-se buscar, também, a luz benéfica da história para sempre contentar o maior número de corações.
E o táxi parou em frente ao lar que as esperava. O cãozinho amoroso já estava ao portão, com tanta euforia as recebeu.
Outra oportunidade havia surgido para a pequena Tina e sua família.

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