A morte e os
seus mistérios
Ernesto Bozzano
Parte 2
Damos sequência ao estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano,
conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo será aqui apresentado em 24 partes. Nossa
expectativa é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos
chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. A transfiguração pode levar à transformação da
tonalidade vocal?
B. O fenômeno de transfiguração pode estar associado a um
fenômeno de efeitos intelectuais?
C. Em relação ao médium Daniel Dunglas Home, Bozzano cita
dois fenômenos pouco conhecidos. Quais são esses fenômenos?
Texto para
leitura
15. O Caso 2 foi
extraído do seguinte episódio do livro The
wisdom of the gods (A sabedoria dos deuses), de H. Dennis Bradley, que teve
ocasião de observar duas vezes, com a médium Sra. Scales, o fenômeno de
"transfiguração" por contração e adaptação dos músculos do rosto,
fenômeno que, nos limites indicados, se mostra sobretudo frequente nos médiuns
de "possessão ou incorporação".
16. Eis o seu relato: "Ela (Cloé, o Espírito-guia, uma
jovem índia) disse que ‘Annie’ hesitava em manifestar-se de uma forma em que
não se manifestara antes. Não ousava ocupar o corpo do médium e não sabia se
seria capaz de controlar e utilizar-se do seu organismo. Eventualmente, foi
levada a tentar a experiência. O médium caiu sentado na cadeira e nós esperamos
dois minutos. A Sra. Scales é uma mulher baixa e gorda. O tom de sua pronúncia,
para ser delicado, é o vulgar. Seu rosto é o que se pode dizer agradável e
comum. Gradualmente, a expressão do rosto do médium se foi mudando
completamente. Era uma ‘transfiguração’. Ao passo que o semblante permanecia,
os olhos e a expressão se tornavam belos. Não era uma alucinação. Minhas
faculdades de observação são tão argutas ou mesmo mais argutas do que nunca, e
eu devo lembrar que essa maravilhosa mudança foi vista não só por mim, mas pela
Sra. Sargeant e em plena luz. A princípio foi com grande dificuldade que as
primeiras poucas palavras foram articuladas, mas gradativamente a força
aumentou consideravelmente e o Espírito de minha irmã tornou-se capaz de
assumir completo controle dos órgãos do médium. Era minha irmã. Era seu
Espírito usando o organismo de outro corpo físico e falando a mim em sua
própria voz. Não me importo que os cépticos se riam disto, mas os que hão
estudado os fenômenos espíritas sabem e compreenderão. Eu já lhe falara em voz
independente, na presença de testemunhas célebres, em centenas de vezes.
Conheço sua personalidade, conheço seu espírito. A voz de ‘Annie’ possuía sua
antiga beleza, sua tonalidade era perfeitamente enunciada da forma que lhe era
peculiar quando neste planeta.”
17. Prosseguindo, o relato diz: “Nenhuma atriz viva poderia
simular essa maravilhosa personalidade. Ela conversou comigo acerca de fatos
íntimos de sua vida terrena... Durante a nossa maravilhosa palestra, enquanto
usava o organismo de outra pessoa, deu-me a mais íntima e excepcional prova da
sobrevivência. Nome após nome, fato após fato foram mencionados: minha esposa,
Pat, Dennis, tudo. Havia uma grande tragédia em sua vida, citada de forma
velada em Towards the stars. Essa
tragédia, cujos detalhes nunca foram publicados e que são apenas conhecidos de
duas ou três pessoas vivas, foi por ela referida... Na manhã seguinte,
telefonei à Sra. Sargeant a fim de fazer-lhe uma pergunta que esquecera.
Pedi-lhe para descrever a voz que ela passara a ouvir desde que minha irmã se
incorporara no médium. Isto fiz para afastar qualquer possível dúvida quanto ao
tom ter sido produzido pela minha imaginação. A Sra. Sargeant disse,
descrevendo a voz da minha irmã, que o seu falar era lento e a enunciação das
palavras excepcionalmente suave e clara. Essa era a voz característica de
‘Annie’, quando na Terra."
