JORGE LEITE DE
OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Eu
passei há pouco em frente ao portão do muro de um prédio em ruínas, que servia
de abrigo a condenados, ban(d)idos e excluídos, quando ouvi, saído de dentro, o
seguinte diálogo de roedores:
—
Ratón, precisamos tomar providências para manter sob nosso poder a população
deste paraíso de 8.512.000 m² aproximadamente. Afinal, esta é a nossa
República.
—
Pois é, Ratuína, enquanto vivermos... Depois, tudo é o nada... Então, vivamos,
desfrutemos. Quando os vermes nos consumirem, que venha o dilúvio.
—
Ouvi dizer que, com o corte nos programas sociais, o assassinato e o roubo, por
aqui, aumentou quinhentos por cento... Ali no cantinho chamado Barreiras, BA,
por exemplo, invadem-se casas, assalta-se e mata-se de todo o modo: a pé, de
bicicleta...
—
Ora, é bobagem sua preocupar-se com isso, Ratuína, afinal somos ou não a pátria
educadora? O povo precisa aprender a repartir... E depois, morreu, acabou...
Quanto menos ratos em nossa República, melhor para nós... Ao vencedor, as
batatas!
—
Essa nossa ideia de, paulatinamente, minar as resistências dos idiotas
seguidores do crucifixado foi brilhante, não é mesmo, Ratón? Nossos amigos
agora são os marginais...
—
Ainda somos minoria, mas com o tempo todos embarcarão nessa maravilhosa viagem
dos sentidos. Por enquanto, Ratuína, conseguimos virar de ponta cabeça tudo o
que o Cristo pregou como certo. Aliás, será que Ele existiu mesmo? Penso que
isso é história para boi dormir... No mundo, não há lugar para os fracos!
—
Tenho horror às escrituras sagradas, por isso determinei sua proibição nas
escolas, nas bibliotecas e em qualquer lugar público. Vai que aparece alguém
para esclarecer o verdadeiro sentido das palavras do "cordeiro" e
começa a pôr em prática suas utopias...
—
Muito bem pensado, amiga.
—
A técnica maquiavélica tem sido admiravelmente trabalhada por nossos comparsas,
dom Ratón. Tudo pelo poder. Principalmente, mentir, mentir, mentir... É isso
que nos mantém fortes, ricos, belos e imbatíveis... Mas para que nos
mantenhamos firmes, nesta trincheira, precisamos apertar o cerco... Depois
disso, não ficará pedra sobre pedra do que esses tolos insistem em dizer...
Eis
que um rato "filósofo", velho conhecido dos dialogadores, entra na
conversa. Vejo tudo pela fresta... É dom Ryskws Fhatays, o idealizador da nova
ordem das ruínas que, sem rodeios, fala o seguinte:
—
Chefa e chefe, minhas ideias foram ou não foram brilhantes? Agora, tudo está
sob o nosso controle. Sempre refleti sobre a injustiça de uma minoria apenas
ser "esclarecida". Bebi nas fontes de Marx, convoquei renomados
psiquiatras, como Charcot, o mestre de Freud, de quem também colhi preciosos
ensinamentos. Tudo fiz, enfim, para pôr em prática as teorias atuais, que vêm
"orientando" a renovação destas ruínas. A começar pelo desarmamento
moral, pois, como disse Stalin: "As ideias são muito mais poderosas do que
as armas. Nós não permitimos que nossos inimigos tenham armas, por que
deveríamos permitir que tenham ideias?"
Por
fim, o rato tesoureiro, que ainda não falara, manifestou-se:
—
Como também dizia Maquiavel: "O homem esquece mais facilmente a morte do
pai do que a perda do patrimônio". Tomemos-lhes tudo, mas façamos a
distribuição "equânime" do que não nos servir e durmamos tranquilos.
Depois é só controlar... controlar...
—
C'est vrai. Confirmou um rato
político, até então quieto. Mas e os outros animais que estão no poder nesta
República, não terão os mesmos direitos que nós?
—
Evidentemente, meu caro, desde que não seja felino, aqui há lugar para todos...
Respondeu-lhe Ratuína. Primeiro, a gente cede, depois retoma tudo... Afinal, a
vida é curta, curtamo-la!
—
Sim, sim. Emendou Ratón com riso sarcástico. Cada um, porém, em seu
quadradinho, e nós sob o controle de todos os quadrados... Afinal, alguém
precisa controlar, não é mesmo, tesoureiro? Somos os deuses deste ninho de
ratos.
—
C'est vrai. Completou o político.
Mais lobos do que ratos. Aprovaremos tudo o que contemple os dois poderes: o de
vossas excelências (executório) e o dialético (legislatório). O judiciário é
supérfluo e pode ser extinto que não nos fará falta alguma. Tudo pelo poder de
dominar, desde que também dominemos...
—
Com certeza! Respondeu Ratuína. Há espaço para todos os nossos amigos. Aos
inimigos, porém, o rigor da nossa
lei.
—
Aplausos!
Do
lado de fora, após cofiar meus bigodes, miei baixinho para minha escolta armada:
—
Sabem de nada, inocentes!
Dei
uma ordem, a banda tocou, e todos os gatos, enquanto tomavam o prédio em
ruínas, cantaram Travessia, de Milton
Nascimento.
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