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sábado, 10 de outubro de 2015

Na república dos ratos...



JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Eu passei há pouco em frente ao portão do muro de um prédio em ruínas, que servia de abrigo a condenados, ban(d)idos e excluídos, quando ouvi, saído de dentro, o seguinte diálogo de roedores:
— Ratón, precisamos tomar providências para manter sob nosso poder a população deste paraíso de 8.512.000 m² aproximadamente. Afinal, esta é a nossa República.
— Pois é, Ratuína, enquanto vivermos... Depois, tudo é o nada... Então, vivamos, desfrutemos. Quando os vermes nos consumirem, que venha o dilúvio.
— Ouvi dizer que, com o corte nos programas sociais, o assassinato e o roubo, por aqui, aumentou quinhentos por cento... Ali no cantinho chamado Barreiras, BA, por exemplo, invadem-se casas, assalta-se e mata-se de todo o modo: a pé, de bicicleta...
— Ora, é bobagem sua preocupar-se com isso, Ratuína, afinal somos ou não a pátria educadora? O povo precisa aprender a repartir... E depois, morreu, acabou... Quanto menos ratos em nossa República, melhor para nós... Ao vencedor, as batatas!
— Essa nossa ideia de, paulatinamente, minar as resistências dos idiotas seguidores do crucifixado foi brilhante, não é mesmo, Ratón? Nossos amigos agora são os marginais...
— Ainda somos minoria, mas com o tempo todos embarcarão nessa maravilhosa viagem dos sentidos. Por enquanto, Ratuína, conseguimos virar de ponta cabeça tudo o que o Cristo pregou como certo. Aliás, será que Ele existiu mesmo? Penso que isso é história para boi dormir... No mundo, não há lugar para os fracos!
— Tenho horror às escrituras sagradas, por isso determinei sua proibição nas escolas, nas bibliotecas e em qualquer lugar público. Vai que aparece alguém para esclarecer o verdadeiro sentido das palavras do "cordeiro" e começa a pôr em prática suas utopias...
— Muito bem pensado, amiga.
— A técnica maquiavélica tem sido admiravelmente trabalhada por nossos comparsas, dom Ratón. Tudo pelo poder. Principalmente, mentir, mentir, mentir... É isso que nos mantém fortes, ricos, belos e imbatíveis... Mas para que nos mantenhamos firmes, nesta trincheira, precisamos apertar o cerco... Depois disso, não ficará pedra sobre pedra do que esses tolos insistem em dizer...
Eis que um rato "filósofo", velho conhecido dos dialogadores, entra na conversa. Vejo tudo pela fresta... É dom Ryskws Fhatays, o idealizador da nova ordem das ruínas que, sem rodeios, fala o seguinte:
— Chefa e chefe, minhas ideias foram ou não foram brilhantes? Agora, tudo está sob o nosso controle. Sempre refleti sobre a injustiça de uma minoria apenas ser "esclarecida". Bebi nas fontes de Marx, convoquei renomados psiquiatras, como Charcot, o mestre de Freud, de quem também colhi preciosos ensinamentos. Tudo fiz, enfim, para pôr em prática as teorias atuais, que vêm "orientando" a renovação destas ruínas. A começar pelo desarmamento moral, pois, como disse Stalin: "As ideias são muito mais poderosas do que as armas. Nós não permitimos que nossos inimigos tenham armas, por que deveríamos permitir que tenham ideias?"
Por fim, o rato tesoureiro, que ainda não falara, manifestou-se:
— Como também dizia Maquiavel: "O homem esquece mais facilmente a morte do pai do que a perda do patrimônio". Tomemos-lhes tudo, mas façamos a distribuição "equânime" do que não nos servir e durmamos tranquilos. Depois é só controlar... controlar...
C'est vrai. Confirmou um rato político, até então quieto. Mas e os outros animais que estão no poder nesta República, não terão os mesmos direitos que nós?
— Evidentemente, meu caro, desde que não seja felino, aqui há lugar para todos... Respondeu-lhe Ratuína. Primeiro, a gente cede, depois retoma tudo... Afinal, a vida é curta, curtamo-la!
— Sim, sim. Emendou Ratón com riso sarcástico. Cada um, porém, em seu quadradinho, e nós sob o controle de todos os quadrados... Afinal, alguém precisa controlar, não é mesmo, tesoureiro? Somos os deuses deste ninho de ratos.
C'est vrai. Completou o político. Mais lobos do que ratos. Aprovaremos tudo o que contemple os dois poderes: o de vossas excelências (executório) e o dialético (legislatório). O judiciário é supérfluo e pode ser extinto que não nos fará falta alguma. Tudo pelo poder de dominar, desde que também dominemos...
— Com certeza! Respondeu Ratuína. Há espaço para todos os nossos amigos. Aos inimigos, porém, o rigor da nossa lei.
— Aplausos!
Do lado de fora, após cofiar meus bigodes, miei baixinho para minha escolta armada:
— Sabem de nada, inocentes!
Dei uma ordem, a banda tocou, e todos os gatos, enquanto tomavam o prédio em ruínas, cantaram Travessia, de Milton Nascimento.





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