18. No episódio exposto, a "transfiguração" do
rosto se mostra menos desenvolvida que no Caso 1, limitando-se a uma
transformação da expressão animada de um semblante, mas em compensação há a
transformação da tonalidade vocal, com perfeita reprodução da voz de uma
defunta, transformação que representa um notabilíssimo fenômeno em demonstração
da realidade da incorporação mediúnica ocorrida. E, como uma laringe não pode
mudar de tom sem ter experimentado uma correspondente contração muscular de
adaptação, dever-se-á reconhecer que, no caso em apreço, a
"transfiguração" se verificou de modo especial sobre a laringe do
médium.
19. Observa-se a tal respeito que, na hipótese de um real
fenômeno de possessão mediúnica, dever-se-ia presumir que tais processos de
transformação temporária dos órgãos dos médiuns nos órgãos homólogos do defunto
comunicante são obra de um despertar automático daquela misteriosa "força
organizadora" que plasma os seres vivos, "força organizadora"
que, sendo uma faculdade do Espírito, sobreviveria à morte do corpo e, em
consequência, operaria nos casos análogos aos expostos, determinando os
fenômenos de transfiguração dos órgãos e dos membros dos médiuns, sem que
necessário fosse pressupor uma ação direta, intencional, dos defuntos
comunicantes. Ao mesmo tempo, os automatismos de tal natureza, reprodutores da
voz ou do rosto de um defunto, implicariam e demonstrariam a realidade do
fenômeno da possessão ou incorporação temporária, no médium, do Espírito que se
diz presente.
20. O Caso 3 foi colhido à Light e quem o narra é o Dr. Ellis Powell, personalidade bastante
conhecida no campo das investigações metapsíquicas.
21. Eis o relato: "Há algumas semanas achava-me em
Preston, e tive ocasião de entrar em relação com a personalidade mediúnica do
‘doutor Bancroft’, a qual se manifesta por intermédio do médium H. B. Tyler, de
Preston, e a forma por que se manifesta é o ‘transe’ do médium, com
transfiguração completa do rosto. O doutor Bancroft informou ter sido médico de
grande clientela e falecido no ano de 1837. Forneceu detalhes sobre sua própria
carreira terrena, os quais foram reconhecidos verdadeiros, compulsando-se
publicações médicas do período indicado. Havia quatro pessoas presentes além do
médium: minha mulher, minha irmã, minha mãe e eu. Não se fizeram preparativos
especiais. Sentamo-nos em semicírculo em torno do médium, sem abaixar as
persianas, de modo que o sol dardejava no quarto. Depois de cerca de dez
minutos de uma conversação de ordem geral, o médium deu sinais de passar ao
estado de ‘transe’ e com isto assistimos a um fenômeno estupefaciente: no
espaço de três ou quatro minutos seu rosto se transformou a tal ponto que, se
não houvesse assistido por inteiro ao processo de transfiguração, observando-a
de perto e em plena luz, não o teria mais reconhecido pelo mesmo indivíduo.
Ocorrido isto, o doutor Bancroft beijou as mãos das três senhoras com estudada
cortesia do século décimo oitavo, e logo depois iniciou o seu trabalho de
médico consultado.”
22. Na sequência do relato, diz o Dr. Powell: “Tive o
cuidado de nada dizer acerca dos sintomas de minha moléstia e da sua presumida
natureza, pois que ele próprio descreveria tudo, e com isso me poria em
situação de poder julgar se estava ou não plenamente informado a respeito.
Tomou-me uma das mãos por alguns instantes, e logo começou a descrever, de modo
exatíssimo, estupefaciente, os sintomas do meu mal, que me mantinham sob viva
preocupação. Depois me dirigiu perguntas, as quais subentendiam conhecimento a
meu respeito que ninguém no mundo podia saber. Em seguida, assegurou-me que em
mim não existiam moléstias orgânicas, mas que se tratava de uma desordem
funcional acentuada, que descreveu em termos de fisiologia. Depois ditou as
prescrições. Tal consulta de além-túmulo não foi só grandemente benéfica a
minha saúde, mas revelou-se extremamente interessante como exemplo magnífico da
capacidade de um ‘Espírito-curador’ para diagnosticar e descrever não só o
significado preciso dos sintomas de um mal, mas as causas originárias dos
próprios sintomas, sem a mínima indicação da parte do consulente..."
