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sexta-feira, 10 de janeiro de 2020





A morte e os seus mistérios

Ernesto Bozzano

Parte 15

Continuamos o estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano, conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo será aqui apresentado em 24 partes. Nossa expectativa é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo. 

Questões preliminares

A. O Caso IX refere-se a vários fenômenos em que atuou como médium Elisabeth Eslinger, conhecida como a vidente de Prevorst. Quem foi na Terra o Espírito que produziu os fatos mencionados?
B. O Espírito que produziu os fenômenos pediu a Elisabeth Eslinger que orasse por sua alma. Ela atendeu ao seu pedido?
C. Nas manifestações do ex-padre registrou-se algum fato não usual nesse tipo de fenômeno?

Texto para leitura

220. Caso IX – Este caso ocorreu nas prisões de Weinsberg, Alemanha, em 1835, e foi examinado pelo Dr. Justino Kerner, médico das prisões e autor da famosa obra Die Seherin von Prevorst (A vidente de Prevorst). Ele fez aparecer a narração do caso em uma brochura, na qual reproduziu os numerosos interrogatórios a que submeteu os prisioneiros, que introduzia sucessivamente na cela da vidente, a fim de vigiá-la. Essa vidente era Elisabeth Eslinger, que fora detida por infrações às leis, por ocasião da pesquisa de um tesouro oculto. Era uma grande "sensitiva" ou antes um grande médium, pois já antes da sua prisão tivera colóquios com o Espírito que se manifestou, em seguida, no seu cárcere.
221. De ordem do diretor da prisão, o juiz Mayer, prometeu-se recompensar com a liberdade imediata o prisioneiro que conseguisse levar a vidente a fraudar. Compreende-se, porém, que na cela de uma prisão fraudes e artimanhas eram impossíveis, tanto assim que todos tiveram que reconhecer a autenticidade dos fatos.
222. Além dos testemunhos dos prisioneiros, a brochura contém as narrações de vários sábios e artistas que o Dr. Kerner, a pedido dos magistrados encarregados do inquérito, convidou para passar algumas noites no cárcere da "mulher assombrada por um espírito". Notam-se, entre outros, os nomes dos Drs. Seyffer e Sicherer, do Juiz Heyd, do Barão von Hugel, do Prof. Kapft, do advogado Fraas, do pintor Wagner e do gravador Dettenhoffer.
223. No caso houve numerosos incidentes de impressões de mãos de fogo, das quais a última foi a mais importante, pois os cinco dedos de uma mão do Espírito ficaram gravados no lenço em que Elisabeth Eslinger envolvera a mão antes de estendê-la ao Espírito. Além do fenômeno das "impressões", verificaram-se manifestações de todas as espécies. Os fatos foram extraídos do livro da Sra. Crow: The Nightsides of Nature (Os lados obscuros da Natureza), que reproduz quase na íntegra o opúsculo do Dr. Kerner.
224. Quase todas as noites, Elisabeth Eslinger, que era uma mulher sã e robusta, com cerca de 38 anos, era visitada em seu cubículo por um Espírito que dizia ser um padre católico que tinha vivido em Wimmenthal e se achava há muito no mundo espiritual em condições inferiores de existência, em consequência de graves faltas que cometera quando encarnado. Ele era, evidentemente, obsidiado por um "monoteísmo post-mortem" que concordava com o fato de ter sido padre católico, visto que esse "monoteísmo" consistia em pedir à vidente e a todo o mundo que orassem por sua alma.
225. O Espírito manifestava-se entrando pela porta ou pela janela. Quando entrava pela porta, abria-a e fechava-a de modo muito visível, pois que os assistentes percebiam, durante um momento, o interior do corredor que dava para a cela. Quando entrava pela janela, que se achava num lugar alto e era fechada por sólidas barras de ferro, a sacudia violentamente. Alguns magistrados, querendo certificar-se a que ponto podiam ser sacudidas essas grades, ordenaram a vários homens robustos que o fizessem e verificaram, então, que era preciso o concurso de seis homens para sacudi-las fracamente, ao passo que o Espírito as sacudia com violência.
226. Quando o Espírito se aproximava de uma pessoa, esta sentia, invariavelmente, "golpes de vento gelado" acompanhados de uma espécie de crepitar elétrico e de ruídos análogos a tiros de pistola. Além disto, o Espírito exalava um fedor cadavérico insuportável, que chegou a causar desmaios a alguns dos assistentes. Sua cabeça estava cercada de uma luminosidade fosforescente, e, ao passo que alguns não a percebiam, outros viam uma sombra vaporosa, de forma humana, distinguindo os sensitivos o aspecto normal do Espírito, tal qual o descrevia a vidente.
227. Quando o fantasma tocava uma pessoa, esta sentia no lugar tocado a sensação de uma queimadura e aí se formava logo uma mancha avermelhada ou uma bolha. Falava com um voz penosa e profunda, que vários assistentes percebiam ao mesmo tempo que a vidente. Todos, indistintamente, ouviam os ruídos diversos que se produziam e sentiam os golpes de vento fresco e o terrível mau cheiro cadavérico que dele exalava. A propósito da objetividade indubitável dos fenômenos, pode-se salientar esta circunstância.
228. Alguns membros da comissão encarregada do inquérito tiveram a ideia de pôr na cela da vidente um gato pertencente aos guardas da prisão. Logo que o fantasma apareceu, o gato se mostrou terrivelmente impressionado e, em suas tentativas para fugir, se atirou cegamente contra as paredes da prisão. Meteu-se a seguir debaixo das cobertas do leito e não se mexeu mais. Outra experiência se fez, essa, porém, com resultadas deploráveis para o pobre felino que, desde então, recusou toda alimentação e não tardou a morrer.
229. O Espírito se manifestou, também, nas casas dos membros da comissão e nas do diretor da prisão e do Dr. Kerner, anunciando-se aos presentes com os seus sinais habituais, consistentes em jatos de ar frio ou crepitação elétrica, em tiros semelhantes aos que são produzidos com uma pistola, tudo acompanhado do terrível fedor cadavérico e dos contatos que deixavam estigmas.
230. Um certo Sr. Dorr, de Heilbronn, zombava dos que acreditavam nessas "baixas superstições". O Dr. Kerner pediu, então, à vidente que conseguisse que o Espírito fosse à casa desse céptico para o convencer. O Espírito foi e manifestou-se no seu quarto de dormir com seus modos costumeiros. O Sr. Dorr convenceu-se dos fatos e contribuiu com seu próprio testemunho para o inquérito do doutor Kerner.
