O elogio do operário
Humberto de Campos
(espírito)
Às portas do Céu
bateram, um dia, um político, um soldado e um operário. Mas Gabriel, o anjo que
na ocasião velava pela tranquilidade do paraíso, não quis atender-lhes as
rogativas sem previamente consultar o Senhor sobre aquelas três criaturas
recém-chegadas da Terra.
Depois de inquiri-las
quanto às suas atividades na superfície do mundo, procurou o Mestre, a quem
falou humildemente:
— Senhor, um político,
um soldado e um operário, vindos da Terra longínqua, desejam receber vossas
divinas graças, ansiosos de gozar das felicidades celestes.
— Gabriel — disse o
Salvador —, que habilitações trazem do mundo essas almas, para viverem na paz
da Casa de Deus? Bem sabes que cada homem edifica, com a sua vida, o seu
inferno, ou o seu paraíso… Mas, vamos ao que nos interessa: Que fez o político
lá na Terra?
O anjo, bem
impressionado com a figura do diplomata, que impetrara os seus bons ofícios,
exclamou com algum entusiasmo:
— Trata-se de um homem
de elevado nível cultural. Suas informações revelaram-me um espírito de gosto
refinado no trato da civilização e das leis. Foi um preclaro estadista, cuja
existência decorreu nos bastidores da administração pública e nos torneios
eleitorais onde consumiu todas as suas energias. Em troca de seus labores, os
homens lhe tributaram as mais subidas honras nas suas exéquias. Seu cadáver,
embalsamado num ataúde de vidro, percorreu duzentas léguas para ficar guardado
nos mármores preciosos do Panteão Nacional.
— Mas… — objetou
entristecido o Mestre — esse homem teria cumprido as leis que ditava para os
outros? Teria observado a prática do bem, a única condição para entrar no
paraíso, absorvido, como se achava, na enganosa volúpia das grandezas terrenas?
— A luta política,
Senhor, tomava-lhe todo o tempo — respondeu solícito o anjo —; os tratados
jurídicos, as tabelas orçamentárias, as fontes históricas, as questões
diplomáticas, os compêndios de ciências sociais, não davam lugar a que ele se
integrasse no conhecimento da vossa palavra…
— Entretanto, o meu
Evangelho deveria ser a bússola de quantos se colocam na direção da humanidade…
E, como se intimamente
lastimasse a situação do infeliz, O Mestre rematou:
— Aqui não há lugar para
ele. Não se conquistam as venturas celestes com a riqueza de teorias da Terra.
Dir-lhe-ás que retorne ao mundo, a fim de voltar mais tarde ao paraíso, pela
porta do bem, da caridade e do amor.
E o soldado, que
serviços apresenta em favor da sua pretensão?
— Esse — replicou
Gabriel — foi um herói na terra em que nasceu. Seus atos de valor e de bravura
deram causa a que fosse promovido pelos superiores hierárquicos à posição de
chefe das forças militares em operações, na última guerra. Tem o peito coberto
de medalhas e de insígnias valiosas, das ordens patrióticas e das legiões de
honra; seu nome é lembrado no mundo com carinhoso respeito. Aos seus funerais
compareceram representações de vários países do mundo e inúmeras coletividades
acompanharam-lhe as cinzas ilustres, que, envolvidas na bandeira da sua pátria,
foram guardadas num majestoso monumento de soberbo carrara.
— Infelizmente —
exclamou amargurado o Senhor —, o Céu está fechado para os homens dessa
natureza. É inacreditável que sejam glorificados no orbe terrestre aqueles que
matam a pretexto de patriotismo. Nunca pus no verbo dos meus enviados, no
planeta, outra lei que não fosse aquela do — “amai a Deus sobre todas as coisas
e o próximo como a vós mesmos”. Nunca houve uma determinação divina para que os
homens se separassem entre pátrias e bandeiras. De sul a norte, do oriente ao
ocidente, todos os Espíritos encarnados são filhos de Deus, e qualquer deles
pode ser meu discípulo. Os homens que semeiam a ruína e a destruição não podem
participar da tranquilidade do paraíso.
E o operário, que fatos
lhe justificam a presença nas portas do Céu?
— Esse — elucidou
Gabriel — quase nada tem a contar dos seus amargurados dias terrestres. Os
sopros frios da adversidade, em toda a existência perseguiram-no através das
estradas do destino, e a fé em vossa complacência e misericórdia lhe foi sempre
a única âncora de salvação, no oceano de suas lágrimas por onde passava o barco
miserável da sua vida. Trabalhou com o esforço poderoso das máquinas e foi
colaborador desconhecido do bem-estar dos afortunados da Terra. Nunca recebeu
compensação digna do seu trabalho, e consumiu-se no holocausto à coletividade e
à família… Entretanto, Senhor, ninguém conheceu as tempestades de lágrimas do
seu coração afetuoso e sensível, nem as dificuldades dolorosas dos seus dias
atormentados, no mundo. Viveu com a fé, morreu com a esperança e o seu corpo
foi recolhido pela caridade de mãos piedosas e compassivas que o abrigaram na
sepultura anônima dos desgraçados…
— O Céu pertence a esse herói,
Gabriel — disse o Mestre alegremente. — Suas esperanças colocadas no meu amor
são sementes benditas que frutificarão na percentagem de mil por um. Se os
homens o ignoram, o Céu deve conhecer os seus heroísmos obscuros e os seus
sacrifícios nobilitantes. Enquanto o político organizava leis que não cumpria,
ele se imolava no desempenho dos deveres santificadores. Enquanto o soldado
destruía irmãos, seus braços faziam o milagre do progresso e do bem-estar da
Humanidade. Enquanto os despojos dos primeiros foram encerrados nos mármores
frios e imponentes das falsas homenagens da Terra, seu corpo de lutador se
dissolveu no solo, acentuando o perfumes na Natureza e enriquecendo o grão que
alimenta as aves alegres, na mesma harmonia eterna e doce que regeu os
sentimentos do seu coração e os atos do seu Espírito. Esse, Gabriel, faz parte
dos heróis do Céu, que a Terra nunca quis conhecer.
E, enquanto o político e
o soldado voltavam ao caminho das reencarnações dolorosas da Terra, o operário
de Deus se cobria com as claridades do Infinito, buscando outras possibilidades
de trabalho para o seu amor e para o seu devotamento.
Do livro Crônicas de Além-Túmulo, obra
psicografada pelo médium Chico Xavier.
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