A morte e os
seus mistérios
Ernesto Bozzano
Parte 15
Continuamos o estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano,
conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo será aqui apresentado em 24 partes. Nossa
expectativa é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos
chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. O Caso IX refere-se a vários fenômenos em que atuou como
médium Elisabeth Eslinger, conhecida como a vidente de Prevorst. Quem foi na
Terra o Espírito que produziu os fatos mencionados?
B. O Espírito que produziu os fenômenos pediu a Elisabeth
Eslinger que orasse por sua alma. Ela atendeu ao seu pedido?
C. Nas manifestações do ex-padre registrou-se algum fato
não usual nesse tipo de fenômeno?
Texto para
leitura
220. Caso IX –
Este caso ocorreu nas prisões de Weinsberg, Alemanha, em 1835, e foi examinado
pelo Dr. Justino Kerner, médico das prisões e autor da famosa obra Die Seherin von Prevorst (A vidente de
Prevorst). Ele fez aparecer a narração do caso em uma brochura, na qual
reproduziu os numerosos interrogatórios a que submeteu os prisioneiros, que
introduzia sucessivamente na cela da vidente, a fim de vigiá-la. Essa vidente
era Elisabeth Eslinger, que fora detida por infrações às leis, por ocasião da
pesquisa de um tesouro oculto. Era uma grande "sensitiva" ou antes um
grande médium, pois já antes da sua prisão tivera colóquios com o Espírito que
se manifestou, em seguida, no seu cárcere.
221. De ordem do diretor da prisão, o juiz Mayer,
prometeu-se recompensar com a liberdade imediata o prisioneiro que conseguisse
levar a vidente a fraudar. Compreende-se, porém, que na cela de uma prisão
fraudes e artimanhas eram impossíveis, tanto assim que todos tiveram que
reconhecer a autenticidade dos fatos.
222. Além dos testemunhos dos prisioneiros, a brochura
contém as narrações de vários sábios e artistas que o Dr. Kerner, a pedido dos
magistrados encarregados do inquérito, convidou para passar algumas noites no
cárcere da "mulher assombrada por um espírito". Notam-se, entre
outros, os nomes dos Drs. Seyffer e Sicherer, do Juiz Heyd, do Barão von Hugel,
do Prof. Kapft, do advogado Fraas, do pintor Wagner e do gravador Dettenhoffer.
223. No caso houve numerosos incidentes de impressões de
mãos de fogo, das quais a última foi a mais importante, pois os cinco dedos de
uma mão do Espírito ficaram gravados no lenço em que Elisabeth Eslinger
envolvera a mão antes de estendê-la ao Espírito. Além do fenômeno das
"impressões", verificaram-se manifestações de todas as espécies. Os
fatos foram extraídos do livro da Sra. Crow: The Nightsides of Nature (Os lados obscuros da Natureza), que
reproduz quase na íntegra o opúsculo do Dr. Kerner.
224. Quase todas as noites, Elisabeth Eslinger, que era uma
mulher sã e robusta, com cerca de 38 anos, era visitada em seu cubículo por um
Espírito que dizia ser um padre católico que tinha vivido em Wimmenthal e se
achava há muito no mundo espiritual em condições inferiores de existência, em
consequência de graves faltas que cometera quando encarnado. Ele era,
evidentemente, obsidiado por um "monoteísmo post-mortem" que
concordava com o fato de ter sido padre católico, visto que esse
"monoteísmo" consistia em pedir à vidente e a todo o mundo que
orassem por sua alma.
225. O Espírito manifestava-se entrando pela porta ou pela
janela. Quando entrava pela porta, abria-a e fechava-a de modo muito visível,
pois que os assistentes percebiam, durante um momento, o interior do corredor
que dava para a cela. Quando entrava pela janela, que se achava num lugar alto
e era fechada por sólidas barras de ferro, a sacudia violentamente. Alguns
magistrados, querendo certificar-se a que ponto podiam ser sacudidas essas
grades, ordenaram a vários homens robustos que o fizessem e verificaram, então,
que era preciso o concurso de seis homens para sacudi-las fracamente, ao passo
que o Espírito as sacudia com violência.
226. Quando o Espírito se aproximava de uma pessoa, esta
sentia, invariavelmente, "golpes de vento gelado" acompanhados de uma
espécie de crepitar elétrico e de ruídos análogos a tiros de pistola. Além
disto, o Espírito exalava um fedor cadavérico insuportável, que chegou a causar
desmaios a alguns dos assistentes. Sua cabeça estava cercada de uma
luminosidade fosforescente, e, ao passo que alguns não a percebiam, outros viam
uma sombra vaporosa, de forma humana, distinguindo os sensitivos o aspecto
normal do Espírito, tal qual o descrevia a vidente.
227. Quando o fantasma tocava uma pessoa, esta sentia no
lugar tocado a sensação de uma queimadura e aí se formava logo uma mancha
avermelhada ou uma bolha. Falava com um voz penosa e profunda, que vários
assistentes percebiam ao mesmo tempo que a vidente. Todos, indistintamente,
ouviam os ruídos diversos que se produziam e sentiam os golpes de vento fresco
e o terrível mau cheiro cadavérico que dele exalava. A propósito da
objetividade indubitável dos fenômenos, pode-se salientar esta circunstância.