231. Eis, a seguir, alguns incidentes típicos de "mãos de fogo" que se produziram com Elisabeth Eslinger.
232. Falando da vidente, observa o Dr. Kerner: "Ela dizia muitas vezes ao Espírito que as preces de uma pecadora como ela não podiam servir para libertá-lo do sofrimento; que ele devia, ao contrário, dirigir-se ao Redentor; ele, porém, continuava com suas súplicas. Quando ela lhe falava assim, ele se entristecia e se chegava para perto dela, de modo tal que sua cabeça ficava muito perto do rosto de Elisabeth. Parecia ter fome de preces. Ela sentia, muitas vezes, que lágrimas do fantasma lhe caíam sobre a face e o pescoço; eram geladas e, entretanto, a pobre mulher experimentava uma sensação de queimadura no lugar em que elas caíam e uma marca azul e vermelha aí se formava."
233. Esse curioso fenômeno se produziu por várias vezes. Concebe-se que lágrimas realmente liquidas não teriam podido escorrer do corpo fluídico do fantasma, podendo-se, todavia, admitir que a vontade do fantasma as tenha materializado para a circunstância, mas não as consideraremos ainda e suporemos que a sensação das lágrimas, que caíam sobre a pessoa da vidente, era puramente subjetiva. Contudo, vale ressaltar que essas lágrimas deixaram no rosto da vidente uma impressão permanente.
234. Esse fenômeno poderia ser interpretado pela hipótese dos "estigmas por autossugestão emotiva", mas isso se o considerássemos isoladamente e não conjuntamente com os outros fenômenos semelhantes que se produziram com a mesma sensitiva. Com efeito, neste último caso, seria audácia sustentar esta tese em face da produção dos mesmos fatos com os membros da comissão de inquérito, os quais não podiam todos se sugestionar. Enfim, semelhante tese não se sustentaria se se a considerasse juntamente com o fenômeno da impressão de mão de fogo, que ficou gravada num lenço.
235. O juiz Mayer, diretor da prisão, não quis acreditar que os fatos tivessem origem supranormal e, por isso, disse a Elisabeth que, se ela quisesse convencê-lo nesse ponto, pedisse então ao Espírito que fosse a sua casa. Eis o que o Sr. Mayer relatou: "Na noite seguinte ao dia em que disse isto, deitei-me e dormi, não esperando tal visita; fui porém, despertado cerca da meia-noite por algo que me tocava no cotovelo esquerdo. Senti depois uma dor e, de manhã, quando olhei para essa parte do braço, vi várias manchas azuis. Disse todavia a Elisabeth que isto não bastava e que era preciso dizer ao fantasma para me tocar no outro cotovelo. Isto se deu na noite seguinte, na qual senti o horrível fedor de putrefação. As manchas azuis apareceram. Percebi, também, os jatos de vento frio e os ruídos habituais do fantasma, mas não consegui vislumbrar a sua forma. Minha esposa, ao contrário, viu o fantasma e rezou todo o tempo em que ele permaneceu no nosso quarto."
236. Como se aproximasse o dia em que Elisabeth Eslinger deveria ser solta, o Espírito a exortou com insistência para ir a Wimmenthal, a fim de orar por ele no lugar em que nascera e vivera. Ela partiu para esse lugar, a conselho de pessoas amigas, que a acompanharam em sua piedosa peregrinação. Logo que Elisabeth se ajoelhou ao ar livre e começou as orações, os presentes viram o fantasma perto dela, mas nem todos o perceberam com a mesma nitidez, sendo que uma das testemunhas só divisou nesse lugar uma nuvem  branca.
237. Elisabeth Eslinger hesitou por muito tempo, antes de partir para Wimmenthal, como se temesse que alguma desgraça lhe sucedesse; por isto, antes da sua volta, quis orar por seus filhos. Em dado momento, os presentes notaram que não rezava mais e, aproximando-se dela, encontraram-na desmaiada. Voltando a si, Elisabeth contou que o fantasma, antes de deixá-la definitivamente, lhe pedira para apertar-lhe a mão. Após tê-la enrolado num lenço, ela lhe estendeu. Ao contato da mão do fantasma, uma chamazinha se desprendeu do lenço e aí se encontraram as marcas dos dedos do fantasma, sob a forma de queimadura. Depois desse incidente, o Espírito não reapareceu mais, nem na prisão, nem na casa dos membros da comissão de inquérito.
238. Registre-se que, na época em que os fatos descritos se produziram, o movimento espírita não havido nascido; portanto, ninguém poderia pensar que manifestações de uma entidade espiritual, assim como fenômenos mediúnicos de natureza física, fossem precedidos de "golpes de ar fresco".
239. Quanto ao fenômeno estranho e pouco agradável do "fedor cadavérico" que se desprendia do espectro, limito-me a notar que esse fenômeno é um dos mais raros da casuística mediúnica, tão raro que nas minhas classificações apenas encontro registrados três casos.
240. A Sra. Florence Marryat, em seu livro There is no death (Não há morte), descreve um fenômeno semelhante, que sempre se produzia no decurso de uma longa série de experiências feitas com um médium de materializações, mas era apenas quando se materializava certa personalidade mediúnica que tal fedor se desprendia, de modo tal que a própria Sra. Marryat era atacada de náuseas.
241. É preciso que se concorde que, do ponto de vista probatório, esse detalhe pouco agradável reveste uma importância considerável, porque não se poderia explicá-lo pela fraude. Ao contrário, do ponto de vista teórico, difícil é interpretá-lo. Pode-se supor que, em tais casos, dissociações de substâncias orgânicas se produzissem no corpo do médium, com uma emissão de azoto e outros gases que engendravam o terrível fedor cadavérico. Ficaria, todavia, uma circunstância embaraçosa a explicar, no caso da Sra. Marryat, porque uma única personalidade mediúnica apresentava esse deplorável inconveniente, no meio de uma série de outras personalidades mediúnicas que se materializavam com o mesmo médium.
242. Do ponto de vista espírita, essa circunstância pode ser explicada admitindo-se as razões que dão a este respeito os "espíritos guias", isto é, que esse traço característico é próprio de uma "entidade espiritual muito inferior". Do ponto de vista anímico, não se poderia compreender porque, numa série de fantasmas materializados com o auxílio do mesmo médium, apenas um tinha a prerrogativa de subtrair azoto e outros gases deletérios do organismo do médium.