23. Na narrativa acima não se encontram indicações que
autorizem a presumir que a transfiguração ocorrida fosse algo mais que uma
simples transformação do rosto do médium, por contração e adaptação dos músculos
faciais. Não obstante deve-se admitir que, se não houve manipulação
ectoplásmica do rosto, o fenômeno de contração e adaptação muscular atinge, no
caso em apreço, a máxima eficiência realizável com meios de tal natureza, visto
que o narrador declara que, se não tivesse assistido por inteiro ao processo de
transformação, não teria mais reconhecido o médium no personagem que se achava
diante de si.
24. Nota-se que também neste caso sobressaem
particularidades de identificação pessoal da entidade comunicante, embora não
se possa considerá-las suficientes, pois se compreende que, à distância de um
século, não é possível identificar de maneira adequada a personalidade de um
defunto que viveu modesta e obscuramente. Não é este, porém, o tema do presente
trabalho, pelo que me limitarei a repetir que o caso em apreço é um bom exemplo
de transfiguração, em que se pode supor atingidos os limites extremos da
deformabilidade realizável mediante o muito simples auxílio da contração e
adaptação dos músculos faciais.
25. O Caso 4 refere-se a Daniel Dunglas Home e os famosos
alongamentos de seu corpo, os quais constituem já um princípio de manipulação
ectoplásmica do corpo do médium. Os dois episódios relatados foram extraídos de
um longo estudo publicado no vol. IV do Journal
of the Society of Psychical Research, de julho de 1889.
26. Eis o primeiro relato, de autoria do General Boldero:
"Em poucos minutos Daniel Dunglas Home caiu em profundo ‘transe’.
Levantou-se e passeou em volta durante breves instantes; depois veio a mim,
tomando-me pela mão, e, aludindo a si próprio na terceira pessoa, disse:
‘Deverás observar os pés de Dan (Home) e verificar que ele não se move do chão,
e dirás aos outros que observem atentamente sua cabeça.’ Assim fiz, enquanto ao
mesmo tempo se assistia ao espetáculo do seu corpo alongar-se até atingir a um
comprimento maior de nove polegadas ou um pé. Quis abaixar-me e controlar-lhe
os calcanhares, que pousavam regularmente no soalho. A luz de um bico de gás
iluminava em cheio a sua pessoa. Era um espetáculo extraordinário. O médium
murmurou: ‘Agora aproxima-te mais.’ Ele permanecia sempre com a estatura
aumentada de um pé. Tomou minhas mãos, levou-as aos dois lados do próprio
corpo, um pouco acima dos quadris, onde encontrei um vácuo correspondente entre
o cós das calças e a barriga. Assim continuou: ‘Palpa Dan, a fim de que fiques
plenamente satisfeito.’ Pousei as mãos sobre seus flancos e senti que as suas
carnes se contraíam. Fitei Home: voltara à estatura normal! Mas logo renovou a
prova: novamente seu corpo se alongou, e senti suas carnes se distenderem sob
minhas mãos, para depois se contraírem novamente, apenas retomada por ele a
estatura normal. Vê-lo alongar-se e diminuir-se daquela forma, com os pés
sempre imóveis no chão, era um espetáculo estupefaciente...".
27. O relato seguinte, de autoria do Sr. Hawking Simpson,
refere também o fenômeno de alongamento do corpo com transfiguração
ectoplásmica do rosto.