228. Alguns membros da comissão encarregada do inquérito
tiveram a ideia de pôr na cela da vidente um gato pertencente aos guardas da
prisão. Logo que o fantasma apareceu, o gato se mostrou terrivelmente
impressionado e, em suas tentativas para fugir, se atirou cegamente contra as
paredes da prisão. Meteu-se a seguir debaixo das cobertas do leito e não se
mexeu mais. Outra experiência se fez, essa, porém, com resultadas deploráveis
para o pobre felino que, desde então, recusou toda alimentação e não tardou a
morrer.
229. O Espírito se manifestou, também, nas casas dos
membros da comissão e nas do diretor da prisão e do Dr. Kerner, anunciando-se
aos presentes com os seus sinais habituais, consistentes em jatos de ar frio ou
crepitação elétrica, em tiros semelhantes aos que são produzidos com uma
pistola, tudo acompanhado do terrível fedor cadavérico e dos contatos que
deixavam estigmas.
230. Um certo Sr. Dorr, de Heilbronn, zombava dos que
acreditavam nessas "baixas superstições". O Dr. Kerner pediu, então,
à vidente que conseguisse que o Espírito fosse à casa desse céptico para o
convencer. O Espírito foi e manifestou-se no seu quarto de dormir com seus
modos costumeiros. O Sr. Dorr convenceu-se dos fatos e contribuiu com seu
próprio testemunho para o inquérito do doutor Kerner.
231. Eis, a seguir, alguns incidentes típicos de "mãos
de fogo" que se produziram com Elisabeth Eslinger.
232. Falando da vidente, observa o Dr. Kerner: "Ela
dizia muitas vezes ao Espírito que as preces de uma pecadora como ela não
podiam servir para libertá-lo do sofrimento; que ele devia, ao contrário,
dirigir-se ao Redentor; ele, porém, continuava com suas súplicas. Quando ela
lhe falava assim, ele se entristecia e se chegava para perto dela, de modo tal
que sua cabeça ficava muito perto do rosto de Elisabeth. Parecia ter fome de
preces. Ela sentia, muitas vezes, que lágrimas do fantasma lhe caíam sobre a
face e o pescoço; eram geladas e, entretanto, a pobre mulher experimentava uma
sensação de queimadura no lugar em que elas caíam e uma marca azul e vermelha
aí se formava."
233. Esse curioso fenômeno se produziu por várias vezes.
Concebe-se que lágrimas realmente liquidas não teriam podido escorrer do corpo
fluídico do fantasma, podendo-se, todavia, admitir que a vontade do fantasma as
tenha materializado para a circunstância, mas não as consideraremos ainda e
suporemos que a sensação das lágrimas, que caíam sobre a pessoa da vidente, era
puramente subjetiva. Contudo, vale ressaltar que essas lágrimas deixaram no
rosto da vidente uma impressão permanente.
234. Esse fenômeno poderia ser interpretado pela hipótese
dos "estigmas por autossugestão emotiva", mas isso se o
considerássemos isoladamente e não conjuntamente com os outros fenômenos
semelhantes que se produziram com a mesma sensitiva. Com efeito, neste último
caso, seria audácia sustentar esta tese em face da produção dos mesmos fatos
com os membros da comissão de inquérito, os quais não podiam todos se
sugestionar. Enfim, semelhante tese não se sustentaria se se a considerasse
juntamente com o fenômeno da impressão de mão de fogo, que ficou gravada num
lenço.
235. O juiz Mayer, diretor da prisão, não quis acreditar
que os fatos tivessem origem supranormal e, por isso, disse a Elisabeth que, se
ela quisesse convencê-lo nesse ponto, pedisse então ao Espírito que fosse a sua
casa. Eis o que o Sr. Mayer relatou: "Na noite seguinte ao dia em que
disse isto, deitei-me e dormi, não esperando tal visita; fui porém, despertado
cerca da meia-noite por algo que me tocava no cotovelo esquerdo. Senti depois
uma dor e, de manhã, quando olhei para essa parte do braço, vi várias manchas
azuis. Disse todavia a Elisabeth que isto não bastava e que era preciso dizer
ao fantasma para me tocar no outro cotovelo. Isto se deu na noite seguinte, na
qual senti o horrível fedor de putrefação. As manchas azuis apareceram.
Percebi, também, os jatos de vento frio e os ruídos habituais do fantasma, mas
não consegui vislumbrar a sua forma. Minha esposa, ao contrário, viu o fantasma
e rezou todo o tempo em que ele permaneceu no nosso quarto."
236. Como se aproximasse o dia em que Elisabeth Eslinger
deveria ser solta, o Espírito a exortou com insistência para ir a Wimmenthal, a
fim de orar por ele no lugar em que nascera e vivera. Ela partiu para esse
lugar, a conselho de pessoas amigas, que a acompanharam em sua piedosa
peregrinação. Logo que Elisabeth se ajoelhou ao ar livre e começou as orações,
os presentes viram o fantasma perto dela, mas nem todos o perceberam com a
mesma nitidez, sendo que uma das testemunhas só divisou nesse lugar uma
nuvem branca.