Respostas às questões preliminares

A. O Caso IX refere-se a vários fenômenos em que atuou como médium Elisabeth Eslinger, conhecida como a vidente de Prevorst. Quem foi na Terra o Espírito que produziu os fatos mencionados?
O Espírito que produziu os fenômenos pertinentes ao Caso IX dizia ter sido um padre católico que tinha vivido em Wimmenthal e se achava há muito no mundo espiritual em condições inferiores de existência, em consequência de graves faltas que cometera quando encarnado. Seu principal objetivo, com as manifestações, era pedir à vidente e a todo o mundo que orassem por sua alma. (A morte e os seus mistérios, 2ª Monografia – Marcas e impressões supranormais de mãos de fogo, Caso IX.)
B. O Espírito que produziu os fenômenos pediu a Elisabeth Eslinger que orasse por sua alma. Ela atendeu ao seu pedido?
Sim. Perto do dia em que Elisabeth Eslinger deveria ser solta, visto que os fatos ocorreram durante a permanência da médium em um presídio, o Espírito a exortou com insistência para ir a Wimmenthal, a fim de orar por ele no lugar em que nascera e vivera. Ela partiu, então, para esse lugar, a conselho de pessoas amigas, que a acompanharam em sua piedosa peregrinação. Logo que se ajoelhou ao ar livre e começou as orações, os presentes viram o fantasma perto dela, embora nem todos o tivessem percebido com a mesma nitidez. (Obra citada, 2ª Monografia – Caso IX.)
C. Nas manifestações do ex-padre registrou-se algum fato não usual nesse tipo de fenômeno?
Sim. A presença do Espírito era acompanhada de um "fedor cadavérico" característico. Segundo Bozzano, esse fato é um dos mais raros da casuística mediúnica, tão raro que nas suas classificações ele havia registrado somente três casos. (Obra citada, 2ª Monografia – Caso IX.)


Observação:
Para acessar a Parte 14 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/01/a-morte-e-osseus-misterios-ernesto.html




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