Na hora da cruz
Irmão X
Quando o Mestre se afastou do Pretório, suportando o
madeiro a que fora sentenciado pelo povo em desvario, pungentes reflexões lhe
assomavam ao pensamento.
Que fizera, senão o bem? Que desejara aos perseguidores,
senão a bênção da alegria e a visitação da luz? Quando receberiam os homens o
dom da fraternidade e da paz?
Devotara-se aos doentes com carinho, afeiçoara-se aos
discípulos com fervor... Entretanto, sentia-se angustiadamente só.
Doíam-lhe os ombros dilacerados.
Por que fora libertado Barrabás, o rebelde, e condenado
ele, que reverenciava a ordem e a disciplina?
Em derredor, judeus irritados ameaçavam-no erguendo os
punhos, enquanto legionários semiébrios proferiam maldições.
A saliva dos perversos fustigava-lhe o rosto e,
inclinando-o para o solo, a cruz enorme pesava...
“Ó Pai! – refletia, avançando dificilmente – que fiz para
receber semelhante flagelação?”
Anciãs humildes tentavam confortá-lo, mas, curvado qual
se via, nem mesmo lhes divisava os semblantes.
“Por que a cruz? – continuava meditando, agoniado – por
que lhe cabia tolerar o martírio reservado aos criminosos?”
Lembrou as crianças e as mulheres simples da Galileia,
que lhe compreendiam o olhar, recordando, saudoso, o grande lago, onde sentia a
presença do Todo-Compassivo, na bondade da natureza...
Lágrimas quentes borbotavam-lhe dos olhos feridos,
lágrimas que suas mãos não conseguiam enxugar. Turvara-se-lhe a visão e,
incapaz de mais seguro equilíbrio sobre o pedregulho do caminho estreito,
tropeçou e caiu de joelhos.
Guardas rudes vergastaram-lhe a face com mais violência.
Alguns deles, porém, acreditando-o sob incoercível cansaço, obrigaram Simão, o
Cirineu, que voltava do campo, a auxiliá-lo na condução do madeiro.
Constrangido, o lavrador tomou sobre os ombros o terrível
instrumento de tortura e só então conseguiu Jesus levantar a cabeça e
contemplar a multidão que se adensava em torno.
E observando a turba irada, oh! sublime transformação!...
Notou que os circunstantes estavam algemados a tremendas
cruzes, invisíveis ao olhar comum.
O primeiro que pôde analisar particularmente foi Joab, o
cambista, velho companheiro de Anás, nos negócios do Templo. Ele se achava
atado ao lenho da usura. Vociferava, aflito, escancarando a garganta sequiosa
de ouro.
Não longe, Apolônio, o soldado da coorte, mostrava-se
agarrado à enorme cruz da luxúria, repleta de vermes roazes a lhe devorarem o
próprio corpo.
Caleb, o incensador, berrava frenético, entretanto
apresentava-se jungido ao madeiro do remorso por homicídios ocultos.
Amós, o mercador de cabras, arrastava a cruz da
enfermidade que o forçava a sustentar-se em vigorosas muletas.
José de Arimateia, o amigo generoso, que o seguia,
discreto, achava-se preso ao frio lenho dos deveres políticos, e Nicodemos, o
doutor da Lei, junto dele, vergava, mudo, sob o estafante madeiro da vaidade.
Todas as criaturas daquele estranho ajuntamento traziam
consigo flagelações diversas. O Mestre reconhecia-as acabrunhado.
Eram cruzes de ignorância e miséria, de revolta e
concupiscência, de aflição e despeito, de inveja e iniquidade.
Tentou concentrar-se em maior exame, contudo piedosas
mulheres em lágrimas acercavam-se dele, de improviso.
– Senhor, que será de nós, quando partires? – gritava uma
delas.
– Senhor, compadece-te de nossa desventura!... –
suplicava outra.
– Senhor, nós te lamentamos!...
– Mestre, pobre de ti!...
O Cristo fitou-as, admirado. Todas exibiam asfixiantes
padecimentos.
Viu que, entre elas, Maria de Cleofas trazia a cruz da
maternidade dolorosa, que Maria de Magdala pranteava sob a cruz da tristeza e
que Joana de Cusa, que viera igualmente às celebrações da Páscoa, sofria sob o
madeiro do casamento infeliz...
Azorragues lamberam-lhe a cabeça coroada de espinhos. A
multidão começava a mover-se, de novo. Era preciso caminhar...
Foi então que o Celeste Benfeitor, acariciando a própria
cruz que Simão, o Cirineu, passara a carregar, nela sentiu precioso rebento de
esperança, com que o Pai Amoroso lhe agraciara o testemunho, a fim de que as
sementes da renovação espiritual felicitassem a Humanidade.
E, endereçando compadecido olhar às mulheres que o
cercavam, pronunciou as inesquecíveis palavras do Evangelho:
– Filhas de Jerusalém, não choreis por mim!... Chorai,
antes, por vós mesmas e por vossos filhos, porque dias virão em que direis: bem-aventurados
os ventres que não geraram e os seios que não amamentaram!... Então, clamareis para
os montes: Caí sobre nós! – e rogareis aos outeiros: Cobri-nos! – Porque, se ao
madeiro verde fazem isto, que se fará com o lenho seco?
Do livro Cartas e
Crônicas, obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
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