237. Elisabeth Eslinger hesitou por muito tempo, antes de
partir para Wimmenthal, como se temesse que alguma desgraça lhe sucedesse; por
isto, antes da sua volta, quis orar por seus filhos. Em dado momento, os
presentes notaram que não rezava mais e, aproximando-se dela, encontraram-na
desmaiada. Voltando a si, Elisabeth contou que o fantasma, antes de deixá-la
definitivamente, lhe pedira para apertar-lhe a mão. Após tê-la enrolado num
lenço, ela lhe estendeu. Ao contato da mão do fantasma, uma chamazinha se
desprendeu do lenço e aí se encontraram as marcas dos dedos do fantasma, sob a
forma de queimadura. Depois desse incidente, o Espírito não reapareceu mais,
nem na prisão, nem na casa dos membros da comissão de inquérito.
238. Registre-se que, na época em que os fatos descritos se
produziram, o movimento espírita não havido nascido; portanto, ninguém poderia
pensar que manifestações de uma entidade espiritual, assim como fenômenos
mediúnicos de natureza física, fossem precedidos de "golpes de ar
fresco".
239. Quanto ao fenômeno estranho e pouco agradável do
"fedor cadavérico" que se desprendia do espectro, limito-me a notar
que esse fenômeno é um dos mais raros da casuística mediúnica, tão raro que nas
minhas classificações apenas encontro registrados três casos.
240. A Sra. Florence Marryat, em seu livro There is no death (Não há morte),
descreve um fenômeno semelhante, que sempre se produzia no decurso de uma longa
série de experiências feitas com um médium de materializações, mas era apenas
quando se materializava certa personalidade mediúnica que tal fedor se
desprendia, de modo tal que a própria Sra. Marryat era atacada de náuseas.
241. É preciso que se concorde que, do ponto de vista
probatório, esse detalhe pouco agradável reveste uma importância considerável,
porque não se poderia explicá-lo pela fraude. Ao contrário, do ponto de vista
teórico, difícil é interpretá-lo. Pode-se supor que, em tais casos,
dissociações de substâncias orgânicas se produzissem no corpo do médium, com
uma emissão de azoto e outros gases que engendravam o terrível fedor
cadavérico. Ficaria, todavia, uma circunstância embaraçosa a explicar, no caso
da Sra. Marryat, porque uma única personalidade mediúnica apresentava esse
deplorável inconveniente, no meio de uma série de outras personalidades
mediúnicas que se materializavam com o mesmo médium.
242. Do ponto de vista espírita, essa circunstância pode
ser explicada admitindo-se as razões que dão a este respeito os "espíritos
guias", isto é, que esse traço característico é próprio de uma
"entidade espiritual muito inferior". Do ponto de vista anímico, não
se poderia compreender porque, numa série de fantasmas materializados com o
auxílio do mesmo médium, apenas um tinha a prerrogativa de subtrair azoto e
outros gases deletérios do organismo do médium.
Respostas às
questões preliminares
A. O Caso IX
refere-se a vários fenômenos em que atuou como médium Elisabeth Eslinger,
conhecida como a vidente de Prevorst. Quem foi na Terra o Espírito que produziu
os fatos mencionados?
O Espírito que produziu os fenômenos pertinentes ao Caso IX
dizia ter sido um padre católico que tinha vivido em Wimmenthal e se achava há
muito no mundo espiritual em condições inferiores de existência, em
consequência de graves faltas que cometera quando encarnado. Seu principal
objetivo, com as manifestações, era pedir à vidente e a todo o mundo que
orassem por sua alma. (A morte e os seus mistérios,
2ª Monografia – Marcas e impressões supranormais de mãos de fogo, Caso IX.)
B. O Espírito
que produziu os fenômenos pediu a Elisabeth Eslinger que orasse por sua alma.
Ela atendeu ao seu pedido?
Sim. Perto do dia em que Elisabeth Eslinger deveria ser
solta, visto que os fatos ocorreram durante a permanência da médium em um
presídio, o Espírito a exortou com insistência para ir a Wimmenthal, a fim de
orar por ele no lugar em que nascera e vivera. Ela partiu, então, para esse
lugar, a conselho de pessoas amigas, que a acompanharam em sua piedosa
peregrinação. Logo que se ajoelhou ao ar livre e começou as orações, os
presentes viram o fantasma perto dela, embora nem todos o tivessem percebido
com a mesma nitidez. (Obra citada, 2ª Monografia – Caso IX.)
C. Nas
manifestações do ex-padre registrou-se algum fato não usual nesse tipo de
fenômeno?
Sim. A presença do Espírito era acompanhada de um
"fedor cadavérico" característico. Segundo Bozzano, esse fato é um
dos mais raros da casuística mediúnica, tão raro que nas suas classificações
ele havia registrado somente três casos. (Obra citada, 2ª Monografia – Caso
IX.)
Observação:
Para acessar a Parte 14 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/01/a-morte-e-osseus-misterios-ernesto.html
Como consultar as matérias deste
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