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sábado, 28 de janeiro de 2017

Contos e crônicas


Memoráveis viagens de fusca

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Em 1990, coloquei a esposa, duas filhas e um filho (10, 6 e 4 anos) no fusquinha branco, que compramos, dez anos antes, quando nos casamos, e saímos de férias rumo à cidade de Barreiras-BA, onde anualmente visitávamos meus sogros. A cidade dista pouco mais de 600 km de Brasília.
Embora, à época, o automóvel fosse ainda muito cobiçado por algumas pessoas, uma das quais meu concunhado, que, de vez em quando, me fazia uma proposta por ele, sempre recusada por mim, daquela vez o carro resolveu aprontar algumas peças conosco.
A primeira delas foi a de seu cabo do câmbio, que se soltou no meio da estrada. Ainda bem que conseguimos chegar a um posto de gasolina. Aos “trancos e barrancos”, mas chegamos... Então, paramos ali e ainda conseguimos um mecânico que soldou a peça...
Resolvido esse problema, rodamos mais uns 150 km quando, em local totalmente isolado, um pneu furou. Parei para trocá-lo, mas, de repente, vi aproximar-se uma caminhonete com três homens fortemente armados. Minha mulher desceu, preocupada, e os filhos ficaram dentro do fusca...
A caminhonete parou, e os homens desceram. Nesse momento, intimamente, comecei a orar e pensar: “É hoje que vamos ser assaltados. Com um pouco de sorte, ficarei totalmente ‘depenado’, com a esposa e os três filhos menores, a pé, nessa estrada isolada”.
Estávamos a uns 150 quilômetros de Barreiras quando isso ocorreu.
Para surpresa nossa, entretanto, os homens desceram, cumprimentaram-nos, respeitosos, e fizeram questão de trocar o pneu furado pelo estepe gratuitamente. Em seguida, recomendaram-nos providências para o reparo do pneu, tão logo fosse possível, e prometeram nos escoltar até a entrada na cidade, pois “aquele trecho de estrada era muito perigoso, com diversas crimes”.
Estávamos no lugar certo e na hora certa, ao contrário de muitos cidadãos que, na melhor da hipótese, são vítimas de assaltos em nossas inseguras estradas. Parodiando o poema de Carlos Drummond de Andrade, diríamos:

Tinha homens bons no meio da estrada;
No meio da estrada, tinha homens bons.
Jamais me esqueci desse detalhe, no campo de minhas retinas, agora cataratadas,
Jamais me esqueci que, no meio da estrada, tinha homens bons.
Tinha homens bons no meio da estrada. (Joteli)

    Chegamos a Barreiras sãos e salvos e, após consertar o pneu furado, dias depois, voltei com a família a Brasília... no mesmo fusca. Depois, poupei meu concunhado de comprar aquela preciosidade. Reparei o automóvel da melhor forma possível e vendi-o para outro louco, como eu... louco por fusca.
Antes de vendê-lo, fui designado a participar de uma junta de seleção militar em Anápolis- GO, cidade que fica a cento e poucos quilômetros de Brasília. Na época, eu era sargento do Exército. Um tenente médico ia e voltava, corajosamente, comigo. Havia um trecho da estrada muito perigoso, cheio de curvas acentuadas.
Um belo dia em que eu voltava com o tenente, daquela cidade, empolgado pela confiança no fusca, no citado trecho de estrada, exagerei um pouco, na autoconfiança, ao deixar que o velocímetro ultrapassasse os 110 km/hora. Desesperado, o oficial gritou comigo para diminuir a velocidade, sendo atendido, mas nunca mais ele quis viajar comigo no fusca. Até hoje, não sei por quê...
Não à toa, diziam sobre três coisas que não eram... Das duas primeiras eu não me lembro, mas a terceira nunca me esqueceu: “fusca não é carro”.





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