28. Ei-lo: “No ano de 1868 eu quis investigar os fenômenos
que se produziam com a mediunidade de Daniel Dunglas Home... Em uma sessão
realizada sob boa luz, tive oportunidade de controlar o fenômeno do alongamento
e contração do seu corpo; e isto repetidas vezes e em rápida sucessão, no
centro do quarto. Daniel Dunglas Home estava em ‘transe’, mas falava sem
interrupção. Pus-me diante dele, introduzindo os meus pés sob a ponta de seus
pés; vale dizer que ele estava com os calcanhares no soalho e os próprios pés
sobre o peito dos meus. Depois coloquei sobre as nossas cabeças um grande caderno
de música e entreguei-me à observação do seu rosto; ao mesmo tempo Lorde
Crawford (depois Lorde Lindsay) apalpava-lhe os músculos e as pernas, vigiando
atentamente a barriga do médium, que se elevava lentamente duas três polegadas
acima da cintura para, após, voltar ao primitivo tamanho. Depois trocamos de
incumbência e eu encarreguei-me de vigiar os músculos, as pernas e as vestes do
médium, porém mais estupefacientes ainda se mostraram as transformações do
rosto, o qual alternadamente se fazia mais largo e longo e em seguida muito
menor; enfim, voltava às dimensões normais. No primeiro caso seu rosto parecia
aumentar e adquirir gradativamente volume em cada uma de suas partes; depois
também gradativamente se reduzia, tornando-se cada vez menor, e os seus traços
diminuíam, caso em que a pele do rosto ficava profundamente contraída e
flácida. Depois disso foi levitado e vimo-lo oscilar no ar como um pêndulo,
assim se transportando até o divã. Ninguém se lhe achava próximo. Quando desceu
sobre o divã, despertou bruscamente e correu ao jardim onde foi acometido de
vômitos. Enquanto se produziam os fenômenos falou sempre na terceira pessoa,
como se tivessem estado presentes diversas entidades espirituais que o
dirigissem. Com efeito, elas assim se exprimiam: "Agora faremos isto e
aquilo outro com Dan... etc., etc...".
29. Tendo em vista este último episódio, não padece dúvida
de que, no caso de Daniel Dunglas Home, não se tratava de transfiguração por
contração e adaptação dos músculos faciais, mas de um verdadeiro e adequado
processo de concentração ou manipulação ou materialização ectoplásmica, o que é
sobretudo demonstrado pela importante particularidade da pele do rosto do
médium, nos processos de diminuição do mesmo rosto, se mostrar profundamente
contraída e flácida, indício certo de subtração de substância ectoplásmica, em
quantidade considerável, das tecidos do rosto do médium.
30. Do ponto de vista do significado teórico do fenômeno de
transfiguração, nota-se uma radical diferença entre as modalidades com que ele
se produzia com Daniel Dunglas Home e as com que se produz quase sempre com os
outros médiuns, isto é, ao passo que, com estes últimos, se observa quase
constantemente que a transfiguração implica uma tentativa mais ou menos bem
sucedida de representar o rosto de um defunto que se diz presente, no caso de
Home, ao contrário, é claro que as personalidades mediúnicas operantes se
propunham exclusivamente transformar o rosto do médium, variando-lhe as
dimensões, ora aumentando-as, ora reduzindo-as notavelmente, e isto em
correspondência com o outro fenômeno simultaneamente operado do alongamento e
redução do seu corpo.
Respostas às
questões preliminares
A. A
transfiguração pode levar à transformação da tonalidade vocal?
Sim. É o que se vê no Caso 2, em que a transfiguração do
rosto se mostrou menos desenvolvida que a mencionada no Caso 1, mas em
compensação houve a transformação da tonalidade vocal, com perfeita reprodução
da voz de uma defunta, transformação que representa ademais uma clara demonstração
da realidade da incorporação mediúnica ocorrida. Como uma laringe não pode
mudar de tom sem ter experimentado uma correspondente contração muscular de
adaptação, conclui-se que, no caso em apreço, a transfiguração se verificou de
modo especial sobre a laringe do médium. (A
morte e os seus mistérios, Caso 2.)
B. O fenômeno
de transfiguração pode estar associado a um fenômeno de efeitos intelectuais?
Pode. O Caso 3 comprova isso, porque o Espírito – que fora
médico no século 19 – examinou uma das pessoas presentes e fez-lhe importantes
revelações na condição de médico que fora no passado. (Obra citada, Caso 3.)
C. Em relação
ao médium Daniel Dunglas Home, Bozzano cita dois fenômenos pouco conhecidos.
Quais são esses fenômenos?
São dois os relatos a respeito do médium Daniel Dunglas
Home, os quais se referem ao fenômeno de alongamento de seu corpo com a
simultânea transfiguração ectoplásmica do rosto. (Obra citada, Caso 4.)
Observação:
Para acessar a Parte 1 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2019/10/a-morte-e-osseus-misterios-ernesto.html
Como consultar as matérias deste
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